Segunda, 18 de junho de 2012
Por
Ivan de Carvalho

Por esta mentalidade, a
sociedade, o povo, do qual, nas democracias, emana o poder e em nome do qual é
exercido, não tem que meter o bedelho nesses negócios e, como diriam os
franceses se falassem português, “amaldiçoado seja quem pensar mal dessas
coisas”.
É evidente que em
muitíssimos casos – podemos chegar facilmente a essa conclusão, quando levamos
em conta o espantoso e ostensivo grau de corrupção e de outros desvios que a
administração pública atingiu no Brasil – a resistência ao cumprimento da lei
decorre do desejo de manter segredo a respeito de miríades de “malfeitos”.
“O que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente
esconde”, ensinou, pensando que não era ouvido pelo país, o embaixador Rubens
Ricúpero, quando ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, embora em um
contexto que, justiça se faça, não envolvia a corrupção, mas envolvia o
gravíssimo e antidemocrático erro de manter a população em ignorância sobre os
altos e baixos dos primeiros meses do Plano Real. Significava que ele e o
governo buscavam mostrar apenas os altos e esconder os baixos.
Em outra multidão de casos que começaram a
ocorrer e também, como os da primeira categoria, se multiplicarão, a
resistência à prestação de informação tornada obrigatória pela Lei de Acesso
decorre não de um objetivo de ocultar o malfeito, mas de uma cultura da
burocracia que vê como uma propriedade sua o conhecimento dos negócios
estatais, não raramente por puro deleite, pelo prazer de saber coisas cujo
conhecimento nega aos cidadãos comuns – uma sensação de poder.
Bem, passando das avaliações aos fatos. Para
fugir da obrigação de divulgar dados públicos, o governo está reclassificando
documentos como sigilosos, para que passe a ter supostamente justificativa para
negar pedidos de informação. Não fosse a nova lei, tais documentos continuariam
sem classificação de sigilo, na verdade de livre consulta, e o governo arbitrariamente
os manteria sob reserva, escondendo-os da sociedade, se lhe interessasse.
Mas, a entrada em vigor, em 16 de maio, da
referida lei, determinando a obrigatoriedade da prestação da informação, deflagrou
uma vergonhosa e ridícula – mas maligna, porque de espírito autoritário e de
desrespeito à lei que busca driblar – corrida para carimbar como reservados
documentos que assim não haviam sido considerados antes.
O carimbo, a depender do grau de sigilo imposto,
pode manter o documento fora do raio de ação da Lei de Acesso à Informação pelo
prazo mínimo de cinco anos e máximo de até 25 anos. A nova lei, que tem a
transparência como objetivo e pode ser um poderoso instrumento contra a
corrupção e outros “malfeitos”, está funcionando mal no governo da presidente
Dilma Rousseff, como demonstrou ontem ampla reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Alega-se risco “à
segurança da sociedade e ou do Estado” para negar até informações sobre
convênios rotineiros, como, no Ministério da Ciência e Tecnologia, dados sobre
uma parceria com entidade sem fins lucrativos para realização de palestras e
cursos de acessibilidade que facilitem a inclusão de pessoas com deficiência.
- - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na
Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.