Quinta, 21 de setembro de 2017
Andreia Verdélio – da Agência Brasil
Cerca
de 11 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no Brasil. De
acordo com o primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado
hoje (21) pelo Ministério da Saúde, entre 2011 e 2016, 62.804 pessoas
tiraram suas próprias vidas no país, 79% delas são homens e 21% são
mulheres. A divulgação faz parte das ações do Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio.
A
taxa de mortalidade por suicídio entre os homens foi quatro vezes maior
que a das mulheres, entre 2011 e 2015. São 8,7 suicídios de homens e
2,4 de mulheres por 100 mil habitantes.
Para a diretora do
Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis e
Promoção da Saúde, Fátima Marinho, esse número é maior pois há uma perda
de diagnóstico dos casos de suicídio. Segundo ela, nas classes sociais
mais altas há um tabu sobre o tema, questões relacionadas a seguros de
vida e diagnósticos feitos por médicos da família. “As pessoas mais
pobres, em geral, captamos a morte porque ele vai pro IML [Instituto
Médico Legal]”, explicou.
Das 1,2 milhão de mortes, em 2015, 17%
tiveram causa externa. Dessas 40% são registradas por causas não
determinadas, segundo Fátima. “Ainda tem 6% de mortes que ainda não
conseguimos chegar na causa. São cerca de 10 mil mortes que foram por
causa externa, violenta, mas não sabe porquê. Por isso temos esse
subdiagnostico do suicídio”, disse.
No Brasil, os idosos, de 70
anos ou mais, apresentaram as maiores taxas, com 8,9 suicídios para cada
100 mil habitantes, mas, segundo Fátima, em números absolutos, a
população idosa vem aumentando. Além disso, eles sofrem mais com doenças
crônicas, depressão e abandono familiar. Ela explica que esse índice
alto de suicídio entre idosos é observado no mundo todo.
Os dados
apontam que 62% dos suicídios foram causados por enforcamento. Entre os
outros meios utilizados estão intoxicação e arma de fogo. Fátima conta
que nos Estados Unidos são registrados mais suicídios por armas de fogo
porque o acesso é mais facilitado.
A proporção de óbitos por
suicídio também foi maior entre as pessoas que não têm um relacionamento
conjugal, 60,4% são solteiras, viúvas ou divorciadas e 31,5% estão
casadas ou em união estável. “E os homens casados se suicidam menos. O
casamento é um fator de proteção para os homens e de risco para as
mulheres”, disse Fátima, explicando que existe uma associação das
tentativas de suicídio das mulheres com a violência intradomiciliar. Ela
compara que as mulheres tentam mais e, por outro lado, os homens
anunciam menos, mas são os que mais morrem por suicídio.
Entre
2011 e 2015, a taxa de mortalidade por suicídio no Brasil foi maior
entre a população indígena, sendo que 44,8% dos suicídios indígenas
ocorreram na faixa etária de 10 a 19 anos. A cada 100 mil habitantes são
registrados 15,2 mortes entre indígenas; 5,9 entre brancos; 4,7 entre
negros; e 2,4 morte entre os amarelos.
Para Fátima, o alto risco
de suicídio entre jovens indígenas compromete o futuro dessas
populações, já que elas também há um alto risco de mortalidade infantil.
Segundo
a secretaria especial de Saúde Indígena, Lívia Vitenti, existe um
número alto de indígenas em sofrimento por uso álcool, disputas
territoriais e conflitos com a família e com a população não indígena.
Entre os jovenes, então, há falta de perspectivas de vida. Entretanto, o
problema do suicídio indígenas não está distribuído por todo o
território, sendo mais frequente entre os Guarani Kaiowá, Carajás e
Ticunas.
Tentativas de suicídio
As
notificações de lesões autoprovocadas tornaram-se obrigatórias a partir
de 2011 e elas seguem aumentando. Entre 2011 e 2016, foram notificadas
176.226 lesões autoprovocadas; 27,4% delas, ou seja, 48.204, foram
tentativas de suicídio.
As tentativas de suicídios são mais
frequentes em mulheres. Das 48.204 pessoas que tentaram tirar a própria
vida entre 2011 e 2016, 69% era mulheres e 31% homens. A proporção de
tentativas de suicídio, de caráter repetitivo também é maior entre as
mulheres. Entre 2011 e 2016, daqueles que tentaram suicídio mais de uma
vez, 31,3% são mulheres e 26,4 são homens.
O meio mais utilizado
nas tentativas de suicídio foi por envenenamento, 58%. Seguido de objeto
pérfuro-cortante, 6,5%; enforcamento, 5,8%.
Fatores de risco e proteção
Entre
os fatores de risco para o suicídio estão transtornos mentais, como
depressão, alcoolismo, esquizofrenia; questões sociodemográficas, como
isolamento social; psicológicas, como perdas recentes; e condições
incapacitantes, como lesões desfigurantes, dor crônica e neoplasias
malignas. No entanto, o Ministério da Saúde ressalta que tais aspectos
não podem ser considerados de forma isolada e cada caso deve ser tratado
de forma individual.
Saiba Mais
Segundo
o Ministério da Saúde, a existência de um Centro de Atenção
Psicossocial (Caps) no município reduz em 14% o risco de suicídio. Na
análise feita, é o único fator de proteção ao suicídio. Fátima ressalta,
entretanto, que é preciso uma melhor distribuição desses centros,
principalmente nas áreas com mais concentração de suicídios. Existem
hoje no Brasil 2.463 Caps em funcionamento.
Como a ocorrência de
suicídio é grande entre os indígenas, ser indígena por si só já é um
fator de risco, explicou Fátima. Pessoas que trabalham na agropecuária,
que tem acesso a pesticidas, também são vulneráveis a cometerem suicídio
por intoxicação.
Os casos acontecem em quase todo país, mas
Região Sul concentrou 23% dos suicídios, entre 2010 e 2015. Segundo
Fátima, alto nível de renda, pouca desigualdade social e baixo índices
de pobreza são características de municípios que concentram mais
suicídios.
Ela explica, entretanto que, no caso da Região Sul,
existe a associação dos casos de suicídio com a agricultura,
especificamente a cultura da folha do tabaco. Segundo Fátima, a folha
verde do fumo pode causar uma intoxicação neurológica em quem mantém um
contato muito próximo, “o efeito dessa intoxicação é chamada bebedeira
da folha verde do fumo”.
Além disso, o pesticida usado nessa
cultura contém manganês, que é absorvido e depositado no sistema nervoso
central. Fátima ressalta, entretanto, que esta é uma associação e que
ainda não existe o nexo causal entre esse tipo de pesticida e os casos
de suicídio.
“Então temos o risco ocupacional e a pressão social e
econômica em cima de agricultores familiares. É uma exposição
conjunta”, disse a diretora. Ela explicou que as políticas de incentivo
para a diversificação das culturas no sul do país não tiveram um impacto
importante pois o tabaco ainda é muito lucrativo.
Além da Região
Sul e de áreas indígenas, esse levantamento trouxe novas áreas com
altas taxas de suicídio, que são a região da divisa de São Paulo e Minas
Gerais e o estado do Piauí. Segundo Fátima, esses locais ainda precisam
ser mais estudos, mas também há uma associação ao uso de pesticidas e a
agricultura.
Agenda global
Mais de 800
mil pessoas tiram a própria vida por ano no mundo. Por isso, em 2013, a
Organização Mundial da Saúde desenvolveu um plano de ações em saúde
mental que pretende reduzir em 10% da taxa de suicídio até 2020.
O
coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Quirino Cordeiro,
disse que o governo promovia ações na área de prevenção ao suicídio, mas
agora que está começando a fazer uma política focada no tema. Uma das
ações estratégicas é a construção do Plano Nacional de Prevenção ao
Suicídio, para ampliar as ações para as populações vulneráveis.
Segundo
ele, o Ministério da Saúde quer expandir a rede de CAPS, inclusive
entre a população indígena, além de outras estratégias de cuidados na
saúde mental. É importante ainda cruzar os mapas para identificar
possíveis associações de causas de suicídios, como a associação com
pesticidas. Outros órgãos e ministérios serão convidados para apoiar
futuras ações.
Quirino explica que as políticas de prevenção ao
suicídio devem focar em dois fatores, nos transtornos metais e nos meios
de suicídio. “Sabemos que entre os vários fatores para o suicídio
existe a presença do transtorno mental não tratado de maneira
apropriado, então ter políticas públicas focadas nesses transtornos é
importante”, disse.
Outra frente de ações é o controle de meios
para o suicídio, segundo Quirino, que tem um impacto importante na
redução dessas mortes. “Muitas vezes quem comete suicídio está passando
por problemas graves e acaba fazendo uma tentativa por desespero. Mas se
não tem à mão um método, muitas vezes aquele momento passa e a pessoa
não efetiva”, disse, explicando que o controle de armas é importante no
Brasil, por exemplo, pois onde se restringe o acesso a armas, se reduz
os casos de suicídio.
Acordo com o CVV
O
Ministério da Saúde, desde 2015, tem uma parceria com o Centro de
Valorização da Vida (CVV), que começou com um projeto-piloto no Rio
Grande do Sul. O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio,
atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e
precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias.
O
objetivo da parceria é ampliar gradualmente a gratuidade de ligações
para o CVV, mesmo que por celular, por meio do número 188. Além do Rio
Grande do Sul, a partir de 1º de outubro, pessoas de mais oito estados
poderão ligar gratuitamente para o serviço: Acre, Amapá, Mato Grosso do
Sul, Piauí, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rondônia e Roraima.
De
acordo com o Ministério da Saúde, 21% da população brasileira reside
nos nove estados a serem atendidos gratuitamente pelo CVV, o que garante
uma ampla cobertura. O acordo já ampliou o número de atendimentos, de
4,5 mil em setembro de 2015, para 58,8 mil em agosto de 2017. Até 2020
todo o território nacional poderá contar com o atendimento pelo 188.
No
restante dos estados, o CVV ainda atende pelo número 141 ou diretamente
no posto regional. Em cidades sem posto de atendimento do CVV, as
pessoas podem utilizar o atendimento por chat, skype e e-mail disponíveis na página do CVV.
O boletim epidemiológico sobre suicídio está disponível na página do Ministério da Saúde. A pasta também disponibiliza materiais de orientação para jornalistas, profissionais de saúde e população geral.