Segunda, 28 de dezembro de 2015
Edwirges Nogueira – Enviada Especial da Agência Brasil
Vai ter barragem no salto do Sobradinho
E o povo vai-se embora como medo de se afogar Trecho da música Sobradinho, de Sá e Guarabyra
E o povo vai-se embora como medo de se afogar Trecho da música Sobradinho, de Sá e Guarabyra
O
vento forte movimenta as águas no lago de Sobradinho. E as ondas que se
formam quebram diante dos degraus da porta de uma das casas tomadas
pelo Rio São Francisco após a construção da barragem, no final da década
de 1970. De pé sobre o alicerce quebrado, Carlos de Castro, conhecido
como Cacá, 63 anos, lembra dos dias em que frequentou o local, na antiga
cidade de Casa Nova (BA). Ali morou o seu sogro e sua atual esposa, à
época namorada.
Nos
quase 40 anos da construção da barragem, esta é a primeira vez que as
ruínas de Casa Nova aparecem devido à redução do nível do lago. É
possível distinguir alguns detalhes das casas, como as pias de lavar
roupa, o azulejo branco e as caixas d'água.
A falta de chuva na
nascente do Rio Francisco, no norte de Minas Gerais, tem comprometido o
reservatório. A chuva irregular já dura, pelo menos, quatro anos e o
resultado é o mais baixo nível de água que já se viu nas quase quatro
décadas de Sobradinho. No último dia 3, o volume do lago chegou a 1,11%
da sua capacidade.
“Estar no lugar onde você nasceu e se criou
faz passar um filme na cabeça”, lembra Castro, que hoje é secretário da
Agricultura e do Meio Ambiente do município.
Ele lembra do nome
dos moradores de todas as casas vizinhas e aponta para o muro do
cemitério. A alvenaria de alguns jazigos hoje está aparente.
Em
Remanso (BA), o tempo parece voltar atrás quando as águas retidas na
barragem de Sobradinho assumem o antigo curso natural do Velho Chico. O
nível da água baixou e se afastou cerca de 7 quilômetros da margem,
revelando o antigo cais da cidade. Essa é também a distância entre a
velha e a nova Remanso.
“Aqui era onde passavam os vapores. O
pessoal dessa região que ia para São Paulo pegava um vapor até Pirapora
[município mineiro que fica às margens do Rio São Francisco], passava
oito, dez dias viajando, e de lá pegava o trem para São Paulo”, lembra
Pedro Alves da Costa, 61 anos, chefe de gabinete da prefeitura do
município. Ele morava em Sento Sé e se mudou com a esposa em 1975 para
Remanso antiga, onde abriu um comércio.
Hoje, o mesmo cais voltou
a ser usado. Do local, partem as embarcações que vão para cidades que
ficam em volta do lago. O baixo nível das águas no trecho, que fazem
aparecer bancos de areia, vem dificultando as viagens. “Antes a gente
passava direto aqui”, diz José Messias, apontando para a margem oposta
do lago, enquanto preparava sua embarcação rumo a Sento Sé. “Agora a
gente arrodeia lá por baixo. A viagem demora uma hora e pouco, duas
horas a mais.”
Saiba Mais
Entre
1975 e 1977, as quase 12 mil famílias de Casa Nova, Remanso, Pilão
Arcado e Sento Sé foram obrigadas a deixar suas casas e se mudar para as
novas sedes das cidades. Os antigos municípios foram engolidos pelo São
Francisco e deram lugar a 34 bilhões de metros cúbicos de água. As
famílias foram transferidas para os locais construídos pela Companhia
Hidroelétrica do São Francisco (Chesf).
A professora aposentada
Mara Lília Fernandes Castro, 66 anos, lembra das reuniões entre a
população de Casa Nova e os engenheiros da Chesf. “Víamos o
descontentamento de alguns, outros não aceitavam, diziam que isso não
podia acontecer. Outros acreditavam no progresso, que realmente veio.
Era uma cidade gostosa pela convivência, todos se conheciam, mas lá
nossa energia elétrica terminava às onze horas da noite porque era
gerada por um motor a diesel.”
Mara se mudou com o marido, hoje
falecido, e três filhos pequenos – o mais novo com 1 ano e meio de
idade. Na parede de casa, ela mantém algumas fotos da antiga Casa Nova.
Em uma delas aparece a antiga igreja matriz, implodida devido à altura
de sua torre, que poderia gerar riscos à navegação.
De acordo com o historiador Moisés Almeida, diretor do campus
de Petrolina da Universidade de Pernambuco (UPE), a Chesf usou dois
fortes argumentos para convencer as famílias das quatro cidades sobre a
importância da construção da barragem de Sobradinho: a água serviria
para o desenvolvimento da região e as pessoas teriam moradias melhores. Continue lendo