Sábado, 9 de janeiro de 2016
Cottani: a saída da crise brasileira está na redução
do custo financeiro da dívida
janeiro 8, 2016
Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Por essa provavelmente os economistas do mercado – os
mansuetos, alexandres e pessôas, entre outros – não esperavam e devem estar se
sentindo traídos por alguém supostamente integrante de suas fileiras. Em artigo
publicado no Valor Econômico, de 28 de dezembro, intitulado “Desequilíbrios da
economia pedem medidas inovadoras”, o economista-chefe para a América Latina da
Standard & Poor Rating Services, Joaquín Cottani, aponta uma saída para a
crise da economia brasileira diametralmente oposta à de nossos ortodoxos
tupiniquins e bem mais próxima à de nossos “dinossauros” heterodoxos.
Vinda de Cottani, de quem se poderia esperar uma receita
ortodoxa para resolver o problema brasileiro, por pertencer aos quadros da
S&P, a proposta surpreende, ao deixar de lado o mantra de ser necessário
contar com um superávit primário robusto para melhorar as condições fiscais do
Estado, combinando-o com uma elevada taxa de juros para combater a inflação, e
deslocar sua atenção para a questão que, para ele, deveria ser atacada de
imediato para ambos os problemas: o custo financeiro da dívida pública.
Cottani deixa bastante claro que se continuar insistindo no
ajuste primário atual, combinado com uma elevada e crescente, se depender do
Banco Central, taxa de juros, esperando que a inflação primeiro caia para só
depois se dar início à sua redução, o Brasil não terá como escapar de um crack
financeiro, que incluirá uma maxidesvalorização da moeda local, acompanhada da
aceleração da inflação e queda ainda maior do PIB, podendo-se gerar uma
recessão no país igual ou pior à da Argentina de 2002, quando a contração do
produto superou a casa dos 10%.
Essa é a estratégia de política econômica defendida por
nossos economistas ortodoxos e, até o momento, seguida pelo Banco Central. Mas,
para Cottani, a tese de ser necessário reduzir a inflação para só depois dar
início à redução dos juros é equivocada. Isto porque, a elevada taxa real de
juros não somente atrasa a recuperação, que se agrava com a insistência na
geração de um mirrado superávit primário, como também é altamente prejudicial
para a dinâmica da dívida, que não vai parar de crescer, devido aos seus
elevados encargos, mantendo altas as expectativas da inflação, apesar da
recessão e do desemprego.
Nessa toada, para ele, ao não se “[…] mediar uma solução
definitiva para a insustentabilidade fiscal, [mantém-se livre o caminho para]
produzir uma corrida cambial contra os ativos líquidos locais, que, no Brasil,
equivalem a quatro vezes as reservas internacionais […], produzindo-se um salto
brusco e inesperado da taxa de inflação”. Um cenário que ele vê como inevitável
a médio prazo e que não será revertido com a política econômica atual, devido a
este erro de diagnóstico.
Cottani considera, contudo, que existem outros caminhos mais
fáceis e profícuos capazes de gerar melhores resultados para resolver o
problema fiscal e começar a retirar a economia do “inferno” da recessão. Uma
condição para trilhá-los é a de que o Banco Central se afaste temporariamente
de seu mandato anti-inflacionário e adote um plano baseado em três pilares:
1) Na suspensão imediata da venda de swaps e de outros
instrumentos de proteção cambial, permitindo a este preço encontrar seu ponto
de equilíbrio. O custo dessa política de intervenção no mercado de câmbio para
administrar a paridade (flutuação suja) tem representado perdas, para o Banco
Central, equivalentes, só em 2015, a 2% do PIB, ou a mais de R$ 120 bilhões;
2) Na redução da taxa Selic de 14,25% para 7,25%, devendo-se
lembrar que cada ponto percentual dessa taxa representa recursos equivalentes a
cerca de R$ 15 bilhões;
3) No estabelecimento da remuneração das operações de
recompra dos títulos da dívida pública pelo Banco Central junto aos bancos
comerciais (chamadas “repos” – acordos de recompra) à taxa inferior às de
mercado. Atualmente, as operações compromissadas são remuneradas pela Selic,
que é superior ao CDI e funcionam como canal de ganhos fáceis para o sistema
bancário, sem que estes tenham de correr os riscos inerentes aos empréstimos
que realizam.
E aponta uma série de vantagens nessas medidas: (i) não
requerem autorização legislativa; (ii) permitem acabar com o problema da
insustentabilidade da dívida, considerando que as análises empíricas que
realizou, contando com a colaboração de Elijah Oliveros-Rosen, revelaram que,
se implementadas no início de 2016, o déficit nominal cairia de 9,5 para 2,5%
do PIB durante o curso de dois anos, incluindo a geração de um superávit
primário de 1%; (iii) permitem uma recuperação mais rápida da economia, com a
melhoria das expectativas diante da queda da relação dívida/PIB, da maior
competitividade externa, com a desvalorização cambial, e do menor custo do
capital decorrente da diminuição dos juros e do aumento da oferta de crédito.
O custo dessa política seria a elevação da taxa de inflação
como resultado da desvalorização adicional da taxa de câmbio em razão da
diminuição da taxa de juros e da retirada do Banco Central deste mercado, por
meio das operações de swaps. Mas considera que este seria um preço menor a se
pagar diante da prolongada recessão que se prenuncia. Mas também que, absorvido
o efeito inicial da desvalorização, a inflação começaria a cair, convergindo
para a meta de 4,5%, com a condição de que, durante algum tempo, o gasto
público primário e o salário médio dos trabalhadores corram (sejam reajustados)
abaixo da inflação para evitar problemas de pressão de demanda.
Ousada, vinda de onde veio, para sensaboria da ortodoxia
brasileira, e mesmo polêmica em alguns pontos, a proposta de Cottani para a
superação da crise pode ser complementada com sugestões para a realização de
reformas estruturais, incluindo a tributária, estendendo-se a cobrança de
impostos das classes mais ricas para fortalecer a capacidade de financiamento
do Estado; a criação de mecanismos de controles de capitais externos, a mudança
do período de um ano na definição das metas inflacionárias, para melhor
acomodar as variações de preços provocadas por estes ajustes e por problemas
também sazonais etc.
O importante a destacar nela é que deixa de lado o surrado
argumento da ortodoxia de ser o ajuste primário uma pré-condição para
reequilibrar as contas do setor público (Cottani: “os analistas do setor
privado enfatizam o resultado fiscal primário sem, no entanto, advertir que tão
[ou mais] importante que este […] é, em realidade, o custo financeiro [da
dívida]”). Ou seja, de que reside exatamente neste custo financeiro (sempre
ignorado por nossos ortodoxos) a origem, a principal causa dos desequilíbrios
financeiros do setor público. E que, sem enfrentar essa questão, não se chega a
lugar algum em termos de ajuste, a não ser na recessão e na permanente
instabilidade econômica.
É o que os “dinossauros” heterodoxos vêm, há tempos,
defendendo no Brasil. Será Cottani um improvável heterodoxo da S&P ou um
ortodoxo que enxerga bem mais longe do que os manuais dessa escola ensinam?
* Fabrício Augusto de Oliveira é
doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social,
colaborador do Brasil Debate e Folha Diária, e autor, entre outros, do livro
“Política Econômica, estagnação e crise mundial, Brasil 1980-2010”.