Sábado, 10 de setembro de 2016
Do Correio da Cidadania
correiocidadania.com.br
Escrito por Raphael Sanz, Ivan Carvalho, Marcela Pontes e Christian Gilioti, da Redação
O país ainda absorve o impeachment de Dilma e a entronização de
Michel Temer. Dentro do contexto, vemos um projeto de lei de 2004, o
dito Escola Sem Partido, ganhar força na pauta educacional, enquanto em
outras frentes pautam-se flexibilização dos direitos sociais e
trabalhistas, além de uma reforma previdenciária regressiva. É sobre
essa conjuntura que conversamos com Lisete Arelaro, professora de
pedagogia da USP, que participou do Partido dos Trabalhadores desde o
seu início até 2003.
Lisete não poupou o “ex-governismo” das críticas que lhe cabem, ao
mesmo tempo em que é contrária ao impeachment. “Vejo um grande debate
que tem dividido a esquerda brasileira e muitas vezes interditado o
diálogo. Sobre o impeachment não ter sido um golpe, mas um ‘bem feito’
para os erros das gestões petistas – que são muitos. Estão confundindo
duas coisas diferentes. Eu diria que golpe é golpe; fazer ‘média’ e
esquecer que existe luta de classes é outra coisa. Estamos em um golpe:
há regras no país e essas regras, sem que tenha havido um processo
revolucionário e de contestação, foram quebradas. A direita resolveu que
o poder é dela. Isso é golpe. Outra coisa é o que o PT vem fazendo”,
analisou
Em sua especialidade, Lisete Arelaro considera o projeto de lei
Escola Sem Partido integrado a uma agenda dos grupos de direita que
depuseram Dilma Rousseff e querem inibir posições contrárias a seus
desígnios. “Para seguirem fazendo as falcatruas que já estavam fazendo
antes, precisam que o povo brasileiro esteja absolutamente
desorganizado, desmobilizado e acima de tudo com medo. O medo, nós
sabemos, é inibidor. Também para a juventude, não apenas para os
adultos. Inclusive, dizem que a gente cresce e se acomoda, sobretudo,
por medo. Precisamos ser jovens, no sentido da ousadia e da irreverência
que a juventude tem. Escola sem Partido neste momento histórico, mesmo
que não tenha começado com tais objetivos, hoje está a serviço do
silenciamento da mobilização popular no Brasil".
Já em relação ao futuro do lulismo, Lisete Arelaro é crítica ao
governo Dilma, diz que podemos gostar ou não de Lula, “mas o maior líder
popular de hoje no Brasil chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. E está
liderando pesquisas. Essa é a razão pela qual o golpe não vai parar por
aqui. Eu mesma votei nela (Dilma) achando que protegeria os
trabalhadores e obviamente as medidas tomadas por ela foram ao contrário
disto. Temos que aguentar um fato que é real: a Lei Antiterrorista foi
aprovada no governo dela, assim como a lei que reduz a maioridade penal
e, efetivamente, todos os retrocessos que Temer está acelerando”.
A entrevista completa com Lisete Arelaro pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Qual sua opinião sobre o projeto de lei
Escola Sem Partido e como o relaciona com a atual conjuntura política e
social do país?
Lisete Arelaro: O projeto Escola sem Partido é uma
coisa tão esdrúxula e tão fora de época como outras que, infelizmente,
estamos vivendo hoje. Tivemos a cassação de uma presidente eleita e,
independentemente da avaliação e do mérito de ela ter feito certo ou
errado, efetivamente não se provou nenhuma razão constitucional para seu
afastamento. De fato, a direita decidiu que eles é que vão mandar no
país. Já estão lá de forma ilegítima, a atacar direitos dos
trabalhadores e da cidadania. A cada dia acordamos com a extinção de
algum dos programas do governo anterior que beneficiavam o povo. Isso é
inédito. Uma situação que nunca foi vista no Brasil. Sempre tivemos
golpes com o apoio dos militares e desta vez (por isso é um “golpe
moderno”), tivemos um sem a participação direta dos militares.
Sou antiga. Fiz pedagogia em Campinas, na Universidade Católica antes
de tornar-se Pontifícia, e comecei um ano antes de a Unicamp abrir o
curso de pedagogia. Tivemos o privilégio histórico de fazer a primeira
passeata de estudantes durante a ditadura militar, que foi filmada.
Depois pagamos um preço. Uma passeata de estudantes universitários numa
cidade do interior. Campinas não gosta muito de ser chamada de interior,
mas é interior e foi muito interessante. O que eu mais fiz nessa época
foi apoiar a organização estudantil, que considero fundamental para
avançarmos no país. Do ponto de vista concreto, depois da ditadura
militar os movimentos estudantis, secundaristas e universitários
recompuseram a força política e de mobilização nacional que já existiu
um dia no país. Isso para mostrar o quanto os estudantes são perigosos.
Estive em um debate em Mogi das Cruzes há pouco tempo e foi lá que
fiquei sabendo que naquela cidade existia um advogado chamado Miguel
Nagib, que em 1993 tinha uma filha no terceiro ano do ensino médio. A
professora de sociologia comparou ou se permitiu comparar Che Guevara a
São Francisco de Assis. O pai ficou revoltadíssimo e foi a primeira
manifestação pública de um pai revoltado com o que ele chamava de
“ideologização dos conteúdos de sociologia no Ensino Médio”.
Em 2004, o tempo passou e tivemos uma situação interessante: Luiz
Inácio Lula da Silva, um operário de baixa escolaridade, fora eleito
presidente do Brasil dois anos antes. Evidentemente, um líder popular de
origem pobre. Logo, consideraram que daquele momento em diante, com o
Partido dos Trabalhadores governando o país, nós teríamos, é claro, que
ler O Capital todos os dias e o Manifesto Comunista
seria lido e decorado nas escolas. Digo isto com ironia, pois é uma
babaquice. E foi contra essa maluquice que criaram o Escola sem Partido
há 12 anos. Se você tivesse entrado antes do início de junho de 2016 no
site deles, as questões que estou colocando aqui de maneira irônica
estavam lá. Hoje o site continua, mas é um pouco mais sofisticado e
sutil, para as pessoas que entrarem não perceberem o quão reacionário,
conservador e até delinquente esse grupo é.
O que o Escola sem Partido pretende e por que ganha força no momento
do golpe civil que envolve o Judiciário e o Legislativo? Não por acaso,
Michel Temer se tornou presidente da República, ainda que ilegítimo.
Vale lembrar que Delfim Netto foi quem ajudou a escrever os discursos de
Temer. Não se enganem quando ele falar que “o governo Lula foi muito
bom desde que não invadisse o espaço”, ou seja, há um risco no chão,
eles estão lá e nós aqui. Isso é pedagógico.
Agora, o governo do PMDB realmente estabeleceu como proposta a ideia
de “ordem e progresso” para dirigir suas ações no Brasil. Ou seja, para
seguirem fazendo as falcatruas que já estavam fazendo antes, precisam
que o povo brasileiro esteja absolutamente desorganizado, desmobilizado e
acima de tudo com medo. O medo, nós sabemos, é inibidor. Também para a
juventude, não apenas para os adultos. Inclusive, dizem que a gente
cresce e se acomoda, sobretudo, por medo. Precisamos ser jovens, no
sentido da ousadia e da irreverência que a juventude tem. Escola sem
Partido neste momento histórico, mesmo que não tenha começado com tais
objetivos, hoje está a serviço do silenciamento da mobilização popular
no Brasil.
O professor, e é uma coisa até ridícula dizer, que viveu a última
ditadura civil militar sabe que as providências de atemorização e até
insinuação da possibilidade de prisão pelo que eles falam em sala de
aula são suficientemente inibidoras para muitos de nossos colegas em
sala de aula mudarem seus programas.
Correio da Cidadania: E como era essa censura durante o regime de 1964? De que forma se expressava no dia-a-dia em sala de aula?
Lisete Arelaro: Na ditadura vivemos situações, no
mínimo, indelicadas. Colegas meus sem dúvida nenhuma tinham problemas
políticos para discutir a Segunda Grande Guerra em sala de aula, por
exemplo. Primeiro porque achavam que não se podia falar sobre a
Revolução Russa. É engraçado, pulava-se a Revolução Russa e depois a
Rússia saía da discussão. Assim, como se justifica a Segunda Guerra? Daí
o professor perguntava se algum aluno tinha dúvidas – torcendo para
ninguém perguntar. Não é brincadeira porque se começa a ter um
patrulhamento agressivo sobre os fatos históricos, geográficos e
científicos; também em relação a livros, reportagens e filmes que
professores indicariam e encarnam mais a sociedade brasileira e nossa
desigualdade. Isso de repente pode se tornar perigoso e ilegal.
É muito importante termos a clareza de que um professor precisa, em
nome da ciência, das artes, das letras e da tecnologia, de liberdade de
pensamento e de estímulo ao pensamento crítico, coisa que se não for
feita dispensa a necessidade da escola. Se for uma simples retransmissão
de conteúdo, o google faz melhor do que nós. Nós não somos
retransmissores, somos formadores: de opinião, de valores, de
concepções. Portanto, é isso que nos faz profissionais importantes no
Brasil e no mundo. Cuidado com o projeto Escola Sem Partido.
Correio da Cidadania: Acredita que o avanço de pautas religiosas no Congresso possa impulsionar tal projeto de lei?
Lisete Arelaro: É importante não confundir religião
com política. Por exemplo, a Teologia da Libertação na América Latina e
particularmente no Brasil foi extremamente importante nos anos 60 para a
formação de uma outra concepção e organização de setores populares –
estudantis universitários e secundaristas sobretudo. Eu mesma fui do
JEC, a Juventude Estudantil Católica. Efetivamente, não há dúvida
nenhuma de que um católico deveria, acima de tudo, estar atento às
condições sociais e de vida que o país está experimentando e esta é uma
bela forma de ser cristão.
No país todo, em tempos de ditadura, foram grupos religiosos, que
depois inclusive apoiaram o movimento de resistência ao golpe
civil-militar, que deram cobertura, esconderam pessoas, participaram
diretamente. Não foi só um grupo teórico. Participaram de movimentos de
esquerda, inclusive de guerrilhas e movimentos clandestinos, razão pela
qual Dom Paulo Evaristo Arns, aqui em São Paulo, perdeu a coordenação
(episcopal) da grande região de São Paulo e a Igreja Católica se
dividiu, colocando pessoas como o novo arcebispo, Dom Odilo Scherer,
conservador ao extremo. Com todo respeito a ele, mas as posições da
Igreja Católica sobre a questão de gênero nas últimas discussões dos
planos municipal, estadual e nacional de educação foram lamentáveis, de
tão reacionárias.
Estou aqui com o projeto do senador Magno Malta que está no Senado e
vamos ter de fazer uma abordagem. Além de incorporar o programa Escola
Sem Partido à Lei de Diretrizes Básicas que está na nossa Constituição
educacional, uma coisa sem pé nem cabeça, ainda escrevem que “a educação
atenderá os seguintes princípios: neutralidade política, ideológica e
religiosa do Estado”. Acontece que para nós professores, até por dever
de ofício, sabemos que não existe neutralidade. Não existe neutralidade
na ciência, nas artes e nem na literatura. Na medida que eu valorizo
isto ou aquilo, vou mostrando minha visão de mundo e concepção. E isso
não é necessariamente impor visões.
Correio da Cidadania: A senhora vê truculência neste movimento que propõe o Escola sem Partido?
Lisete Arelaro: Não por acaso vemos o envolvimento
desta pauta em um movimento de rejeição a um educador como Paulo Freire.
Afinal de contas, o Paulo Freire está sendo negado e chamado de
“comunista”, doutrinador etc. Não que ser comunista seja um defeito, mas
esse grupo adora usar tal retórica. Também fomos chamados de
“comunistas doutrinadores” durante a audiência pública chamada pelo
deputado Carlos Giannazi para debater a lei. Na ocasião, eles ocuparam
espaço na Alesp para protestar. E é verdade que fizeram coisas
protofascistas, como, por exemplo, dizer que Bolsonaro era o rei deles.
Fazia uns 40 anos que ninguém me chamava de comunista como uma forma
de ofensa. Divergir de alguma coisa deles significa “ser comunista”,
logo, “manda prender ou matar”. Este é o entendimento que essas pessoas
têm. E como a direita domina a mídia – um dos erros do governo Lula foi
não ter mexido nos donos da mídia no Brasil – temos essa situação
extravagante, na qual poucas famílias mandam no Brasil e nos meios de
comunicação.
Portanto, temos um processo de informação única, em todo o país, no
qual dizem o que bem entendem e, entre outras coisas, promovem este tipo
de pensamento nos telejornais e programas sensacionalistas. É uma
situação muito delicada. Vamos ter de manter as redes sociais em
funcionamento como uma forma de resistência.
Correio da Cidadania: Como avalia a esquerda brasileira em meio a essa conjuntura?
Lisete Arelaro: Espero que os grupos de esquerda,
aos quais também pertenço e atuo, sejamos um pouco mais generosos com
nós mesmos e aprendamos um pouco com a direita – que se junta no
essencial, mesmo brigando no periférico. Nós temos feito, infelizmente,
as duas coisas: brigamos no essencial e no periférico.
Um movimento que eu acho fundamental é que os grupos de esquerda
sejam mais tolerantes entre si e nos fechemos no essencial. Vou lembrar
aqui de um grande ensinamento que aprendi de um professor – e ser
velhinha tem dessas vantagens, pois tive um professor que hoje para
vocês é bibliografia –, o Florestan Fernandes: “nesses momentos de crise
é quando mais precisamos estar juntos, independentemente de qualquer
contradição que tenhamos entre nós”. Este é um primeiro apelo, uma
sugestão, e acho que já avançamos um pouquinho. Vejo que estamos
começando a sentar à mesa, até porque o momento é muito grave e estamos
sentindo a necessidade de nos aproximar.
É preciso continuar especialmente com o trabalho de formação. Um
processo de formação pela esquerda e libertário é, sem dúvida nenhuma,
fundamental. E ainda digo uma coisa antiga: eu segui uma formação
clássica de esquerda, e sendo assim, me desculpem as novas gerações, mas
um partido político é fundamental. Um exemplo disso é a Escola
Florestan Fernandes do MST, que vem mudando a capacidade de luta dos
camponeses aqui da América Latina, o que é muito importante. Se formos
analisar, sindicatos e partidos abriram mão do processo de formação
política dos seus quadros e talvez aí esteja a razão da crise de
representação dos partidos políticos de esquerda. Por outro lado, a
formação escolar também se despolitizou. Este é um campo que está à
nossa disposição e temos que por a mão na massa.
Sobre o Escola Sem Partido, é bom nos lembrarmos que essa lei já
existe no estado de Alagoas. Em São Paulo houve um primeiro “round” e eu
diria que saímos vencedores. Talvez exatamente porque o Alckmin não
tenha considerado, apesar de ser um homem conservador, que em momento de
eleição valesse a pena entrar no debate, e sobretudo porque o relatório
do Giannazi foi aprovado por unanimidade na Comissão de Educação e
Cultura da Alesp. Ninguém do PSDB ou do DEM votou contra o relatório
dele. Mesmo assim, já estamos vendo os primeiros sintomas dos novos
tempos. No Rio Grande do Sul, uma professora já foi afastada e outra foi
demitida da sua função sob a acusação de estar fazendo ideologização em
suas aulas.
Vejo um grande debate que tem dividido a esquerda brasileira e muitas
vezes interditado o diálogo. Sobre o impeachment não ter sido um golpe,
mas um “bem feito” para os erros das gestões petistas – que são muitos.
Na minha opinião estão confundindo duas coisas diferentes. Eu diria que
golpe é golpe; fazer “média” e, portanto, esquecer que existe luta de
classes é outra coisa.
Estamos em um golpe: há regras no país e tais regras, sem que tenha
havido um processo revolucionário e de contestação, foram quebradas. De
fato, a direita resolveu que o poder é dela. Isso é golpe. Outra coisa é
o que o PT vem fazendo, uma política de conciliação de classes que
falhou, entre outros equívocos. Quanto a isso, terminadas as eleições
municipais, em novembro o PT terá de fazer um balanço e uma autocrítica.
Se o PT não fizer uma autocrítica profunda, acabou como partido.
Correio da Cidadania: Como vê a possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ser novamente presidente do Brasil?
Lisete Arelaro: Podemos gostar ou não, mas o maior
líder popular hoje no Brasil chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. E está
liderando pesquisas. Sendo professora titular da USP, tenho alguns
amigos de direita que conversam comigo. Eles têm algumas hipóteses as
quais não me permito reproduzir. De toda forma, foi feita por esse grupo
que está no poder uma pesquisa e efetivamente o Lula aparece com cerca
de 62% dos votos para o segundo turno em 2018. Essa é a razão pela qual o
golpe não vai parar por aqui.
Tenho duas hipóteses: uma que ele vá preso, como o Moro tem ameaçado e
nesse caso teríamos Meirelles, Temer, Serra e Alckmin, quatro
candidatos à presidência que não têm nenhuma expressão no Brasil. A
inserção do Lula nas camadas populares foi o que fez com que o PT se
tornasse o “único ladrão e corrupto” no processo. A outra hipótese, um
pouco mais extrema, é de que a direita mate o Lula caso não o consiga
prender, o que é uma possibilidade não tão longínqua no Brasil.
Obviamente seria uma tragédia e eu não gostaria que isso acontecesse.
Mas se nos EUA mataram o Kennedy em exercício, por que aqui não matariam
o Lula? Talvez porque o transformariam em mártir. Mas essa razão é
suficiente? Não sabemos.
Temos um lumpem político no Brasil que acha que dá para fazer isso
com tranquilidade. Já ouvi políticos e lideranças econômicas dizendo que
Lula deveria morrer, não é algo tão distante. Temos hoje o Bolsonaro
que disse que em vez de fazer presos políticos a ditadura deveria ter
matado os militantes. E foi uma declaração pública. Reforça a ideia de
que vieram por ordem no país e que os últimos governos deixaram que cada
um se organizasse e se manifestasse trazendo o caos para o Brasil. Mas
como esquerda, temos de reconhecer que o PT abriu mão de sua relação de
classe e está pagando o preço histórico.
Correio da Cidadania: Como analisa os desdobramentos do
processo de impeachment? Acredita em “acordão” dado que Dilma não teve
seus direitos políticos cassados?
Lisete Arelaro: Dentro do combate à corrupção, por
uma podem como. E por que não foi efetivamente cassado tendo 24
acusações contra ele na mão do Moro e do Gilmar Mendes? Porque de fato o
Cunha é um homem organizado, que acredita em redes de informações.
Chamou os colegas e disse: “queridos, é o seguinte, se me cassarem eu
vou abrir o bico e não vai ser nem na delação premiada, mas antes
disso”.
Logicamente, os corruptos que estão do lado dele não poderiam cassar
Dilma. Como a direita, os banqueiros e a elite econômica nacional e
internacional têm o interesse de terminar de pilhar o Brasil pelas
próprias mãos, resolveram cassar a Dilma. Logicamente, não poderiam
cassar o Cunha, pois ele falou que entregaria 109 corruptos. Ou seja,
são 109 corruptos na mão de um corrupto ainda maior. Eles não teriam
condições morais e éticas de cassar a Dilma.
Assim, primeiro cassaram a Dilma e depois talvez cassem o Cunha, uma
hipótese mais distante que acabou ganhando falsos créditos. Esse é um
dado que temos de considerar e tudo indica que há um grande acordo sendo
feito, uma vez que Cunha permanece intacto e Dilma não perdeu seus
direitos políticos.
Correio da Cidadania: Voltando ao PT, quais as perspectivas para o futuro do partido?
Lisete Arelaro: Não há lugar para o PT no centro, e
nem acredito que haja centro. E aí vou concordar com um dos grandes
petistas, que sempre criava frases. Uma coisa muito interessante que
disse foi: “a passagem para o centro se faz pela direita”. Ou seja, você
vai para a direita e depois volta para o centro. Essa não é uma
discussão qualquer.
O comportamento da Dilma no seu segundo mandato é realmente
surpreendente. Eu que também atuei para a eleição dela no segundo turno –
pois entre ela e o Aécio eu não tinha dúvida de quem era melhor, e
nessas circunstâncias sou contra o voto nulo – tenho de admitir que de
fato ela traiu o eleitorado. Votei achando que protegeria os
trabalhadores e, obviamente, as medidas tomadas por ela foram o
contrário. Temos que aguentar um fato real: a Lei Antiterrorista foi
aprovada no governo dela, assim como a lei que reduz a maioridade penal
e, efetivamente, todos os retrocessos que Temer está acelerando.
A reforma agrária não foi feita em nenhum dos governos do PT, além de
outras coisas. Em 1963 nós chamávamos o Plínio de Arruda Sampaio para
discutir o Estatuto da Terra com os estudantes. Infelizmente o Plínio
morreu, mas se ele estivesse vivo nós o estaríamos chamando, em 2016,
para debater reforma agrária. O mesmo homem que estava em 1963 com uma
das reivindicações mais básicas do Brasil estaria hoje falando o mesmo.
Isso significa que os grandes proprietários de terras seguem até hoje
mandando e desmandando, inclusive o agronegócio lidera a economia
brasileira, uma coisa absolutamente controversa, com todos os ônus que a
ação desses grupos trazem às terras brasileiras. A discussão tem de ser
feita e o PT admitir que teve um comportamento de direita.
Lembremos ainda que a Dilma não autorizou a auditoria da dívida e foi
o governo dela que encaminhou o PL 257, cujas consequências para os
trabalhadores, a menos que consigamos derrotar a curto ou médio prazo,
são terríveis. Em um país como o Brasil, com 52% de trabalhadores
informais e sem carteira de trabalho, vamos dar ao empregador o
privilégio de poder discutir termos com o trabalhador e passar por cima
da CLT e de toda legislação trabalhista, para fazer valer o que ele
combinou? Que patrão negocia em igualdade de condições de argumentação
com seus empregados? Ele vai olhar e fazer o que já vemos no Brasil: ou
aceita ou está demitido.
E logicamente, entre um emprego e nenhum emprego, o trabalhador vai
ter que topar. Isso não passaria, fosse o PT oposição. E tal
reconhecimento o PT tem de ter: “erramos em questões vitais,
confundimo-nos com o inimigo”. A Rede Globo, por exemplo, é um inimigo e
foi um erro do PT tentar trazê-la como aliada – e saber
estrategicamente quem são seus inimigos é a primeira obrigação da
esquerda, sem confundir inimigos com adversários.
Essa é uma questão bastante séria e espero que o PT possa revê-la,
caso contrário perderá sua importância, com a história que tem. É o
partido que mais trouxe propostas e esperanças de uma eventual mudança
progressista, e tenho de admitir, apesar de ser uma socialista. Foi um
partido muito rico de ideias, todos os setores que lutaram contra a
ditadura civil-militar estiveram juntos no início deste partido nos anos
80, aprendemos muito, fizemos muito, formamos juntos e fomos tomados.
Em nome dessa trajetória do PT eu quero apostar que eles possam fazer
uma reflexão histórica. O PT que está aí não é do nosso interesse e não
interessa ao Brasil. O centro já está cheio de partidos, e a direita
também.
Correio da Cidadania: Para finalizar, o que pensa do grupo que depôs Dilma Rousseff e agora controla o Executivo?
Lisete Arelaro: Tive um grande amigo sociólogo
chamado Maurício Tratenberg. Ele era uma pessoal especial e costumava
dizer: “relaxa e goza, porque só estamos entre o último golpe e o
próximo”. Ainda que eu não acredite tanto nisso, eu diria que esse grupo
está voltando, porque foram eleitos com o Fernando Henrique. E logo na
primeira semana que o FHC foi eleito um homem de seu governo disse que
eles vinham para ficar 20 anos. Ficaram oito. Privatizaram tudo o que
tínhamos de melhor e assim se locupletaram. E agora estão de volta.
Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania. Ivan
Carvalho e Christian Gilioti são educadores. Marcela Pontes é médica. Os
autores apresentam o Programa Imbaú, na Rádio Cidadã FM, onde a entrevista foi feita.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania