Domingo, 20 de setembro de 2015
"Por isso, meu caro Lula, segundo penso, você perdeu a oportunidade
histórica de se tornar o verdadeiro líder de um país que ainda busca um
caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade para todos."
"Agora, perdido o ensejo de sua consagração como grande liderança de
nossa história republicana recente, o operário-estadista, resta à
população brasileira o desconsolo de esperar por uma era de dificuldades
e incertezas."
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Do Blog Náufrago da Utopia
Celso Lungaretti
Antônio
Tito Costa é outro nonagenário inconformado com a trajetória negativa
cumprida por Lula e o PT, que começaram desafiando o patronato e hoje
dão seu aval a pacotes econômicos antipopulares, fazendo uma opção
preferencial pelos banqueiros em detrimento dos trabalhadores e do povo
brasileiro.
Sua carta aberta resume o que muitos petistas de outrora sentimos. Compartilhamos o mesmo sonho e amargamos a mesma decepção, amarga como fel.
"Quem te viu, quem te vê/ Quem não o conhece, não pode mais ver pra crer/ Quem jamais o
esquece, não pode reconhecer..."
Hoje, quando Lula se dispõe a percorrer o Brasil defendendo o neoliberalismo, é dos mais
CARTA ABERTA A LULA
Tito Costa (*)
Meu
caro Lula, permito-me escrever-lhe publicamente diante da
impossibilidade de nos falarmos em pessoa, com a franqueza dos tempos de
nossos seguidos contatos –você na presidência do Sindicato dos
Metalúrgicos e eu prefeito de São Bernardo do Campo.
Todos esses fatos sempre foram acompanhados por mim juntamente ao
senador Teotônio Vilela, a Ulysses Guimarães e a numerosos políticos do
então MDB.
Na véspera da intervenção no sindicato, você ligou no meu gabinete me
pedindo ajuda para retirar estoques de alimentos ali guardados. Enviei
caminhões da prefeitura para retirá-los e o material foi depositado na
igreja matriz da cidade.
Não falo das reuniões, madrugadas adentro, em meu apartamento em São
Bernardo, com figuras expressivas do mundo político e também de outras
esferas, como dom Cláudio Hummes, nosso amigo, então bispo de Santo
André, hoje pessoa de confiança do papa Francisco, em Roma. Éramos todos
preocupados com a sua sorte, a do sindicato e também a das nossas
instituições em pleno regime militar.
Prefiro não falar dos dias em que o acolhi em minha chácara na pequena
cidade de Torrinha, no interior de São Paulo, acobertando-o de
perseguições do poder militar da época: você, Marisa, os filhos
pequenos, vivendo horas de aflição e preocupantes expectativas.
Nem quero me lembrar das assembleias do sindicato, depois da intervenção
no estádio de Vila Euclides, cedido pela Prefeitura de São Bernardo,
fornecendo os aparatos possíveis de segurança.
Eram os primórdios de uma carreira vitoriosa como líder operário que
chegou à Presidência da República por um partido político que prometia
seriedade no manejo da coisa pública e logo decepcionou a todos pelos
desvios de comportamento e de abusos na condução da máquina
administrativa do Estado.
E aqui começa o seu desvio de uma carreira política que poderia tê-lo
consagrado como autêntico líder para um país ainda em busca de
desenvolvimento. Você deixou escapar-lhe das mãos a oportunidade
histórica de liderar a implantação de urgentes mudanças estruturais na
máquina do poder público.
Como bem lembrou Frei Betto, seu amigo e colaborador, você, liderando o
Partido dos Trabalhadores, abandonou um projeto de Brasil para
dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico projeto de poder,
acomodando-se aos vícios da política tradicional.
Assim, seu partido, em seus alargados anos de governo, com indissimulada
arrogância, optou por embrenhar-se na busca incessante, impatriótica e
irresponsável do aparelhamento do Estado em favor de sua causa que não é
a do país.
Enganou-se você com a pretensão equivocada de implantar uma era de
bonança artificial pela via perversa do paternalismo e do consumismo em
favor das classes menos favorecidas, levando-as ao engano do qual agora
se apercebem com natural desapontamento.
Por isso, meu caro Lula, segundo penso, você perdeu a oportunidade
histórica de se tornar o verdadeiro líder de um país que ainda busca um
caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade para todos. Alguma
coisa que poderia beirar a utopia, mas perfeitamente factível pelo poder
político que você e seu partido detiveram por largo tempo.
Agora, perdido o ensejo de sua consagração como grande liderança de
nossa história republicana recente, o operário-estadista, resta à
população brasileira o desconsolo de esperar por uma era de dificuldades
e incertezas.
Seu amigo, Tito Costa.
*
Antonio Tito Costa, 92 anos, era prefeito de São Bernardo do Campo.
quando das célebres greves de metalúrgicos lideradas por Lula. Foi
também deputado federal constituinte.