Sábado, 8 de setembro de 2016
Por
As
eleições do último 2 de outubro realizaram-se como programadas e
apresentaram os resultados previstos, fora um ou outro traço mais forte,
uma demão de tinta mais carregada. Assim, a extensão da derrota geral
das candidaturas progressistas e de esquerda, e, de outra parte, a
vitória do candidato tucano já no primeiro turno das eleições
paulistanas. Mas isso ainda não foi tudo.
Eleitores fazem fila para votar no Recife: pleito despolitizado
Os
números somados do absenteísmo com os votos nulos e em branco – 25% do
eleitorado nacional – refletem as consequências de uma campanha
projetada para ser despolitizada e despolitizante, anti-partidos,
anti-política e anti-políticos, fragilizando ainda mais o que ainda nos
resta de democracia representativa.
Vitória
da direita, para a qual muito contribuiu a campanha sistemática dos
meios de comunicação de massas, sujeitos no processo, tanto quanto o
capital rentista (que financia todos os agentes), bem como o encontro da
reforma da legislação eleitoral com o vezo autoritário da Justiça
Eleitoral, para quem, desde as ordenações da ditadura, a participação
popular nas campanhas eleitorais é um entrave, um complicador, ou, para
usar expressão da moda, ‘um ponto fora da curva’.
Por
isso, a Justiça Eleitoral cuidou, feito mãe zelosa, da Lei Orgânica dos
Partidos, conjunto de normas autoritárias e cerceadoras da vida
política com a qual os militares controlavam o processo eleitoral. Por
isso ela continua, faina de décadas, atuando com se Legislativo fôsse,
sempre cerceando a manifestação politico-popular em benefício dos
situacionismos. Daí, a criminalização da politica seria um passo de
pernas curtas..
A
legislação que presidiu o pleito de 2016, obra de Eduardo Cunha, e a
administração do processo eleitoral, sob o comando de um TSE presidido
pelo inefável Gilmar Mendes, uniram-se no propósito bem alcançado de
reduzir ao mínimo o poder decisório do eleitor, induzido, com o concurso
solerte dos meios de comunicação de massa, a condenar a política,
apresentada como responsável por todos os males, e a afastar-se dos
candidatos de um modo geral, anatematizados como uma massa só de
corruptos.
Para
esse efeito o tempo de campanha foi reduzido, a participação de
partidos e candidatos no rádio e na televisão foi minimizada, os debates
reduzidos a um quase nada, premidos, sempre, por formatos
esterilizantes em altas horas da noite. Por fim, e não menos importante,
tivemos a multiplicação de siglas caça-níqueis promovida lá atrás pelo
STF, que contribuiu ainda mais para a pulverização da manifestação
eleitoral.
Enquanto
as ruas se esvaziavam, transformando em rotundo silêncio o que antes se
comemorava como ‘festa da democracia’, os meios de comunicação levavam
ao paroxismo a desmoralização da política de par com seu facciosismo
partidário.
No
final das contas, a velha mídia, na verdade o maior partido da
República, foi a grande vencedora dessas eleições, principalmente em
face de sua atuação antes do início da campanha eleitoral propriamente
dita.
O
fracasso eleitoral das organizações progressistas e de esquerda, e o
correspondente avanço das ações e do pensamento de direita, são o ponto
de partida de qualquer análise – e não basta dizer que o que hoje se
observa é, uma vez mais, a crônica de uma derrota anunciada. E muito
menos, devem as esquerdas culpar a direita pela derrota, pois esse é o
papel histórico do adversário de vida e morte que, aliás, jamais se
deixou iludir pela fantasia da conciliação de classes.
E,
de novo, isso ainda não é tudo, pois essa derrota (a um só tempo
eleitoral e política) deve ser vista no contexto da crise brasileira,
com seus ingredientes corriqueiros, o autoritarismo larvar, a hegemonia
do capital rentista, o monopólio ideológico dos meios de comunicação de
massa, a degeneração dos sistemas partidários e representativos. E, como
sempre, as dificuldades das esquerdas em compreender a imperatividade
das políticas de aliança.
Numa
leitura mesmo impressionista é preciso ver, no processo social,
transformações infraestruturais profundas – que na geologia lembram a
movimentação de placas tectônicas –, surpreendendo os sismólogos que não
souberam ler os primeiros deslocamentos políticos das grades massas.
Idealisticamente presa no tempo, pensou a esquerda governante que o
processo histórico conhecia o auto-congelamento e que, portanto, as
condições eleitorais favoráveis de 2002, 2006 e 2010 eram, ora
imutáveis, ora repetitíveis.
Advertências não faltaram.
Presa
a uma coalizão partidária que os fatos iriam condenar como suicida, não
soube essa esquerda entender as movimentações de rua de 2013; teimou em
não compreender o real significado das dificuldades da reeleição de
Dilma em 2014. A partir da guinada conservadora simbolizada pela
ascensão de Joaquim Levy ao comando da economia, a leitura do processo
social já dispensava prospecção para quem quisesse ver, e vendo não
recusasse a realidade.
O
que foi o ano de 2015, com nosso governo acuado política e
estrategicamente, em contínua sangria, prenunciava o que viria a ser o
discurso do pleito de 2016, realizado em plena recessão econômica,
travado em clima de denúncias de corrupção selecionadas, com foco
exclusivo e incansável e inesgotável no PT e em Luiz Inácio Lula da
Silva, por razões que não podem surpreender o observador minimamente
ligado ao tempo real da vida.
A direita sabe o que quer, e age em função de seus projetos.
É
preciso repetir à exaustão que o golpe não se consumou com a deposição
de Dilma Rousseff, e que muitas águas ainda rolarão. O impeachment foi
uma operação necessária, enquanto a posse de Michel Temer atende a uma
continência.
O
grande objetivo (de que a cassação de Dilma Rousseff e a posse do vice
são instrumentos), é a instalação do programa neoliberal, anti-nação e
anti-povo, delineado pela “Ponte para o Futuro” (na verdade, um projeto
de retomada do passado) que se transformou em plataforma do governo
ilegítimo. E este projeto está em curso com o silêncio dos liberais, a
conivência militante do Congresso e do Poder Judiciário, e os aplausos
da grande mídia. Para sua implementação a direita e os conservadores
daqui e de lá de fora podem até recorre à ditadura, como o fizeram em
1964.
Examinando
o processo histórico como se fosse ele uma tela de museu, nossos
estrategistas se esqueceram de que em 2006, quando se reelegeu, Lula
comandava uma economia que crescia 4% ao ano e que em 2010, quando
elegemos Dilma Rousseff, a alta do PIB chegara a 7,6%. Não nos demos
conta, em 2014, que o crescimento do PIB caíra para 0,1% e a taxa de
desemprego estava em 6,8%. E nos surpreendemos com a dificuldade de
reeleição de Dilma!
A política havia decidido, perigosamente, ignorar a economia.
E
nosso governo se instala anunciando um ajuste fiscal recessivo. Em 2015
o desemprego chegou a 8,3% e a retração econômica a 1,2%, com uma
inflação de 9,5%. E nos surpreendemos com as movimentações de rua!
Estavam dadas as condições objetivas para o golpismo, levado a cabo por
uma aliança reacionária mais ampla do que aquela que possibilitou o
golpe de Estado de 1964.
Em
2016, ainda responsabilizados pela recessão (contração de 3%) e taxa de
desemprego de 11,3%, fomos ao pleito desguarnecidos estrategicamente, o
que apenas serviu para aumentar nossas perdas, que se explicam por tudo
o que foi dito acima, mas se explicam também pela nossa dificuldade de,
superando distinções secundárias, operar a política de Frente. E esta é
uma das lições a estudar.
Que esse lamentável pleito sirva para isso, é o mínimo que podemos desejar.
Essa
Frente, a alternativa de nosso campo, para ter sentido, haverá de ser
ampla, e só será ampla se incorporar os diversos setores democráticos, o
capital produtivo e os setores progressistas e populares que compõem a
sociedade brasileira. Cuidando de evitar todas as formas de hegemonismo
(lamentavelmente tão presentes em nossa vida real!), caber-lhe-á
incorporar todos aqueles que se sentem identificados com a luta em
defesa da democracia, do desenvolvimento autônomo, do progresso social,
da defesa da soberana nacional, do combate a todas as formas de
desigualdade, a começar pelas desigualdades econômicas e sociais.
Essa
Frente Ampla deve constituir-se em torno de um Projeto Nacional que se
contraponha ao projeto neoliberal. Seu núcleo pode ser a Frente Brasil
Popular, que já agasalha os partidos do campo progressista, o movimento
sindical, movimentos sociais, intelectuais e estudantes. Construir a
Frente Ampla é, pois, hoje, o desafio de todos aqueles que estiverem
convictos da necessidade de resistir à onda conservadora e à temporada
de caça-direitos, em transição para o Estado autoritário.
Roberto Amaral
Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia