Terça, 20 de setembro de 2016
Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.
A
Professora Ligia Costa Leite chamava de invencíveis as crianças e
adolescentes que sobreviviam nas ruas do Rio de Janeiro nas décadas de
80 e 90. Pensando no acolhimento delas criou a Escola Tia Ciata para
educa-los dentro de sua filosofia de inclusão pela educação com
liberdade. Os meninos cresceram, muitos sobreviveram e hoje constituíram
famílias, cujos filhos e netos por sua vez, como os Capitães de Areia
de Jorge Amado ocupam o seu lugar de exclusão nas grandes cidades.
Eles
já se acostumaram e procuram formas de integração, mas parte da
sociedade ainda os rejeitam com violência. Criam formas de repressão que
se modificam de acordo com a conveniência dos governantes e a pressão
dos moradores da cidade. Já criaram os choques de ordem, que facilmente
se corromperam, os espaços legais que logo entraram na ilegalidade. Mas o
grande instrumento atual dos capitães do mato da modernidade é o
tráfico de drogas.
O
sistema socioeducativo está superlotado de jovens que a Organização
Internacional do Trabalho chama de vítimas das piores formas de
exploração do trabalho infantil e o poder do estado repressor elegeu
para justificar o encarceramento de 70% dos adolescentes nas masmorras
do estado. Apesar da lei não autorizar a internação, eis que somente
quando “cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa” e o ato de
comércio que tipifica o tráfico não contém nenhuma coisa nem outra,
essa tem sido a medida preferida dos juízes para justificar o
encarceramento de jovens.
As
Olimpíadas se realizaram com absoluto sucesso em matéria de segurança
pública. Foi efetivamente uma grande festa dos esportes, instrumento
essencial no processo de inclusão social e para a educação. Mas os
jovens da periferia não foram chamados para essa festa e a eles foi
reservado mais que a “piscina cheia de ratos”, o proibicionismo de
compartilhar a cidade como é direito de todo cidadão. Permaneceram
restritos a seus guetos, onde a UPP é o único sinal da existência do
estado e onde não há espaços para o lazer, nem saneamento básico e
respeito a seu processo de desenvolvimento.
O
verão está chegando com muito calor nas comunidades e muitas atrações
próprias dessa estação do ano. Ao invés de atraí-los com eventos
inclusivos, a cidade já prepara barreiras étnicas e sociais representado
por policiais que os farão descer dos ônibus e os manterão sob severa
vigilância discriminatória e ao menor sinal correria própria da energia
da juventude será considerado “arrastão” a justificar toda forma de
violência dos capitães do mato contra os jovens negros e pobres das
periferias. Até quando?