Por Adelmario Araújo —Professor
da Universidade Católica de Brasília (UCB), Mestre em Direito pela Universidade
Católica de Brasília – UCB e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil – OAB (pela OAB/DF)
Nos
dias 16 e 17 de dezembro de 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal), ao julgar a
ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n. 378, definiu o
rito a ser aplicado ao processo de impeachment do Presidente da República (Ver:
http://www.conjur.com.br/2015-dez-17/supremo-define-qual-rito-aplicado-impeachment-dilma).
Quase
todas as decisões do STF no âmbito desse processo são consistentes e revelam um
caminho juridicamente possível entre alternativas emergentes da ordem jurídica.
Nesse sentido, a discordância é viável mas deve ser reconhecido que o Supremo
Tribunal Federal atuou como guardião da Constituição, nos termos do art. 102 do
Texto Maior. É o caso da fixação dos papéis da Câmara e do Senado no processo
de impeachment. Creio que a melhor inteligência do conjunto do Texto Maior
aponta para a admissão da acusação pelos deputados e julgamento, sem renovação
do juízo de admissibilidade, pelos senadores. Entretanto, a redação do art. 52,
inciso I, da atual Carta Magna, diversa da Constituição anterior, consagra como
razoável e aceitável o entendimento majoritário do STF nessa questão.
Ocorre
que existe um ponto em que as considerações acima realizadas não se aplicam.
Trata-se da decisão relacionada com a composição da comissão especial de
deputados que aprecia a denúncia popular recebida pelo Presidente da Casa. Por
sete votos a quatro, o plenário do STF definiu que não pode ser lançada chapa
avulsa para compor a referida comissão. Nesse sentido votaram os Ministros
Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco
Aurélio e Ricardo Lewandowski. Contra o entendimento majoritário votaram os
Ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Em
função da separação dos Poderes do Estado, um dos mais importantes fundamentos
da República, inscrito no art. 2o da Constituição, existem limites para a
atuação do Judiciário, mesmo do STF, em relação ao Poder Legislativo (Câmara
dos Deputados e Senado Federal). São conhecidas como interna corporis as
matérias decididas pelo Legislativo e inalcançáveis por manifestação judicial.
A
Constituição, e só a Constituição, delimita as questões tidas como interna
corporis. Afinal, as disposições constitucionais não podem ser desconsideradas
ou afrontadas em função de um postulado também constitucional (a separação dos
Poderes). Assim, para resguardar a Constituição, mais precisamente a supremacia
da Constituição, é válido, desejável e imperioso que o Judiciário atue, como
energia e firmeza, contra os desvios constitucionais verificados no âmbito de
atuação do Legislativo.
Por
conseguinte, se a matéria ou questão não for constitucional, ou seja, estiver
circunscrita ao plano interno, não será legítima a interferência do Poder
Judiciário, mesmo por intermédio de sua voz mais autorizada representada pelo
Supremo Tribunal Federal.
Segundo
o Ministro Roberto Barroso, definido como redator para o acórdão da deliberação
colegiada referida, “é incompatível com o art. 58 e § 1º da Constituição que os
representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares deixem de ser
indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
para serem escolhidos de fora para dentro, pelo Plenário, em violação à
autonomia partidária”.
Diz
o art. 58 do Texto Maior: “O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões
permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas
no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação./§1º Na
constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível,
a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que
participam da respectiva Casa”.
Assim,
por expressa disposição constitucional a forma de constituição das comissões
parlamentares é matéria claramente interna corporis, a ser efetivada pela via
do regimento interno ou pelo ato de criação do colegiado. Existe um limite, de
índole constitucional, a ser respeitado. Trata-se, tanto quanto possível, da
representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares.
Nessa
linha, a interferência do Poder Judiciário, por intermédio do Supremo Tribunal
Federal, na formação das comissões parlamentares somente pode ser legitimamente
realizada para proteger a proporcionalidade da representação dos partidos ou
blocos. As demais questões, especificamente a apresentação de candidaturas
avulsas, resguardada a proporcionalidade, escapam do raio de ação do Poder
Judiciário em homenagem ao princípio nuclear da separação dos Poderes.
Esse
raciocínio, ademais, prestigia a autocontenção como uma das formas de evitar o
ativismo judicial indevido. Vale sublinhar que o ativismo judicial em si não é
indesejável, notadamente porque significa a aplicação e realização dos valores
e princípios constitucionais. O problema, aliás, o maior problema do
constitucionalismo na atualidade, é justamente desenhar os limites da aplicação
judicial da força normativa da Constituição. O papel da autocontenção é
especialmente relevante quando impede intervenções judiciais em matérias
politicamente controvertidas sem uma diretriz constitucional clara e amplamente
reconhecida. Com efeito, não parece razoável, nessas circunstâncias, transformar
o Poder Judiciário em espaço definidor daquilo que é, na essência, a luta
política.
Por
fim, deve ser lembrada a antiga lição de hermenêutica que aponta no sentido do
abandono das soluções interpretativas evidentemente irrazoáveis ou absurdas.
Neste caso, a decisão do STF pela impossibilidade de candidaturas e chapas
avulsas anuncia um impasse institucional denunciador de seu equívoco. Afinal,
se o plenário da Câmara dos Deputados recusar a composição da comissão especial
do impeachment indicada pelos líderes partidários, única solução admitida pelo
STF, o processo ficaria literalmente paralisado.