Por
A
concentração na Avenida Paulista, domingo último (4), reuniu algumas
dezenas de milhares de pessoas. Algo muito distinto dos 40 "gatos
pingados" da aritimética frívola do presidente em doce vilegiatura.
Tanta gente que nenhum veículo de imprensa ousou anunciar seu número. O
Datafolha desta feita, precatado, não se interessou por apresentar
estimativa.
Da Paulista, essa multidão ordeira, composta
majoritariamente de jovens (o que é novo e importante e significativo)
caminhando de forma pacífica, cantando e exibindo cartazes, entoando
palavras de ordem como o atualíssimo "Fora Temer", seguiu, sem
incidentes, até o Largo do Batata, distante uns oito quilômetros, onde a
manifestação (cercada por um aparato bélico sem justificativa) se
encerrou, após breve comício.
Ao final, começou a dispersar-se,
pacificamente, repito, recebendo dos organizadores a recomendação de
"evitar provocações". De nada, porém, adiantou a precaução, porque o
projeto temerário e irresponsável da PM era espancar, respondendo a
provocações ou não. A velha e cediça e estéril forma de intimidação de
que se valem os Estados policiais.
Já distantes do centro da
aglomeração, que, repito se dispersava, ordeira e pacificamente, ao fim
de uma marcha democrática, estávamos — além de mim, os médicos Aitan e
Helenita Sipahi, septuagenários como eu —, o deputado Paulo Teixeira e o
senador Lindbergh Farias, que dava uma entrevista.
Foi quando nos vimos
atingidos por uma onda de gás lacrimogênio e eu senti no braço esquerdo
um forte impacto seguido de dor aguda. Havia sido atingido por um
projétil de borracha, ou fragmento de uma bomba, de uma das muitas
centenas de bombas lançadas e explodidas contra a massa indefesa,
assustada e tomada por justo pânico.
Já era muito difícil respirar, a
garganta ardia, nossas vozes sumiam, os olhos lacrimejavam, a visão se
tornara turva e, sem alternativas, corremos, corremos todos nas mais
variadas direções, em busca de saída que era simplesmente abandonar o
teatro das ações e procurar respirar. Alguns se refugiaram nos vários
bares, onde, no entanto, foram atacados pelos soldados em fúria.
Seguimos, eu, Paulo Teixeira e Lindberg, amparados e guiados por jovens
populares que nos levaram pelas estreitas ruas do bairro. Atrás de nós
explodiam bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral e lá no fundo
jatos d’água. O cenário me fez retornar aos anos de chumbo da ditadura
militar.
Assim
se inaugura a "ditadura constitucional" que é apenas dos produtos do
golpe de Estado que depôs Dilma Rousseff. É apenas o começo. Dias piores
virão, pois o Estado autoritário é a condtio sine qua non para a
implantação do governo anti-popular. Meirelles-Serra sucedem Campos
Bulhões e Temer (com o acento de sua mediocridade pessoal) será a
releitura anacrônica de Castello, que era mais feio por dentro do que
por fora.
Quem viver, verá.
Roberto Amaral
Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia