Quinta,24 de dezembro de 2015
"No Brasil, o compromisso da burguesia com a
democracia acaba no momento em que ela coloca em risco seus privilégios. O
melhorismo de Lula passou muito longe de qualquer proposta socialdemocrata.
Lula não reformou nada. Ao contrário. Seu governo aprofundou o
subdesenvolvimento. O PT representa a “esquerda” da ordem – a ordem
comprometida com a reprodução do capitalismo dependente."
"Dilma é totalmente subserviente ao grande capital e
atua de acordo com os ditames do ajuste neoliberal."
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Do Correio da Cidadania
Escrito por Alexandre Haubrich
Quarta, 23 de Dezembro de 2015
Diante do
encerramento de um ano conturbado, sob o signo de uma infinidade de crises,
apressa-se uma análise geral de todo o complexo quadro político e a reflexão de
suas causas, cujas consequências se fazem presentes a olhos vistos. Para isso,
publicamos a entrevista feita pelo jornalista Alexandre Haubrich com Plínio de
Arruda Sampaio Júnior, economista e professor da Unicamp.
Além de
analisar a conjuntura política desde ano de 2015, Plínio discutiu a atual crise
da esquerda, decorrente da falência do pacto lulista, e propõe uma união em
torno do “partido das lutas reais”, uma ideia que engloba diversos setores
políticos e sociais.
“O melhorismo de Lula passou muito longe de
qualquer proposta socialdemocrata. Lula não reformou nada. Ao contrário. Seu
governo aprofundou o subdesenvolvimento. O PT representa a ‘esquerda da ordem’
– a ordem comprometida com a reprodução do capitalismo dependente. O custo da
crise será jogado nas costas dos trabalhadores. Sem grandes transformações
sociais, não há como evitar o avanço da barbárie. O fundamental é criar força
política para que a economia e a sociedade sejam organizadas em função das
necessidades efetivas do conjunto da população”.
Sampaio
Júnior acredita em um processo de “Revolução Brasileira” que requer, como
primeiro passo, a realização de duas tarefas fundamentais: a revolução democrática
e a revolução nacional. “A forma da revolução também já foi esboçada nas
Jornadas de Junho de 2013. A força propulsora da transformação social é a
revolta avassaladora do povo contra seus opressores. Isso já existe de maneira
difusa e fragmentada. Falta unificar os sujeitos dispersos em torno de um
programa revolucionário. Falta criar instrumentos políticos que permitam
transformar a energia difusa das massas inconformadas em força política
condensada. Falta organizar o partido das lutas reais”.
Leia abaixo, na íntegra, a entrevista que perpassa
por esses e outros temas mais.
Quais as diferenças mais importantes entre esse
início de segundo governo Dilma e os três primeiros governos do PT?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: O segundo governo Dilma sofre as consequências das
graves contradições acumuladas nos três governos anteriores. Os problemas foram
exacerbados pela metástase da crise econômica mundial e pela absoluta falta de
liderança e criatividade da presidente. A exaustão do ciclo de crescimento impulsionado
pela bolha especulativa internacional destruiu as bases do chamado
neodesenvolvimentismo, deixando como legado uma crise econômica de grande
envergadura e difícil solução.
O fim da
“paz social”, cujo marco pode ser associado às revoltas urbanas que paralisaram
o país em 2013, solapou o sustentáculo do chamado lulismo, escancarando uma
monumental crise política institucional, cuja essência reside na falência
espetacular do sistema de representação que sustentava a Nova República. As
falsas soluções do modo petista de governar estouraram nas mãos de Dilma,
provando que é impossível resolver os problemas fundamentais da sociedade sem
enfrentar suas causas estruturais – a segregação social e a dependência
externa. A fantasia construída por Lula desmanchou nas mãos de Dilma.
O segundo
governo Dilma te surpreende?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: Para quem observa a realidade de uma perspectiva
crítica, era bastante previsível que, para a classe trabalhadora, o segundo
governo Dilma seria ainda mais desastroso do que o primeiro. A campanha de 2014
foi uma disputa fechada entre candidatos comprometidos com o status quo, em que
cada um procurava se qualificar diante da burguesia nacional e internacional
como o mais apto para fazer o “ajuste” da economia e da sociedade brasileira às
exigências do capital em tempos de crise econômica mundial.
Quando
disse que não faria “ajuste” contra os trabalhadores nem que a vaca tossisse, a
candidata Dilma camuflava seus compromissos com os donos do poder. Mentia
consciente e deslavadamente. Seu programa eleitoral se enquadrava integralmente
na agenda liberal. As grandes empreiteiras, mineradoras, empresas de
agronegócios e instituições financeiras sabiam disso e não pouparam recursos
para financiar a sua eleição. Também não lhe faltou apoio da comunidade
internacional (eufemismo para designar imperialismo). Era, portanto, previsível
que a segunda Dilma estaria comprometida até o pescoço com o “ajuste”
neoliberal*.
Reconheço,
no entanto, que não esperava que a rendição à pauta reacionária fosse tão
rápida, descarada e incondicional. A característica que mais surpreende do
segundo governo de Dilma é sua absoluta inépcia para enfrentar os problemas do
povo, patente na gigantesca covardia da presidente para se contrapor aos poderosos
e na sua total falta de sensibilidade para com o sofrimento dos trabalhadores.
O marqueteiro que inventou a marca de fantasia “coração valente” certamente
queria ocultar a verdadeira personalidade política de Dilma. É o metier deles.
Qual o
momento de inflexão que pode ter levado à ofensiva conservadora que temos visto
na sociedade brasileira?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: A guinada conservadora foi duplamente condicionada. Por
um lado, a sociedade brasileira recebeu os ventos conservadores do “regime de
austeridade” que se impôs sobre o mundo capitalista a partir de 2010. A
“solução americana” para a crise econômica supõe uma brutal ofensiva sobre o
trabalho com os retrocessos democráticos correspondentes.
O
rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores requer um padrão de
dominação mais duro e autoritário. Não por acaso, as agências internacionais de
risco incluem em sua análise a presença ou não de leis antiterroristas que
criminalizam a luta social. Por outro lado, o giro conservador responde à
necessidade de conter os ventos de mudanças provocados pelas revoltas urbanas
de 2013.
A
polarização da luta de classes, provocada pela exaustão do ciclo de crescimento
e pela falência do lulismo, fica patente quando se observa o conteúdo da luta
de classes no último período. Para os de baixo, o “melhorismo” dos anos Lula
foi pouco. A juventude foi às ruas para exigir políticas sociais e reformas
democráticas. Para os de cima, o “melhorismo” petista foi muito. Sentindo que
seus privilégios seculares podem ser ameaçados, a plutocracia brasileira range
os dentes e afia as unhas.
A classe
dominante brasileira sabe que o ajuste ortodoxo implica grandes sacrifícios
para a população e vê com muito medo a emergência do povo na história.
Juventude lutando pela mobilidade urbana, estudantes ocupando escolas para
exigir ensino público, trabalhadores fazendo greve por salários e direitos,
índios lutando pela sua terra e seus rios, protestos contra falta d’água, sem
tetos ocupando terrenos, etc., tudo isso é altamente subversivo e aterroriza as
classes dominantes.
Quais as
raízes das crises econômica e política? Alguma veio antes da outra?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: As crises econômicas e políticas condicionam-se
reciprocamente, mas possuem dinâmicas próprias que não podem ser reduzidas uma
à outra. A crise econômica é determinada em última instância pela necessidade
de “ajustar” a economia brasileira à posição ainda mais subalterna na divisão
internacional do trabalho. A crise política, evidente na falência do sistema de
representação, é determinada pelo fim da paz social.
A primeira
fica patente no fiasco do chamado neodesenvolvimentismo. É nada mais e nada
menos do que uma nova rodada de modernização dos padrões de consumo que
aprofundou o caráter subdesenvolvido e dependente da economia brasileira. A
segunda é caracterizada pela exaustão do melhorismo lulista, cuja essência
consistia em aproveitar a pequena folga gerada pelo crescimento econômico para
reforçar as políticas assistencialistas e mitigar (não reverter) o processo de
concentração de renda característico do modelo econômico brasileiro.
A crise
política extrapola o problema da crise insolúvel do governo Dilma. É o regime
político instaurado na Nova República que já não agrada nem aos de baixo, que
exigem que as promessas da Constituição Cidadã sejam cumpridas, nem aos de
cima, que precisam erradicar o que resta de conteúdo democrático da Carta de
1988 para terem condições de aprofundar a reversão neocolonial exigida pelo
ajuste liberal.
Enfim, o
fim do ciclo petista precipitou o debacle do pacto de poder civil que
institucionalizou a transição lenta, segura e gradual iniciada pela ditadura
militar. A recomposição do padrão de dominação é uma condição necessária, ainda
que insuficiente, para a solução da crise econômica, a qual depende em última
instância da redefinição do papel do país na nova divisão internacional do
trabalho.
O Brasil
entrou numa era de grande turbulência econômica, política e social. Não há
solução rápida e indolor para os efeitos altamente antissociais, antinacionais
e antidemocráticos da crise capitalista sobre a sociedade brasileira.
Que
relações são possíveis estabelecer entre o avanço conservador na política e as
“soluções” que o governo tem encontrado para a crise econômica?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: A relação é direta. A solução da crise capitalista
requer um rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores, ou seja,
uma ofensiva sobre os salários e os direitos sociais. Em última instância, é a
sobrevivência das cláusulas progressistas da Constituição de 1988 que está em
questão. A gravidade do ataque pode ser dimensionada quando se leva em
consideração as tendências que regem a reorganização do sistema capitalista
mundial. Ao contrário do que se propalou no auge do delírio
neodesenvolvimentista, o Brasil não está “emergindo” como uma potência mundial.
Isso foi um blábláblá.
Na
realidade, a economia brasileira está sendo rebaixada para uma posição ainda
mais subalterna na nova divisão internacional do trabalho. A rapidez e
profundidade do processo de desindustrialização evidenciam a precariedade de
nossa situação. A incúria, o descaso, a irresponsabilidade vistas em Mariana –
uma tragédia anunciada – mostram do que a nossa burguesia é capaz – e o quanto
ela é incapaz de resolver os problemas nacionais.
O que vem
pela frente pode ser imaginado quando se leva em consideração o salário e os
direitos que correspondem a quem trabalha numa “feitoria” moderna.
Qual a
melhor forma de os trabalhadores e a esquerda se organizarem para enfrentar
tanto o avanço conservador em geral quanto o ajuste fiscal?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: A luta de classes se polariza entre dois partidos: o
partido do “ajuste” e o partido “contra o ajuste” - o polo conservador e o polo
da transformação democrática. As formas mais eficazes de barrar a ofensiva do
capital serão definidas concretamente no processo da própria luta. Algumas
diretrizes gerais podem, contudo, ajudar na tarefa de reorganização da classe
trabalhadora.
Para vencer
o partido do “ajuste” é preciso, em primeiro lugar, sair da arapuca que reduz a
política a escolhas binárias, deixando a sociedade brasileira entre a cruz e a
caldeirinha – a opção do ajuste duro e franco e a opção do ajuste um pouco
menos duro e dissimulado. Enquanto o horizonte político estiver monopolizado
pelas alternativas da ordem liberal, o raio de manobra dos trabalhadores é
mínimo. Para sair desse antro estreito, é preciso superar qualquer esperança de
uma vida melhor sem romper com os parâmetros da ordem global.
Isso coloca
a necessidade de radicalizar a crítica e criar instrumentos políticos
necessários para a mudança. É o processo de luta e aprendizado que faz avançar
a constituição de um sujeito histórico capaz de abrir novos horizontes para a sociedade.
Em termos práticos, os trabalhadores precisam compreender que para derrotar o
ajuste, precisam derrotar a política econômica; para derrotar a política
econômica, precisam derrotar o modelo econômico; e para derrotar o modelo
econômico, precisam mudar as bases do Estado brasileiro e criar alternativas
econômicas concretas. Não é uma tarefa fácil, mas é a tarefa histórica que se
coloca.
O que
representa o aceite do pedido de abertura do processo de impeachment?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: O princípio de revogação de mandato é em tese muito
positivo. Quando mobilizado pela população para depor governantes que usurpam a
vontade popular, é um instrumento que fortalece a vida democrática. Quando
mobilizado como arma de chantagem política ou pura e simples conspiração, é um
recurso que desmoraliza a política e acelera a decomposição do sistema de
representação.
O processo
de impeachment, deflagrado por Eduardo Cunha e apoiado por Michel Temer e Aécio
Neves, enquadra-se na segunda alternativa. A luta fratricida para ver quem fica
no Planalto será um show de horror e deve aprofundar a desmoralização do
Congresso Nacional. Qualquer paralelo com o processo que apeou Collor do
governo não tem cabimento. A saída de Collor abriu caminho para a consolidação
do pacto de poder civil que, aos trancos e barrancos, durou duas décadas, pondo
um ponto final na longa transição da ditadura militar. Foi um arranjo político
que se revelou altamente funcional para dar sustentabilidade à liberalização da
economia brasileira. A situação atual é completamente diferente. A sociedade
brasileira não está no momento final de uma longa crise econômica e política,
mas no seu início. Trocar seis por meia dúzia não resolverá nada.
Para os
trabalhadores, a pior coisa que pode acontecer é ser mobilizado como massa de
manobra das facções em luta. Qualquer que seja o desfecho do processo de
impeachment em curso, não mudará nada de substantivo na vida do povo. O partido
do ajuste continuará no poder. O processo será um circo que desviará a atenção
da população do principal: barrar o ajuste neoliberal. Se a presidente for
deposta, vai acontecer apenas um roque entre quem está no governo e quem está
na oposição.
Não é
improvável que, durante o processo de impeachment, as duas alas do partido do
ajuste fechem um acordo de cavalheiros em torno das medidas regressivas e
repressivas exigidas pelo ajuste. O impeachment não resolve nenhum dos
problemas fundamentais responsáveis pela crise econômica e política. Se Dilma
for deposta, em pouco tempo, o movimento da crise moerá o novo governo,
qualquer que ele seja.
Que papel
tem desempenhado o PMDB em meio à crise política?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: O PMDB é o partido dos grandes negócios. Sua presença no
aparelho de Estado é uma questão de vida ou morte. Ele não possui ideologia
alguma. É composto por um batalhão de operadores que fazem a intermediação
entre os negócios do Estado e os negócios privados. O partido é um
caleidoscópio. Muda de posição conforme a situação. Fará o que for necessário para
não perder sua participação nas tenebrosas transações que surgem no interior do
Estado.
Na luta
entre a esquerda da ordem – polarizada em torno do PT – e a direita da ordem –
polarizada em torno do PSDB – ele atua como fiel da balança. No momento em que
os caciques do PMDB desembarcarem do governo, a sorte de Dilma estará selada. A
julgar pela atitude imediata do vice-presidente frente à situação aberta pelo
encaminhamento do processo de impeachment, ele já sonha com a faixa
presidencial. Não se faz pacto com o diabo impunemente.
A
socialdemocracia no Brasil chegou ao seu limite?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: A socialdemocracia não chegou ao limite porque ela na
verdade nunca existiu no Brasil. Não há bases objetivas e subjetivas para uma
política reformista no Brasil. De um lado, o capitalismo brasileiro depende de
um padrão de acumulação que se sustenta na superexploração do trabalho e na
presença dominante do capital internacional.
Nessas
condições, não há espaço objetivo para políticas que procurem enfrentar a
segregação social e a dependência externa – as duas causas fundamentais das
mazelas do povo. De outro lado, a sobrevivência do capitalismo dependente
requer um padrão de dominação que funciona como uma democracia restrita,
hermeticamente fechada às demandas das classes subalternas.
Nessas
circunstâncias, não há espaço real para que a luta política institucional
avance a ponto de colocar em risco as estruturas do capitalismo dependente – a
segregação social e a dominação imperialista. A intolerância em relação à
mobilização do conflito social como forma de conquista de direitos coletivos –
a essência de um regime político democrático – fecha as portas para qualquer
tipo de experiência reformista.
No Brasil,
o compromisso da burguesia com a democracia acaba no momento em que ela coloca
em risco seus privilégios. O melhorismo de Lula passou muito longe de qualquer
proposta socialdemocrata. Lula não reformou nada. Ao contrário. Seu governo
aprofundou o subdesenvolvimento. O PT representa a “esquerda” da ordem – a
ordem comprometida com a reprodução do capitalismo dependente.
Como vês a
formação das frentes, como a Povo Sem Medo e a Brasil Popular, na atual
conjuntura?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: A iniciativa do Povo Sem Medo de organizar a população
para enfrentar o ajuste neoliberal é positiva, mas insuficiente. O ajuste não é
uma política do ministro Levy que pode eventualmente ser derrotada com a sua
substituição por um nome mais palatável. É um engodo imaginar que o governo
Dilma esteja em disputa. Dilma é totalmente subserviente ao grande capital e
atua de acordo com os ditames do ajuste neoliberal.
Portanto, é
impossível ser contra o ajuste e apoiar veladamente o governo. O fato de Dilma
ser um mal menor quando comparada a Aécio e Temer não muda em nada a situação.
Enquanto os que combatem o ajuste ficarem presos à disjuntiva do “menos pior”,
o partido “contra o ajuste” – o partido das vítimas do capitalismo – não tem
como se firmar como uma referência capaz de abrir novos horizontes para a sociedade
brasileira. Os que lutam contra o ajuste não podem ter o rabo preso com o
Estado.
A Frente
Brasil Popular é uma iniciativa desesperada dos governistas para tentar salvar
Dilma. Composta de movimentos sociais e sindicatos atrelados ao Estado, ela não
deu nenhum sinal de que terá vigor para liderar grandes mobilizações de massa.
O agravamento da crise econômica e do desemprego deve diminuir ainda mais sua
capacidade convocatória. Não creio que consigam ir além do esperneio.
Que
alternativas os partidos de esquerda e os movimentos conseguem oferecer hoje?
Estão prontos para fazer esse enfrentamento?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: A esquerda precisa organizar os trabalhadores para
resistir à nova ofensiva do capital e criar uma alternativa ao capitalismo. Sem
luta, o custo da crise será jogado nas costas dos trabalhadores. Sem grandes
transformações sociais, não há como evitar o avanço da barbárie. O fundamental
é criar força política para que a economia e a sociedade sejam organizadas em
função das necessidades efetivas do conjunto da população.
O ponto de
partida é superar qualquer ilusão de que os graves problemas da população
brasileira possam ser resolvidos com crescimento e melhorismo. O crescimento e
o melhorismo mitigam os problemas do povo, mas são funcionais para a reprodução
do subdesenvolvimento e da dependência. O compromisso da esquerda é com a
“revolução brasileira”.
Quais os
elementos que já temos para desencadear a Revolução Brasileira e quais ainda
nos faltam?
Plínio de
Arruda Sampaio Júnior: A revolução brasileira está em curso. Ela é impulsionada
pelas lutas reais de todos que se batem com intransigência contra a
intolerância dos ricos em relação a qualquer mudança que represente uma ameaça
a seus privilégios. Em perspectiva histórica, ela deve ser entendida como o
desfecho de um longo processo histórico, impulsionado pela necessidade de
concluir a longa transição do Brasil Colônia de ontem para o Brasil Nação de
amanhã. Seu ponto culminante é a superação definitiva das estruturas econômicas,
sociais, políticas e culturais responsáveis pelas mazelas do povo.
O desfecho
da revolução brasileira requer, como primeiro passo, a realização de duas
tarefas fundamentais: a revolução democrática e a revolução nacional. A
primeira tem o objetivo de eliminar o regime de segregação social em todas as
suas dimensões; a segunda, a finalidade de superar o colonialismo em todas as
suas dimensões. Os dois processos se condicionam reciprocamente.
As
condições objetivas que determinam a revolução brasileira já estão maduras há
algum tempo e ficam patentes na relação perversa entre desenvolvimento
capitalista e reversão neocolonial. Em outras palavras, é a absoluta
incapacidade de a burguesia brasileira defender os interesses nacionais e
resolver os problemas fundamentais da população que coloca a revolução
brasileira na ordem do dia. A revolução social é o único meio de evitar o
avanço da barbárie.
As
condições subjetivas da revolução brasileira ainda precisam ser construídas. O
sujeito da revolução está aí para quem quiser ver. São os trabalhadores sem
terra que lutam por um lugar ao Sol, são os sem tetos que lutam por moradia,
são os estudantes e os professores que defendem a escola pública, é a juventude
que exige mobilidade urbana, são os índios que lutam pela sua sobrevivência,
são as mulheres que batalham contra a exploração dobrada, são os trabalhadores
que não aceitam a retirada de direitos sociais, enfim, é o povo brasileiro que
luta por uma vida digna.
A forma da
revolução também já foi esboçada nas Jornadas de Junho de 2013. A força
propulsora da transformação social é a revolta avassaladora do povo contra seus
opressores. Isso já existe de maneira difusa e fragmentada. Falta unificar os
sujeitos dispersos em torno de um programa revolucionário. Falta criar
instrumentos políticos que permitam transformar a energia difusa das massas
inconformadas em força política condensada. Falta organizar o partido das lutas
reais. Isto está sendo construído lentamente por todos que lutam com
intransigência em defesa dos interesses estratégicos dos trabalhadores. É
impossível prever quando tal construção sofrerá um salto de qualidade. Se
demorar muito, o Brasil afundará num dantesco mar de lama.
Nota:
*Para que
não pareça profeta de fatos acontecidos, remetemos o leitor para o Editorial do
Correio da Cidadania escrito no dia de sua vitória no segundo turno.
Alexandre
Haubrich é jornalista do site Jornalismo B; a entrevista foi feita para ao
Jornal do Sintrajufe/RS em 08/12/2015.
A
publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço
eletrônico da página do Correio da Cidadania