Professor da Universidade Católica de
Brasília – UCB, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB,
Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (pela OAB/DF)
Nos últimos meses, a sociedade brasileira assiste
estarrecida a um enorme festival de corrupção, notadamente relevado pela
Operação Lava Jato e seus desdobramentos. Observam-se delações premiadas,
prisões de grandes empresários, bilhões de reais de prejuízo em propinas e
pixulecos, envolvimento de inúmeros atores políticos (vários deles aboletados
em mandatos parlamentares), etc, etc, etc.
Inúmeras análises consistentes, realizadas por juristas,
economistas, cientistas políticos, sociólogos e estudiosos de outras áreas,
apontam para a conclusão de que a corrupção no Brasil atinge níveis endêmicos e
está incrustada em praticamente todas as instâncias sociais relevantes,
estatais ou não (1).
Por outro lado, são cada vez mais visíveis os odiosos
privilégios pecuniários percebidos por determinados segmentos de agentes
estatais (verdadeiras castas). Atualmente, quase todos os membros da
magistratura e do Ministério Público recebem um “auxílio-moradia” mensal da
ordem de R$ 4.300,00 (quatro mil e trezentos reais) (2). “... sem qualquer peso
na consciência, recebem remunerações estratosféricas, estando total e
vergonhosamente distorcido o regime de pagamento por subsídio, em que é vedado
o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de
representação ou outra espécie remuneratória. Todos os dias temos notícias de
concessão de mais benefícios. O regime de subsídio acabou. O teto remuneratório
de R$33.763,00 virou piso. Parcelas claramente de caráter remuneratório são rotuladas
de indenizatória para fugir do abate-teto. Foram criadas várias espécies de
auxílios: auxílio-livro, auxílio-saúde, auxílio-educação, auxílio-transporte,
auxílio-táxi etc.” (3). Nos últimos meses, várias imagens circulam intensamente
nas redes sociais mostrando magistrados recebendo valores que variam de cem mil
a quase um milhão de reais de “atrasados” (de toda ordem). A proposta de nova
Lei Orgânica da Magistratura segue pelo mesmo caminho. “Uma soma simples mostra
que os benefícios e auxílios previstos no novo Estatuto da Magistratura podem
triplicar os rendimentos dos juízes, levando os valores para o patamar de R$ 90
mil. O valor é alcançado quando calculados todos os benefícios, auxílios e
verbas estipulados na minuta” (4).
O combate a essas mazelas não é simples. Esse complexo
processo envolve ataque às causas (como uma profunda mudança cultural e níveis
crescentes de participação popular nos espaços públicos), providências
preventivas e de controle e ações repressivas. Nesse contexto, aparece com
singular importância, embora frequentemente esquecida, a Advocacia (pública e
privada).
A Advocacia privada participa ativamente desse processo
principalmente por intermédio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Essa
instituição, a mais importante organização da sociedade civil brasileira,
busca, por força da definição presente no seu estatuto (art. 44, inciso I, da
Lei n. 8.906, de 1994), “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado
democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela
boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo
aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”. Eis alguns exemplos
recentes da atuação moralizadora e republicana da Ordem: a) exigência da
auditoria da dívida pública brasileira (ADPF n. 59); b) proibição de
financiamento empresarial de campanhas (ADIN n. 4.650) e c) oposição ao
pagamento de pensões vitalícias a ex-governadores (ADINs ns. 4.544, 4.556 e
4.609, entre outras).
Já a Advocacia Pública, por sua peculiar posição na
estrutura do Estado, desempenha um papel singular. Com efeito, praticamente
todos os atos adotados e contratos firmados pelo Poder Público, e os
respectivos processos administrativos, são analisados previamente, para
superação de eventuais ilícitos e desvios, pelos advogados públicos. O combate
a improbidade administrativa e a recuperação de bens e valores para o
patrimônio público são relevantíssimas funções da Advocacia Pública em todos os
níveis de atuação (federal, estadual, distrital e municipal).
Recentemente, para citar um exemplo emblemático, a
Advocacia-Geral da União (AGU), pela Procuradoria-Regional da União da Primeira
Região, “... conseguiu liminar que suspendeu o artigo 20 da Portaria 41/2014 do
Procurador-Geral da República (PGR), que concede aos membros do Ministério
Público da União (MPU) o direito de viajar para o exterior na classe executiva,
com mais espaço e conforto nas aeronaves” (5).
Ocorre que a situação dos órgãos da Advocacia Pública e de
seus membros (as carreiras jurídicas) é, em regra, dramática nos níveis das
condições materiais e humanas de trabalho. O caso da Advocacia-Geral da União
(AGU) é emblemático. As remunerações não são adequadas (paritárias em relação
às demais Funções Essenciais à Justiça), faltam garantias e prerrogativas para
o exercício altivo da independência técnica (o que permite prosperar uma
nefasta Advocacia de Governo), não se tem autonomia financeiro-orçamentária
(aprofunda a degradação das condições materiais de trabalho), uma gestão democrática
e participativa é um sonho distante e os níveis de motivação, essenciais para o
desenvolvimento eficiente do trabalho intelectual, são baixíssimos.
Audiência pública realizada no Conselho Federal da OAB no
dia 19 de agosto de 2015 apontou alguns dos mais importantes instrumentos para
a construção de uma advocacia pública forte e valorizada. São as PECs 17, 82 e
443, em tramitação no Congresso Nacional. A primeira objetiva a organização da
Advocacia Pública de carreira (via concurso público) em todos os Municípios. A
segunda, assegura as autonomias administrativa, orçamentária e técnica da
Advocacia Pública e delimita a singular independência técnica dos advogados
públicos informada pela juridicidade, racionalidade, uniformidade, defesa do
patrimônio público, da justiça fiscal, da segurança jurídica e das políticas
públicas. Já a PEC 443 viabiliza a justa e necessária paridade remuneratória
entre as carreiras da Advocacia Pública e as demais integrantes das Funções
Essenciais à Justiça.
Esse novo padrão de funcionamento da advocacia pública,
decorrente da aprovação das PECs 17, 82 e 443 e outros importantes
aperfeiçoamentos institucionais, notadamente na forma de leis orgânicas
avançadas, é essencial para o combate à corrupção e para a contenção republicana
dos poderes e instituições estatais.
É fundamental sublinhar a última consideração realizada, bem
identificada pelo Procurador Federal Vílson Vedana numa das suas várias e
brilhantes intervenções nas mobilizações dos advogados públicos federais realizadas
em 2015. Como Função Essencial à Justiça, e não essencial ao simples
funcionamento do Poder Judiciário, a Advocacia Pública possui a nobilíssima
missão de perseguir a realização do valor Justiça no âmbito da permanente
construção do Estado Democrático de Direito. Assim, deve contar a sociedade
brasileira com uma Advocacia Pública forte, valorizada, vigilante e atuante
contra excessos e desvios verificados no âmbito do Poder Público, quer tenham
origem interna ou externa.
NOTAS:
(1) “Abro um parêntesis para registrar a opinião pessoal de
que temos problemas aparentemente mais graves. Cito, entre eles, o
estratosférico pagamento anual de juros e encargos da dívida pública, assunto
praticamente esquecido na (grande) imprensa e nos debates políticos e sociais.
Dados oficiais apontam para despesas, nesse item, na casa dos R$ 124 bilhões
anuais, representando cerca de 3,9% do PIB (3). Uma visão alternativa, e mais
preocupante, aos números oficiais pode ser verificada no site da Auditoria
Cidadã da Dívida (4). De todos, creio que o mais relevante dos problemas do
Brasil consiste na apropriação profundamente desigual da riqueza produzida,
viabilizada por um conjunto de mecanismos políticos, sociais e econômicos
cuidadosamente construídos e mantidos pelas elites dirigentes (5)(6)”.
Disponível em:
(2) “Atualmente, há 12.262 integrantes do Ministério Público
e 16.429 juízes. Portanto, se for considerado o valor de R$ 4,37 mil, o custo
da concessão de auxílio-moradia será de aproximadamente R$ 125,5 milhões por
mês! Isso dá R$ 1,5 bilhão por ano!/Além disso esse dinheiro não precisa ser
comprovado que está sendo usado para pagamento de moradia. Por ter caráter
indenizatório (compensar despesa gerada pelo trabalho), não é cobrado Imposto
de Renda sobre a verba./Os gastos particulares de cada agente público,
inclusive com moradia, devem ser custeados pela sua própria remuneração, que
não é baixa”. Disponível em:
(3) “O teto virou piso”, artigo do Procurador Federal Carlos
André Studart Pereira. Disponível em:
(4) Disponível em:
(5) Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/342376#>