Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Eu e a Dilma: Um caso de desamor à primeria vista (final)

Terça-feira, 12 de janeiro de 2016 

Do Náufrago da Utopia Por Celso Lungaretti


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EU E DILMA: UM CASO DE DESAMOR À PRIMEIRA VISTA (4ª parte)


EU E A DILMA: UM CASO DE DESAMOR À PRIMEIRA VISTA (final)



A última eleição presidencial esquentou a partir da morte de Eduardo Campos, no dia 13 de agosto de 2014. E, se não me animava a lutar por nenhuma candidatura, a partir daí ficaram claras na minha mente quais as possibilidades que deveriam ser evitadas a todo custo:

  • um verdadeiro golpe de estado, com tropas e tanques nas ruas, que nos faria retroceder décadas, extirpando o pouco que se construiu de aproveitável a partir de 1985; e

  • a reeleição de Dilma, a pior timoneira possível e imaginável numa tempestade como a que se formava.

Então, ao mesmo tempo em que rebatia falácias utilizadas para desconstruir a candidatura de Marina Silva e tentava convencer os petistas a refrearem a selvageria de sua campanha, em várias ocasiões manifestei minha simpatia pelo volta, Lula!, pois a troca de cabeça de chapa provavelmente recolocaria no poder um político com habilidade e jogo de cintura para, pelo menos, reduzir as previsíveis tensões de um futuro imediato que seria crítico em termos econômicos.

Já Dilma, com sua péssima leitura do quadro político, seu primarismo estratégico, sua truculência tática e sua irredutibilidade característica de tecnoburocratas, é do tipo que joga álcool na fogueira o tempo todo, às vezes sem sequer perceber...
Assim, depois de tentar acelerar a economia no tranco (estatal) durante o primeiro governo, ela parece ter ficado aturdida quando lhe caiu a ficha de que, isto sim, incubara uma grave recessão.
E, tão sofregamente quanto abraçara o nacional-desenvolvimentismo, deslocou-se para o polo quase que oposto: o neoliberalismo. Quis, a ferro e fogo, consertar a lambança que aprontara. Engoliu a retórica interesseira do mercado sobre qual deveria ser o antídoto e, claro, só conseguiu piorar o que já estava péssimo.
 
A escolha do ideologicamente detestável e politicamente inábil Joaquim Levy para ministro da Fazenda foi um balde de água fria na ala lulista do PT, pois a adoção do receituário de Milton Friedman por um partido de esquerda seria óbvio veneno eleitoral.

Dilma fizera a opção de tentar salvar sua reputação (supondo-se que as medidas ortodoxas, com enorme ônus social, ao menos revertessem o quadro de progressiva piora dos índices econômicos), mesmo que isto implicasse mandar às urtigas a candidatura presidencial de Lula em 2018.

E Levy, ainda por cima, levantava a bola para os inimigos anunciando medidas extremamente impopulares como o estupro de direitos trabalhistas e a exumação do famigerado imposto do cheque, que a classe média via como um conto de vigário no qual caíra uma vez (a utilização de um médico digno mas ingênuo para dourar a pílula de mais um assalto ao bolso do contribuinte) e jamais cairia de novo.
Talvez Leonel Brizola haja esquecido de contar a Dilma como João Goulart, na presidência da República, tinha seus ministros burgueses triturados pela esquerda até se afastarem, cansados de tanta grita assumida e de tanta puxação de tapete nos bastidores. O cunhado-urso poderia discorrer sobre isto com muito conhecimento de causa, pois era a principal mão que movimentava os cordéis dessa rejeição.

A História se repetiu em 2015, com o enfático repúdio a Levy por parte de Rui Falcão (presidente do partido), João Pedro Stedile (MST), Guilherme Boulos (MTST), Wagner Freitas (CUT), André Singer e Franklin Martins (sucessivos secretários de Comunicação de Lula quando este era presidente da República), etc.


O fogo amigo minava cada vez mais o já parco prestígio de Levy enquanto, paradoxalmente, era a direita quem o tentava sustentar, com Luís Carlos Trabuco conversando ao pé do ouvido da Dilma para apaziguá-la sempre que ela se exasperava com seu ministro da discórdia, os jornalões lançando editoriais alarmistas, o Reinaldo Azevedo o colocando como única exceção num governo por ele execrado, etc. A fratura estava exposta a tal ponto que, mesmo nas manifestações contra o impeachment, a defesa do mandato de Dilma coexistia com o exacerbado repúdio à sua política econômica.
A presidente, enquanto isto, mostrava total impotência para deter a degringola econômica, só se preocupando com manobras rasteiras para evitar que o Congresso Nacional ou a Justiça Eleitoral a defenestrassem.

Ou seja, ganhava sobrevida no varejo mas continuava marchando para a ruína no atacado, pois país pobre como o Brasil não aguenta a depressão econômica que se desenha para breve. E, quando a penúria estiver causando turbulência social, alguma solução a classe dominante produzirá para se manter dominante; como a impopularidade de Dilma já atingiu o ponto de não-retorno, tal solução passará necessariamente por sua saída do poder. Quem viver, verá.


Também, pudera! Expelido Levy, ela teve uma chance de ouro para voltar às boas com a esquerda, que é quem a conseguiu manter no posto até agora (se dependesse da direita, seu ano sabático já estaria em curso...). E o que fez?
  • ofendeu toda a rede virtual chapa branca ao escolher a odiada Folha de S. Paulo como veículo de sua mensagem de ano novo; e
  • estragou o reveillon da imensa maioria dos seus leitores, ao anunciar que continuará tentando socar o arrocho fiscal garganta dos brasileiros abaixo e que trama a elevação da idade mínima para aposentadoria, cometendo terrível injustiça com os que começam a trabalhar cedo (meu pai pegou no batente com míseros 11 anos e, que eu saiba, burlas à lei continuam ocorrendo até hoje, aos montes...).
Ou seja, Dilma não aprendeu nem esqueceu nada com o fracasso retumbante de Levy. Talvez porque, depois de reconhecer que pisara feio na bola em seu primeiro governo, falte-lhe humildade para admitir que novamente meteu os pés pelas mãos em 2015. [Nem mesmo como Wanda ela convivia bem com as autocríticas...]

Como a Operação Lava-Jato continuará colocando sob os holofotes as maracutaias do PT e parceiros, enquanto a recessão só tende a agravar-se, a meteorologia política indica a certeza de muitas chuvas e trovoadas depois do carnaval, além da possibilidade de ocorrências ainda piores.

Pessoalmente, mantenho o otimismo possível nas melancólicas circunstâncias presentes. Acredito: 
  • que Dilma, de um jeito ou de outro, cairá, até por ser o desejo secreto de muitos grãos petistas; 
  • que, desde que tal queda se dê nos marcos constitucionais (sem quartelada e ditadura), Lula voltará a ter chance de sucesso eleitoral em 2018, mantendo-se, portanto, aberta a porta para o reformismo;
  • que, por outro lado, o abalo sofrido pela esquerda foi profundo e acarretará um processo agudo de autocríticas e busca de novas opções por parte dos militantes mais articulados e idealistas; e
  • que, consequentemente, teremos uma chance de arejar e reciclar a esquerda, a fim de recolocá-la no rumo da revolução, cada vez mais necessária quando o capitalismo faz água por todos os lados e ameaça até destruir a espécie humana.
Por último, retomo a questão levantada no início desta digressão, sobre motivos de eu não considerar Dilma merecedora de solidariedade revolucionária, depois de tê-la prestado a tantos companheiros, mesmo em circunstâncias adversas e que exigiram grande sacrifício pessoal.

É que considerei simplesmente inaceitável sua iniciativa de forçar a inclusão de Leonel Brizola no Livro dos Heróis da Pátria, mesmo tendo de, casuisticamente, alterar a regra dessa homenagem (que a restringia a personagens históricos mortos há pelo menos 50 anos)  e sabendo que isto implicaria num desprestígio póstumo para heróis muito mais merecedores de que se abrissem exceções em seu benefício, Carlos Lamarca e Carlos Marighella, os únicos que, pela trajetória e seu significado simbólico, se ombreiam aos grandes Tiradentes (o 1º da lista), Zumbi dos Palmares (o 2º) e Frei Caneca (o 12º).

Isto reforçou minha convicção de que ela ainda não transcendeu os ressentimentos de 1969, fazendo questão até hoje de marcar distância dos antigos militaristas e dos revolucionários em geral, como deu para percebermos claramente na afoiteza com que encaminhou a criação da Comissão Nacional da Verdade e no abandono a que a relegou em seguida, não lhe dando respaldo para vencer sucessivos braços-de-ferros com milicões recalcitrantes. 
É direito dela querer ser hoje apenas uma política convencional. Deveria, contudo, ter a sinceridade de admitir que se trata muito mais de uma negação que de uma continuação da Wanda.

À qual, mesmo não morrendo de amores por ela, eu respeitava, como respeito todos os companheiros que travaram luta tão desigual e trágica. Difundo-lhes o exemplo e honro sua memória. 

Mas, a excelentíssima senhora presidente da República é-me indiferente, como me são indiferentes todos os dignatários dos podres Poderes.