Do site http://www.gerivaldoneiva.com/
Teje
preso, Papai Noel!
Gerivaldo
Neiva *
Em dezembro de 2008, antes da vigência da Lei
nº 12.403/11, que alterou o Código de Processo Penal com relação às medidas
cautelares, tive a ousadia de justificar a necessidade de decretação da prisão
preventiva de Papai Noel e até expedi o mandado de prisão. O texto fez muito
sucesso na época e fui aplaudido por uns e vaiado por outros. Rede social é
assim mesmo e quem publica sabe que está se expondo e sujeito a pedradas.
Dois anos depois, em 2010, recebi petição do
advogado Siviriano Dionísio Gonçalves (OAB-BA.) requerendo a revogação do
decreto. (Confira).
É certo que ainda não estava em vigência a Lei 12.403/11, mas entendi
perfeitamente as razões da defesa e deferi o requerimento. Na época, escrevi:
Não
me iludo, todavia, do quanto pode ser nociva para as crianças de todo o mundo a
propaganda consumista em torno da fantasia “Papai Noel”, desvirtuando
o natal de Jesus Cristo, mas também não creio que o mundo ficará melhor através
de castigos, penas, prisões preventivas, corpos presos, cárceres e medo.
Para
ser melhor um dia, o mundo precisa é de liberdade, cidadania, dignidade,
solidariedade, alteridade, povo feliz; o Direito “carnavalizado”; quando
cada ser humano se encontrar no outro; quando todas as formas de castigos forem
abolidas; quando não houver mais fome, miséria e crianças dormindo na rua.
Continuo pensando assim e cada vez mais
desacreditado na pena de prisão. Aliás, a prisão no Brasil tem servido apenas
para reforçar o caráter seletivo do Direito Penal e a criminalização da
pobreza.
Em 2008, ano da publicação do texto, segundo o
último relatório do Infopen/MJ – julho 2014, o Brasil tinha 429,4 mil presos e
em 2014 este número subiu assustadoramente para 607,7 mil presos, ou seja, um
aumento real de 178 mil presos em 6 anos. Mesmo assim, os dados sobre a
violência não param de crescer. Conclui-se, portanto, que não necessariamente
mais prisões significa menos violência e criminalidade.
Apesar de tudo isso, o sistema de justiça
criminal continua mandando para as prisões, mesmo sabendo que lá não cabe mais
ninguém, milhares de delinquentes comuns, que são muito mais clientes do
sistema de assistência social do que do sistema de justiça criminal. Por pura
covardia ou autoafirmação sobre os mais fracos, o sistema deixa de aplicar as
medidas cautelares diferentes da privação da liberdade para satisfazer uma
opinião pública que pede prisão e mais prisão.
É chegada a hora de reinventarmos o Direito Penal
e colocá-lo no local de insignificância e subsidiariedade que merece ter, ou
seja, o Direito Penal só deveria ser lembrado quando falhar a família, a
comunidade, as relações sociais e outros ramos do Direito. Em outras palavras,
Direito Penal não pode ser instrumento de solução de conflitos sociais ou
traumas pessoais.
Eis o mandado de prisão de Papai Noel em que o
Juiz, equivocadamente, decretou a prisão preventiva quando poderia aplicar
outras medidas de alternativas penais. Mais desencarceramento e menos prisões!
PODER JUDICIÁRIO
Comarca de Conceição do Coité –
Bahia
Mandado
de Prisão expedido pelo Juiz de Direito GERIVALDO ALVES NEIVA, titular da
Comarca de Conceição do Coité, para ser cumprido por qualquer Oficial de
Justiça desta Comarca ou qualquer do povo que dele tiver conhecimento, na forma
da Lei... (este é um documento fictício, mas bem que poderia ser
verdadeiro!)
Proceda-se a PRISÃO PREVENTIVA da
pessoa identificada entre nós como “Papai Noel” e para outros
povos como “Santa Claus”, pelas razões a seguir expendidas:
-
É de conhecimento público que o acusado teria patrocinado, ou se deixado
utilizar para tanto, de campanha de envio de cartas com pedidos de presentes,
gerando grandes lucros e abarrotando o serviço de correspondência mundial,
ludibriando milhares de crianças e até mesmo adultos pouco informados;
-
Não bastasse isso, o acusado teria oferecido, sem custos, a dezenas de crianças
desta cidade, na ausência dos genitores ou responsáveis legais, todas as
espécies de presentes solicitados, independentemente de sua capacidade de
cumprir o prometido ou da aceitação dos genitores das crianças abordadas;
-
Passada a data prevista, 25 de dezembro de 2008, o dia de Natal de Jesus
Cristo, sem cumprimento das promessas e obrigações contratadas com as crianças
dessa cidade e, pelo que se sabe, com milhões de crianças desse país, que
continuam à espera dos presentes prometidos e sonhos sonhados, têm-se como
rompidos os princípios da “boa-fé” e “função social” dos contratos, além da
violação de outras condutas penais capituladas como “estelionato”, “abuso de
incapazes” e “falsa identidade”, previstas no Código Penal Brasileiro.
-
Assim agindo, o acusado violou flagrantemente, também, o Estatuto da
Criança e do Adolescente: “Art. 18. É dever de todos velar pela
dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” (grifei).
-
Por fim, o acusado, com tal comportamento, além de ferir as normas do Direito
Brasileiro, teve a intenção deliberada de ofuscar o verdadeiro sentido da data
celebrada pelo povo católico ocidental como sendo o aniversário de nascimento
de Jesus Cristo, o Messias enviado por Deus para salvar seu povo e celebrar uma
nova aliança.
Isto posto, DETERMINO, de
ofício, conforme o disposto no artigo 311 do Código de Processo Penal, a
todos os Oficias de Justiça desta Comarca, Polícia Militar, Polícia Civil, bem
como a qualquer cidadão de posse do presente mandado, que ora se torna público,
em nome da Lei, como garantia da ordem pública e econômica, conforme disposto
no artigo 312, do Código de Processo Penal, que se proceda a PRISÃO
PREVENTIVA do acusado “Papai Noel”, filiação e
demais dados desconhecidos, que ainda se encontre perambulando nesta cidade,
conduzindo-o, incontinenti, a qualquer Delegacia de Polícia ou Distrito
Policial.
Dado e passado nesta cidade e Comarca de
Conceição do Coité aos vinte e sete dias do mês de dezembro de 2008.
Expeça-se o mandado e cumpra-se.
Com urgência!
Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito".
* Juiz
de Direito (Ba), membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD)