Na minha
aldeia, bem no sertão da Bahia, área de caatinga, região sisaleira, antiga
terra habitada por índios tapuias, e colonizada por jesuítas, sempre pulularam
lendárias figuras da cultura indígena.
A Caipora
sempre teve papel de destaque na minha pequena Itiúba.
Quando menino
ouvia aqui e acolá, especialmente das bocas de moradores mais simples e mais
antigos, que a Caipora a todo momento fazia arte com as pessoas.
Com a Caipora
não se brinca.
Maria de
Benício, uma velha negra, neta de escravos e sábia como todas a simpáticas
velhas daquela cidade, sempre repetia-me os conselhos de cuidados redobrados quando
fosse andar pelas matas, mesmo que na pura e cinzenta caatinga.
Dizia e
repetia a cada vez que eu, ainda garotinho, passava em sua simples mas
aconchegante casa de taipa, as histórias “reais” para ela que falavam da
Caipora. Criança, passava pela casa da Maria de Benício (Benício era o marido
dela) para tomar um cafezinho donzelo, aquele que acaba de ser torrado e logo passado
no coador de pano. O mais delicioso café que tomei até hoje. Ela sempre fazia
questão de me avisar quando seria o dia e a hora do próximo café donzelo. E eu,
claro, não faltava.
Mas o que
interessa aqui, se é que interessa a alguém, é a história dessa personagem da
cultura indígena, a Caipora e o governador Rollemberg.
E Maria de
Benício enquanto torrava o café num tacho do mais legítimo barro do chão da
minha aldeia, ia falando com uma voz agradável e afável da sua sabedoria de
como se proteger das peças aprontadas pela Caipora que habitava as matas e
caatingas de Itiúba.
Dizia ela,
Nuno —este era o meu apelido, colocado por um irmão pequenininho, mas um ano
mais velho do que eu. Ou seria um ano menos novo do que eu?— você que é danado
e anda aí por esse mato de Meu Deus, tome muito cuidado com a Caipora.
—Ela é
danada. Prega cada uma com as pessoas! Faz com que fiquem ariados
[desorientadas, sem rumo, perdidas].
E aí vinha o
mais importante da conversa, como se livrar da Caipora ou como mesmo depois de
perdido, desorientado, sem rumo, se encontrar novamente. “Se desariar”, como
dizia a velha e linda velhinha ao puxar umas baforadas no seu cachimbo e mexer
no tacho de barro os grãos de café, para que não queimassem. Era necessário
torrar, mas queimar é outra coisa.
O que fazer
então se algum dia a Caipora fizesse eu me perder no mato? Antes de repetir o
manual de como eu deveria proceder, ela dizia que prevenir era melhor do que
tentar remediar. Prevenir para ela era levar no bolso uns pedaços de fumo de
rolo (só servia de rolo) e de quando em quando, em algum lajedo ou embaixo de
uma frondosa árvore colocar um pedaço. Pois Caipora era figura que adorava
fumar um fumo de rolo.
Maria de
Benício explicava as manhas para se escapar da Caipora e sorrindo, o mais lindo
sorriso, colocava uns três ou quatro pedaços de fumo de rolo em meus bolsos. E
eu, com a cara mais cínica, pedia a ela uns papeizinhos de fazer “bode” (na
minha aldeia, cigarro feito com fumo de rolo). Ela fazia uma cara de
reprovação, mas colocava uns três ‘bodinhos’ já preparados no meu bolso. E
alertava com cara e amor de mãe: “Esses você pode até pitar, apesar da
professora Lygia, sua mãe, brigar com você quando chegar em casa com cheiro de
‘bode’. Mas os outros você não pode fumar, são para livrar ‘meu filho’ da
Caipora, e não se perder aí pelo meio do mato. Ouça meus conselhos", arrematava
preocupada.
Eu, danado
como era, fumava os três ‘bodes’ e mais um pouco, este outro pouco fumo da Caipora enrolado em
palha seca de milho. Por via das dúvidas, aqui e acolá deixava um pedacinho de
fumo para aquela figura chamada de Caipora, com quem não se deve facilitar
Mas a
principal orientação dada a mim por Maria de Benício referente à caipora, era
para se algum dia ela, a Caipora, fizesse com que eu me perdesse, ficasse
desorientado no meio da mata, sem rumo, era que, mais rápido do que nunca,
tirasse toda a minha roupa, ficasse completamente nu e também o mais veloz
possível vestisse toda a roupa pelo avesso. Pronto! Já não me sentiria perdido,
voltaria a saber o rumo que tomar. Estaria novamente ‘desariado’.
Lembrando-me
da minha aldeia, da minha querida terrinha encravada na Serra de Itiúba, do
delicioso café donzelo e, principalmente dos conselhos de Maria de Benício de como voltar a me
orientar caso a Caipora um dia viesse a me ‘ariar’, termino aqui ousando dar um
conselho:
Rodrigo
Rollemberg, rápido!
Vista as roupas pelos avessos.
Se oriente,
rapaz!