Terça, 20 de setembro de 2016
Do MPF
Ação sustenta que a veiculação de vídeos com esse
tipo de conteúdo viola vários comandos jurídicos de proteção à criança,
incluindo resoluções do Conanda e do próprio Conar
Imagem ilustrativa iStock
O Ministério Público Federal (MPF)
ingressou com ação civil pública contra a União e contra a Google Brasil
Internet Ltda em defesa de interesses e direitos das crianças e
adolescentes que estariam sendo violados em decorrência de sua exposição
a anúncios publicitários na internet.
A ação pede que a Google seja obrigada a disponibilizar um aviso, na
página inicial do canal Youtube ou em todos os vídeos postados nessa
plataforma, de que é proibido veicular merchandising ou propaganda de
produtos ou serviços protagonizados por crianças ou a elas destinados.
De acordo com o MPF, tem se tornado frequente a exibição, no canal
Youtube, de vídeos protagonizados por crianças de até 12 anos de idade
para a publicidade de produtos e serviços destinados ao mercado
infantil. Normalmente, os vídeos são disponibilizados por particulares
e, quando atingem grande número de visualizações, os youtubers mirins
tornam-se pequenas celebridades. Em decorrência dessa exposição, acabam
atraindo a atenção do mercado, que as faz atuar como promotoras de
vendas, protagonizando anúncios comerciais de produtos dirigidos ao
público infantil.
Acontece que, segundo o MPF, a publicidade na forma de merchandising
protagonizada por crianças ou a elas destinada é proibida no Brasil por
ser considerada potencialmente abusiva. "Isso ocorre exatamente em
função do público a que ela se destina, que é altamente suscetível a
qualquer tipo de apelo emotivo e subliminar, aspectos característicos da
propaganda comercial e do merchandising. As crianças não têm maturidade
suficiente para discernir entre fantasia e realidade ou para resistir a
impulsos consumistas", explica o procurador da República Fernando de
Almeida Martins, autor da ação.
Ele esclarece que, apesar de não existir uma lei específica tratando
do assunto, existem vários dispositivos que procuram dar eficácia a todo
o arcabouço jurídico de proteção dos interesses da criança e do
adolescente, a começar da própria Constituição (artigo 227) e do
Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 3º, 4º, 7º, 17, 71 a 73).
"No Código de Defesa do Consumidor, especialmente no artigo 37, vimos
explicitamente que é considerada abusiva a publicidade que se aproveita
da deficiência de julgamento e experiência da criança. O artigo 39 do
CDC chega a proibir o fornecedor de produtos e serviços de prevalecer-se
da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade.
É por isso que, em 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CONANDA) editou a Resolução nº 163 considerando abusiva
toda publicidade direcionada ao público infantil com a intenção de
persuadi-lo ao consumo", afirma o procurador da República.
Ausência de sanção - O MPF explica que as resoluções
do Conanda têm cumprimento obrigatório. O problema é que, ao normatizar
o assunto, a resolução não estabeleceu qualquer sanção em caso de
descumprimento. Com isso, as determinações continuam sendo ignoradas.
Foi exatamente o que demonstrou a Google ao se recusar a acatar
recomendação expedida pelo MPF em 20 de maio deste ano para retirada do
Youtube de todos os vídeos de publicidade infantil.
A empresa alegou que inexiste no Brasil proibição legal de publicidade com participação de criança.
Segundo Fernando Martins, "na verdade, além de todas as leis que já
mencionamos, temos também o Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária, editado pelo CONAR, que, além de proibir a veiculação de
anúncios com apelos imperativos de consumo dirigidos diretamente às
crianças, condena a ação de merchandising ou publicidade indireta que
empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios,
com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público
específico, qualquer que seja o veículo utilizado, incluindo, como é
lógico, a internet".
O MPF ressalta também o caráter contraditório das alegações da
empresa, que, se por um lado alega que a decisão de consumo é
responsabilidade dos pais, por outro, afirma que o debate da questão
deve ocorrer com a participação de todos ou ao menos da maioria dos
envolvidos na criação da publicidade.
"Ora, não é contraditório afirmar isso e ao mesmo tempo afirmar que
os únicos responsáveis pela decisão de compra são os pais? Mais lógico
considerarmos que todos nós - Estado, empresa, sociedade e família -
estamos incumbidos de proteger esse público", diz o procurador.
Ele observou a mesma postura contraditória da empresa em outro
aspecto. Ao se justificar, a Google menciona que as diretrizes do
Youtube limitam a liberdade do usuário que se utiliza de spam. Só que no
Brasil não há lei que proíba o usuário de internet de propagar spams.
"Então, porque a limitação da liberdade dos usuários vale para esse caso
específico e não vale para proteger os direitos das crianças, que estão
previstos em diversas leis e devem ter prioridade absoluta?",
questiona.
Publicidade velada - O MPF também alerta para outra
particularidade dos anúncios veiculados pelo Youtube. É que, na maioria
dos casos, eles configuram anúncios velados, sem o formato e
características específicas dos anúncios publicitários; por isso, têm
potencial para influenciar ainda mais os consumidores infantis, em
virtude da deficiência de julgamento e experiência que lhes é própria.
"Na forma testemunhal de merchandising, o abuso contra a criança fica
mais explícito, pois a apresentadora infantil avaliza os produtos que o
anunciante lhe paga para endossar, confundindo-as, enganando-as e
traindo sua confiança", afirma a ação.
Por fim, o MPF lembra que a conduta de fazer ou promover publicidade
abusiva, como são as propagandas destinadas às crianças, constitui
crime, punível com pena de 3 meses a 1 ano de prisão, segundo o Código
de Defesa do Consumidor.
Para Fernando Martins, "essa tipificação como crime demonstra o quão
grave o legislador considerou a conduta, não sendo razoável, portanto,
que ela seja punível no âmbito penal e não o seja no âmbito cível
administrativo".
Por isso, um dos pedidos da ação é para que a Justiça Federal
determine à União, através do Conanda, a alteração da Resolução
163/2014, para nela incluir sanções administrativas em caso de
descumprimento de seus dispositivos.
Foi pedido também que a Google, além de avisar sobre a proibição,
ainda inclua na ferramenta de denúncia de conteúdo impróprio do Youtube
um item relativo à proibição/abusividade da veiculação de merchandising e
propaganda de produtos destinados ao público infantil.
A ação foi distribuída à 10ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte/MG e recebeu o número 54856-33.2016.4.01.3800.