Sexta, 15 de agosto de 2014
Por Celso Lungaretti
Emir
Sader é um sociólogo petista que se apresenta também como cientista
político. Fez, claro, um doutorado que lhe dá o direito de portar título
tão pomposo, mas eu acho graça em atribuir-se cientificidade à
política.
Para entendermos os lances atuais da nossa política e dos nossos
políticos profissionais, melhor instrumental nos dão Freud e Agatha
Christie. Para explicar-nos os episódios do passado, bastam os
historiadores. E, sem possuir estatísticas a respeito (alguém as tem?),
suspeito que a taxa de acerto dos prognósticos de cientistas políticos
seja inferior à de cartomantes, tarólogos e jogadores de búzios.
O certo é que não vi ciência nenhuma na análise de Sader a respeito da
candidatura de Marina Silva à Presidência da República, apenas wishful thinking de quem a teme e, desde já, a combate. Começando pelo título: A direita quer que Marina seja sua tábua de salvação (acesse o artigo clicando aqui).
Ou seja, é preciso martelar na cabeça do eleitorado de esquerda uma
inexistente associação entre Marina e a direita, para favorecer a
candidata que, como presidenta da República, jamais peitou pra valer o
grande capital, o agronegócio, os bancos, os picaretas que exploram a fé
e os militares que debocham da Comissão da Verdade, entre outros. E que
nem sequer teve a coragem de dar asilo a Edward Snowden, mostrando ser
uma criatura bem pior do que o criador, pois Lula não virou as costas a
Cesare Battisti.
Para preservar sua respeitabilidade acadêmica, lá pelas tantas Sader coloca esta ressalva, seguida de mais veneno:
"Plenamente dispostos (?) a enterrar definitivamente ao (?) debilitado Aecio, as (?) vozes da direita se excitam, entre frenesi e angustia de perder essa oportunidade. Não importa se Marina não é uma pessoa confiável. Que pode assustar os empresários do agronegócio. Que tenha suas manias ecológicas. O que importa é tirar o PT do governo. Depois a gente vê. Se ela chegar a ganhar, vai precisar do apoio parlamentar e dos governadores tucanos, vai precisar da mídia. Se dá uns apertões e ela vai ceder, até porque não tem apoio próprio".
Erros de concordância e de regência à parte, o certo é que Marina bate
de frente, sim, com o capitalismo. E exatamente no que ele tem de mais
terrível e ameaçador nos dias atuais: o fato de estar simplesmente
encaminhando a espécie humana para a extinção.
Marina merece ser tratada com respeito, sem jogo sujo. |
Se danosa ao extremo é a exploração do homem pelo homem e se deveríamos
chorar lágrimas de sangue por continuar havendo tanta miséria e
sofrimento inútil quando já estão dadas as condições para todos os seres
humanos disporem do necessário para uma sobrevivência digna, é no front
ecológico que se trava a batalha primordial do momento. Ou desarmamos a
armadilha em tempo, ou poderá não existir século 22.
Precisamos mudar radicalmente a sociedade em que vivemos, mas a
prioridade primeira é assegurarmos que vá haver um amanhã, caso
contrário todo o resto será inútil. Simples assim. E Marina, com "suas
manias ecológicas", está bem no centro desta discussão, a mais
importante para a humanidade quando já se vislumbra o Leviatã no
horizonte.
Quanto à base parlamentar para garantir a tal da governabilidade, é
engraçado o Sader tocar neste assunto, se lembrarmos que foi ela o
motivo de o PT haver traído tantos princípios, incorrido em práticas tão
condenáveis e colado sua imagem à de figuras execráveis como Paulo
Maluf, José Sarney, Fernando Collor, Renan Calheiros, Jader Barbalho,
ACM e que tais.
Marina é uma incógnita e Dilma, a certeza de que tudo permanecerá como
dantes no quartel de Abrantes. Terá a acriana disposição e garra para,
eleita, lutar verdadeiramente contra a podridão política, ao invés de a
ela se adequar, ainda que a contragosto e cedendo a chantagens, como o
PT tem feito desde 2002? Honestamente, não dá para sabermos agora.
Futrica de Sader: candidatura de Marina conviria à direita. |
Assim como Sader não tem como saber se bastam "uns apertões e ela vai
ceder, até porque não tem apoio próprio" -a opinião que ele atribui aos
direitistas mas, no fundo, no fundo, quer mesmo é plantar na cabeça dos
seus leitores. Os incautos podem passar batidos por tais sutilezas, mas
não um jornalista veterano como eu.
Enfim, sugerir que adversários pertencentes ao campo da esquerda
estariam sendo circunstancialmente úteis para a direita, sem exibir
evidência nenhuma de anuência da parte deles, é apenas futrica
-cujo arsenal, segundo Sader, já estava quase esgotado do lado da
direita, mas parece ser inesgotável nos arraiais de certa esquerda que
nada aprendeu nem esqueceu desde o stalinismo.
Por último, como sou um mero comunicador e não almejo à respeitabilidade
acadêmica, vou fazer um paralelo futebolístico. Depois de o grande
goleiro do tricolor paulista, falhando três vezes, propiciar nova
desclassificação de sua equipe, o comentarista Juca Kfouri
aconselhou-lhe a aposentadoria: "Rogério Ceni precisa escolher se gosta
mais do São Paulo ou de si mesmo".
O PT também precisa decidir se gosta tanto de si mesmo a ponto de colocar em risco a permanência da esquerda no Palácio
do Planalto. Pois só não vê quem não quer que, num 2º turno entre Dilma e
Aécio Neves, o PSDB terá suas chances muito aumentadas em função do
desgaste acumulado pelo situacionismo em três governos sucessivos, do
desempenho pífio da economia brasileira e do desencanto que todos
percebemos existir e já pipoca nas ruas faz mais de um ano.
Enquanto isto, a carismática Marina, personificando a mudança e trazendo
esperança, tiraria a escada de Aécio (o antipetismo), deixando-o
pendurado na brocha.
É algo em que os petistas deveriam pensar, antes de utilizarem contra
uma adversária métodos que pegam mal até mesmo quando usados contra os
inimigos.