Quinta, 3 de abril de 2014
Do TST
A
Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o proprietário
da Fazenda Triângulo, José Roberto Gomes Mansur (Beto Mansur, deputado
federal pelo PRB/SP) ao pagamento de indenização de R$ 200 mil por dano
moral coletivo. Ao justificar a condenação, a Turma destacou que as
provas constantes no processo demonstraram a existência de trabalho
análogo ao de escravo e de prestação de serviço por menores, além de
diversas outras violações aos direitos dos trabalhadores. A fazenda fica
no Município de Bonópolis (GO).
A
decisão restabelece o valor da condenação fixado inicialmente pela Vara
do Trabalho de Uruaçu (GO) ao julgar ação civil pública ajuizada em
2005 pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O Tribunal Regional do
Trabalho da 18ª Região (GO) reduziu-o para R$ 50 mil.
A
Turma do TST deu provimento a recurso do MPT e considerou os R$ 50 mil
incompatíveis tanto com a gravidade dos ilícitos praticados quanto com a
capacidade econômica do empregador. A majoração também teve o objetivo
de tornar ineficaz o caráter pedagógico da condenação, devido à
inexpressividade financeira. O valor será revertido ao Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT).
Condições degradantes
Um
grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
realizou inspeção na propriedade rural por solicitação do promotor de
Justiça da cidade de Porangatu (GO). A equipe contou com auditores
fiscais do Trabalho, policiais e delegado da Polícia Federal e
procurador do Trabalho integrante da Coordenadoria Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho.
De
acordo com o relato feito na reclamação trabalhista, o grupo encontrou
trabalhadores em frentes de trabalho de catação de raiz vinculados a
intermediários de mão-de-obra, os chamados "gatos". Além trabalhar em
condições precárias, os trabalhadores ficavam alojados em barracões com
cobertura de plástico preto e palha, sobre chão batido, sem proteção
lateral, em péssimas condições de higiene. Também não havia instalações
sanitárias ou fornecimento de água potável.
No
local foi constatada a presença de menores de 17 e até de 14 anos de
idade prestando serviços. Dos trabalhadores entrevistados, a maioria não
tinha Carteira de Trabalho e Previdência Social anotada.
No
local era adotado o sistema do barracão, que consiste na venda aos
trabalhadores de artigos como sabonete, fumo, isqueiro e rapadura. As
compras eram anotadas em caderneta para posterior acerto de contas,
mediante desconto nos salários, com vantagem ilícita aos empregadores.
O
procedimento foi classificado, na sentença, como autêntica "servidão
por dívida", já que se aproveitava do baixo grau de instrução dos
trabalhadores (em boa parte analfabetos), do difícil acesso a centro
urbano e da dificuldade de locomoção no meio rural.
Além
da penalidade em obrigações de fazer – fornecer alojamento com
condições sanitárias adequadas, proteção contra intempéries durante o
trabalho a céu aberto, condições de conforto e higiene para refeições e
fornecimento de água própria para o consumo humano –, houve determinação
de uso de equipamento de proteção individual (EPI) pelos trabalhadores.
A juíza da Vara do Trabalho de Uruaçu explicou que, nos dias de hoje, o
trabalho em condição análoga à de escravo não deve ser entendido
somente como o que restringe a liberdade por completo do trabalhador ou o
que oferece ameaça à sua integridade física.
Em
recurso ordinário ao TRT-GO, o empregador conseguiu reduzir a
condenação por dano moral coletivo de R$ 200 mil para R$ 50 mil. Tanto o
MPT quanto o fazendeiro recorreram ao Tribunal Superior do Trabalho,
questionando diversos pontos da decisão do Regional.
TST
Em
seu apelo, o deputado, embora tenha admitido a ocorrência do dano,
afirmou que não teria havido ofensa ao patrimônio moral da sociedade.
Desse modo, ausentes os requisitos legais necessários ao deferimento de
indenização por dano moral coletivo, não se justificaria a condenação.
Seu
recurso, porém, não foi conhecido. O relator, ministro Emmanoel
Pereira, destacou que as afirmações do TRT-GO quanto à veracidade dos
fatos acerca de desrespeito aos direitos fundamentais trabalhistas na
arregimentação de catadores de raízes para sua propriedade rural
exigiriam, para alterar a decisão, que a Turma revisse os fatos e provas
dos autos, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.
O
recurso do MPT, para o qual a condenação em R$ 50 mil estaria aquém dos
limites da razoabilidade e da proporcionalidade, foi provido. "No caso
concreto, a prova não deixa dúvidas sobre existência de trabalho
degradante e ofensivo à dignidade do trabalhador, ou seja, análogo ao de
escravo, a existência do repudiado trabalho infantil, além de inúmeros
outros desrespeitos aos direitos dos trabalhadores", afirmou o ministro
Emmanoel Pereira. "Diante desse contexto, o Regional, ao reduzir o valor
da indenização, fixou essa verba em montante extremamente reduzido".
Na
sessão de julgamento, A Turma atendeu a pedido do representante do
Ministério Público do Trabalho de que a decisão seja encaminhada ao
Procurador Eleitoral da 18º Região, para consideração ante o teor da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).
(Cristina Gimenes e Carmem Feijó)
Processo: ARR-8600-37.2005.5.18.0251