Terça, 13 de setembro de 2016
Daniel Mello - da Agência Brasil
O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF)
denunciou pela primeira vez, por homicídio, um ex-militante de esquerda
que atuou como infiltrado durante a ditadura militar (1964-1985).
Segundo a procuradoria, a atuação do médico aposentado João Henrique
Ferreira de Carvalho foi determinante para a morte de Arnaldo Cardoso
Rocha, Francisco Emmanuel Penteado e Francisco Seiko Okama. Também são
alvos da denúncia os então policiais militares Ovídio Carneiro de
Almeida e Beatriz Martins.
Os militantes da Ação Libertadora
Nacional (ALN) foram emboscados em março de 1973 por agentes do
Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa
Interna (Doi-Codi). O trio foi atacado pelos agentes num ponto de
encontro na Penha, zona leste paulistana. Na ação, Penteado foi alvejado
na cabeça e morreu no local, enquanto Rocha e Okama foram feridos e
capturados.
Laudos
necroscópicos encomendados pela Comissão Nacional da Verdade e pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2013,
indicaram que os presos foram torturados antes de serem executados. Os
exames desmentiram os peritos legistas Isaac Abramovitc e Orlando
Brandão que, à época, atestaram que os militantes haviam morrido em
confronto. Segundo depoimento prestado pelo ex-agente de análise do Doi
Marival Chaves Dias do Canto, a ordem para a eliminação dos dois
militantes partiu do falecido coronel do Exército Carlos Alberto
Brilhante Ustra, ex-comandante daquela unidade militar.
Os
agentes da repressão conseguiram descobrir o ponto de encontro dos
militantes da ALN a partir de informações repassadas pelo, hoje, médico
aposentado Ferreira de Carvalho. Okama estava sendo seguido por Beatriz
após ter sido denunciado pelo ex-militante da ALN, que passou a cooperar
com a repressão. O papel do infiltrado na operação que resultou na
morte do trio foi confirmado em depoimento prestado por Marival. Os
policiais Ovídio Almeida e Beatriz Martins participaram da ação em que
Okama e Rocha foram presos, de acordo com o MPF.
A chegada e a
tortura de Rocha e Okama no Doi-Codi foram testemunhadas pelo preso
político Amílcar Baiardi, que prestava declarações no local, na ocasião.
Para o MPF, o infiltrado Ferreira de Carvalho se tornou corresponsável
pelas mortes, uma vez que sabia que, ao denunciar os ex-companheiros,
eles provavelmente seriam assassinados.
Sem prescrição
O
MPF ofereceu as denúncias a partir do entendimento de que os
assassinatos foram cometidos em um contexto de ataque sistemático contra
a população civil brasileira. Nesse sentido, a procuradoria argumenta
que o direito internacional prevê que crimes contra a humanidade não
estão sujeitos a legislações internas que preveem prescrição ou anistia.
Esse entendimento está referendado, segundo o MPF, pela ratificação
feita pelo Brasil, em 1998, da Convenção Americana de Direitos Humanos,
que submeteu o país à Corte Interamericana de Direitos Humanos.