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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Remédio amargo para programas sociais não afeta bancos


Quinta, 10 de setembro de 2015
Da Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
Em seu pronunciamento no Dia da Independência, defensivamente feito através da Internet, para evitar reações contrárias naquele momento, a presidente Dilma Rousseff – reportagem de Geralda Doca, Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut, O Globo de terça-feira – deixou aberta a possibilidade de uma reavaliação de programas sociais e acentuou que o remédio para superar a crise e retomar o desenvolvimento será amargo. A perspectiva, portanto, é a de corte nas verbas destinadas à área social, posição esta, assinalou a reportagem, defendida pelo ministro Joaquim Levy.
Ocorre de plano uma pergunta obrigatória: os cortes a serem praticados encontram-se dentro dos limites da lei? Sim. A indagação se impõe porque restrições não podem atingir direitos adquiridos. E a dúvida natural conduz à outra: a quais cortes, especificamente, ela se referiu?
A generalização é perigosa, tanto para os trabalhadores e servidores públicos quanto para o próprio governo. Pode contribuir para uma nova redução do consumo e aumentar ainda mais a impopularidade da presidente. Mas não apenas isso, que já seria muito.
CONTRADIÇÕES
Há mais contradições no roteiro exposto através da Internet. Uma delas decorre da entrevista do ministro Nelson Barbosa à jornalista Mirian Leitão, Globonews, noite de segunda-feira. Pressionado pela entrevistadora, o titular do Planejamento afirmou que na proposta orçamentária para 2016, encaminhada ao Congresso, as despesas obrigatórias atingem 61% da lei de meios, dos quais 40% referentes ao setor da Previdência Social.
Causa surpresa tal afirmação, se compararmos os números apontados por Nelson Barbosa com os inscritos no orçamento deste ano, lei 13.115 de 20 de abril de 2015. Em termos percentuais o panorama nacional não pode ter mudado tanto no espaço de doze meses. Vamos aos números.
Comecemos pelo teto orçamentário. O de 2015 é de 2,9 trilhões de reais. Assim, aplicada a devida correção, a proposição para o próximo exercício, passará para 3,3 trilhões, em números redondos. Muito bem. Na atual lei de meios, a rubrica relativa à despesa com Previdência e Seguridade Social (Item do artigo 1º) cita especificamente 797 milhões de reais. A rubrica inclui todas as entidades e órgãos a ela vinculados, abrangendo assim tanto o INSS quanto as aposentadorias e pensões dos funcionários públicos. Os servidores das estatais são regidos pela CLT.
Dessa forma, como está descrito e escrito na lei, para um total de 2,9 trilhões, a parcela de 797 bilhões de reais representa em torno de 28%. Como pode esse subtotal ter-se elevado percentualmente para 41% de um ano para outro?
SEPARAÇÃO DE GASTOS
Isso de um lado. De outro, Nelson Barbosa, ao tentar responder a Miriam Leitão, a mim parece ter separado os gastos do INSS com os da Seguridade Social, quando, pela lei 13.115/2015, fazem arte de um mesmo conjunto. A explicação, assim, encontra-se inflada de fantasia.
Mas em matéria de fantasia, deve-se inevitavelmente comparar, para dissipar a nuvem que dificulta a visão e, portanto, a análise clara, dados relativos aos juros pagos para rolar a dívida interna. Os títulos que a lastreiam estão de posse dos bancos, em sua grande maioria. Valos lá.
O Item 3 do artigo terceiro da lei 13.115 projeta o refinanciamento (só o refinanciamento, não a despesa com a redução do estoque) na escala de exatamente 904,5 bilhões de reais. Como se constata nitidamente, com base na própria lei em vigor, refinanciar o endividamento interno custa mais do que toda a Seguridade Social juntas.
E O LADO FINANCEIRO?
Portanto não possui encadeamento lógico cortar-se na área social sem praticar o mesmo no plano financeiro. Mais um detalhe: a dívida interna é de aproximadamente 3,3 trilhões de reais, sessenta por cento do PIB, como informa o Banco Central. Os juros (14,25%a/a) levam a um desembolso de, digamos, 430 bilhões. Por que, então, o refinanciamento está calculado em 904,5 bilhões de reais?
Só pode haver uma explicação, que não é a do ministro Joaquim Levy, nem do ministro Nelson Barbosa: a rolagem da dívida inclui a capitalização dos juros. Com tal operação, o desembolso a curto prazo diminui. Mas, em consequência, o endividamento aumenta. Qual a razão que leva o governo a não cortar as despesas com os juros que o país paga?