Domingo, 11 de abril de 2021
STF derrota manobra vergonhosa do presidente do Senado, que tentou proteger Bolsonaro. Comissão poderá convocar depoentes e quebrar sigilos. E mais: em torno do Orçamento, Centrão e Planalto preparam-se para briga de bandidos
por Maíra Mathias e Raquel Torres
Publicado no Outra Saúde em 09/04/2021
Por Maíra Mathias e Raquel Torres, no Outra Saúde | Imagem: Aroeira
CPI DA COVID
No dia em que o Brasil registrou 4.249 mortes, atingindo um novo recorde na pandemia, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou a instauração da CPI da Covid no Senado. A decisão atende ao pedido dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) que conseguiram coletar 31 assinaturas a favor da comissão –quatro a mais do que o necessário para sua abertura – mas, no meio do caminho, encontraram Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Então recém-eleito, com apoio do governo, o presidente do Senado resolveu segurar o início da investigação que mira exatamente as omissões e sabotagens de Jair Bolsonaro e sua equipe ao longo da crise sanitária. Ontem, o pedido completou 63 dias dormitando na sua gaveta.
Acontece que, como explicou Barroso, a CPI é um direito das minorias parlamentares garantido pela Constituição brasileira. Para ser instaurada, precisa de apoio de pelo menos um terço dos membros da casa legislativa; indicação de um fato determinado a ser apurado; e prazo certo de duração. Cumpridos os três requisitos, não cabe ao presidente da casa legislativa travar a CPI.
Mas foi exatamente este o caminho trilhado por Pacheco – que tentou se justificar dizendo que adotou um “juízo de conveniência e oportunidade” para não instalar a CPI. Para ele, o momento é “inapropriado” e a investigação pode representar “o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia”. Em documento enviado a Barroso, ele chegou a recorrer a filigranas burocráticos (disse que não havia a cópia deste documento e a certificação da assinatura daquele outro entre os papéis apresentados ao Supremo). Ontem, prometeu cumprir a decisão.
“Os requisitos da Constituição são claros, e foram preenchidos. O presidente Pacheco infelizmente se recusava a fazer a leitura e a instalação fazendo um juízo de valor que não cabe a ele fazer, dizer se é conveniente ou não”, disse Alessandro Vieira, um dos autores do pedido ao STF, ao Estadão.
Em nota, o líder da minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN), afirmou: “É lamentável que o Congresso dependa de uma decisão do Judiciário para garantir o direito da minoria. É urgente que se apurem as ações e omissões do governo no enfrentamento da pandemia.”
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AM) foi na mesma linha: “Esperamos com urgência o início dos trabalhos para apurar os responsáveis pelo genocídio em curso no Brasil e por este atoleiro sanitário. Temos pressa! Há vidas em risco!”
Jair Bolsonaro recebeu a notícia com cinismo e ameaças. O presidente, que dias antes havia ironizado a primeira vez que o país ultrapassou a marca das quatro mil mortes (“Agora eu sou genocida”) e acusado governadores de falta de humanidade por adotarem medidas de isolamento social, disse que “o Brasil está sofrendo demais e o que menos precisamos é de conflitos” à CNN Brasil.
Na mesma entrevista, ele afirmou que “seria bom se todo mundo jogasse dentro das quatro linhas” da Constituição e que a “população está cada vez mais se conscientizando”. Não por acaso, a expressão foi usada horas antes, em uma cerimônia do Exército em que foi mais explícito: “Nós atuamos dentro das quatro linhas da nossa Constituição. Devemos e sempre agiremos assim. Por outro lado, não podemos admitir quem porventura procura sair deste balizamento”. Na cerimônia, ele voltou a dizer “meu Exército”, mentiu que “ainda” integra a força, disse que o país vive uma “fase imprecisa” e que as Forças Armadas seguirão em “perfeita sintonia com os desejos da nossa população”.
A decisão de Luís Roberto Barroso tem precedente. Em 2005, o então ministro Celso de Mello determinou que o Senado instalasse a CPI dos Bingos.
Barroso liberou o processo da CPI da Covid para julgamento no plenário virtual do STF. A análise do caso começará na sexta-feira de semana que vem, e os ministros terão até a sexta seguinte para votar. Até lá, a decisão tomada ontem fica valendo.
A CPI tem o poder de convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilos telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar ao Ministério Público pedido de abertura de inquérito.
IGREJAS E TEMPLOS
Também ontem, o Supremo decidiu, por nove votos a dois, manter os decretos estaduais e municipais que proibiram temporariamente cultos e missas com o objetivo de evitar a disseminação do coronavírus e um maior colapso do sistema de saúde.
Dias Toffoli surpreendeu, e votou junto com Kassio Nunes Marques sem apresentar nenhum argumento próprio.
Os demais ministros votaram com o relator do caso, Gilmar Mendes, e foram duros – já que ao decidir monocraticamente pela abertura de igrejas e templos em todo o país na véspera da Páscoa, Nunes Marques desrespeitou a jurisprudência da Corte, que já tinha resolvido que governadores e prefeitos podem adotar medidas restritivas no contexto da crise sanitária e que a associação de juristas evangélicos que apresentou a ação não está na lista das entidades com prerrogativa para fazê-lo.
Bolsonaro, é claro,criticou a decisão do plenário afirmando que diante das dificuldades da pandemia muitas pessoas têm procurado espaços religiosos em busca de apoio.
ESCOLHA DE SOFIA
Vetar as emendas parlamentares que ocuparam o espaço deixado pelas despesas obrigatórias no orçamento de 2021, ou atender a pressão da Câmara e do Senado? Ao que parece, Jair Bolsonaro vai escolher a primeira opção.
Ontem de tarde, ele se reuniu com ministros e auxiliares para avaliar as alternativas. À noite, chamou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para uma reunião, na qual levou a tiracolo o subchefe de assuntos jurídicos da Presidência, Pedro Cesar Souza.
O governo tenta convencer o Centrão de que não dá para sancionar o orçamento como está – R$ 26 bilhões em despesas obrigatórias foram canceladas a favor de emendas parlamentares – porque isso deixaria Bolsonaro vulnerável ao processo de impeachment por crime de responsabilidade. No jantar com empresários na quarta-feira, o presidente teria dito que não pretende ‘colocar o seu na reta’ pelas emendas.
Mas, segundo o Estadão, as presidências da Câmara e do Senado se uniram contra o veto. “Nos bastidores, parlamentares reagem contra a possibilidade de Bolsonaro vetar todos os recursos com a digital do relator do orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), um total de R$ 29 bilhões. Dentro desse valor, R$ 17 bilhões foram indicados conforme a escolha de deputados e senadores e R$ 12 bilhões entraram para atender pedidos de ministros do governo”, diz o jornal.
Por sua vez Lira, o maior prejudicado pelo veto por ter prometido as emendas ainda durante sua campanha à presidência da Câmara, tem na sua gaveta 101 pedidos de impeachment.
Na área técnica da Economia, a avaliação é que se não todas, pelo menos a maior parte das emendas de relator precisam ser canceladas para que a despesa obrigatória seja recomposta. Já se teria chegado a um acordo de R$ 13,5 bilhões, mas isso não é suficiente, de acordo com a equipe de Paulo Guedes.
Para complicar, ontem a presidente do TCU, Ana Arraes, mudou o relator das contas do governo referentes a 2021. Sai o ministro Bruno Dantas, entra Aroldo Cedraz, que já é responsável pela fiscalização do Ministério da Economia. Uma reprovação das contas também pode levar a impeachment.
Bolsonaro tem até dia 22 de abril para decidir.
LEVE MELHORA
O último boletim do Infogripe, da Fiocruz é razoavelmente animador. Como se sabe, a iniciativa monitora os níveis de alerta para os casos reportados de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e tem servido muito bem para acompanhar a pandemia no Brasil, a partir das hospitalizações, porque quase todos os casos de SRAG são hoje causados pelo novo coronavírus. Os autores mostram que, na semana de 28 de março a 3 de abril, houve no Brasil como um todo sinal de queda na tendência de longo prazo. Os únicos estados com sinal de crescimento são Rio de Janeiro e Maranhão. No Sul, todas as macrorregiões de saúde apresentam sinal de queda.
Há chances de que, em alguma medida, os dados estejam ofuscados por conta dos sistemas de saúde em colapso: se há superlotação nos hospitais, a queda das internações pode acontecer simplesmente porque eles não conseguem mais dar conta de atender a novos pacientes. Mas em vários estados os números positivos começam a aparecer pouco depois de decretadas medidas mais restritivas de mobilidade, o que reforça o que já sabíamos: elas funcionam.
O boletim não indica, no entanto, que está tudo bem. Ao contrário, o número de hospitalizações por covid-19 em todas as regiões continua muito alto e, mesmo com a diminuição, em geral ainda estão acima dos picos de novembro, como nota Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe. Em São Paulo as hospitalizações estão caindo indubitavelmente, mas ainda assim 88% das vagas de UTI estão cheias. E continua havendo outros problemas relacionados a isso: quase 40% dos serviços municipais do estado estão com estoque zerado de bloqueadores musculares e sedativos, usados na intubação.
PARA NÃO MORRER NA PRAIA
Obviamente, ainda não é hora de relaxar. “Precisamos de no mínimo duas semanas de queda nos novos casos para começar a liberar leitos. Para UTI esse tempo é maior ainda. Isso é consequência da evolução natural da doença”, sublinha Gomes.
Ou seja: fazer como o Rio de Janeiro, que já deve reabrir hoje seus bares, restaurantes e cinemas, é correr o risco de jogar pelo ralo os últimos esforços, que ainda nem chegaram a ter grandes impactos. O estado é justamente um daqueles que ainda apresenta tendência de crescimento, segundo o Infogripe. A fila de espera por leitos de UTI acabou de ter a primeira queda após três dias de alta. Mas ainda há mais de 600 pacientes aguardando vaga… No Distrito Federal, onde a ocupação está em 100%, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou o fim do lockdown. A Justiça determinou ontem a retomada das restrições, mas o governo vai recorrer.
Ir à Justiça, aliás, foi a decisão do Conselho Nacional de Saúde e das entidades que integram a Frente pela Vida. Em conjunto, eles entraram com um pedido no STF para que seja implementado um lockdown nacional de 21 dias, com auxílio emergencial de R$ 600.
Mesmo se as restrições forem mantidas onde elas já existem, o número de mortes vai demorar para baixar. Ontem, pela segunda vez, houve mais de quatro mil registros em 24 horas: 4.190, segundo os veículos de imprensa. A média móvel ficou em 2.818, e está acima de dois mil óbitos desde o dia 17 de março.
CENSO VAZIO
Ainda sob a batuta de Luiz Henrique Mandetta, há exatamente um ano o Ministério da Saúde criou o ‘Censo Hospitalar’ – todos os estabelecimentos de saúde do país são obrigados a preencher diariamente um sistema com informações sobre a ocupação de leitos, tanto aqueles reservados para pacientes com covid-19, como os demais. A ideia era ter uma fonte de informação mais atualizada do que o CNES (o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), que servisse para a União definir sua estratégia de apoio em relação a estados e municípios. Mas uma investigação do Open Knowledge Brasil mostra que o Censo, afinal, não tem serventia: 68% dos dados computados no sistema têm problemas.
Entre as falhas, foram identificadas inconsistências no preenchimento de leitos e desatualização. Quase 90% dos estabelecimentos com UTI do país apresentam taxas de ocupação exorbitantes, acima de 120%. Em alguns estados, a taxa geral ficou acima de 200% ou até 300%. Em cenários de colapso, como o que vivemos, é possível verificar realmente ocupações acima de 100%, mas, segundo o estudo, uma prevalência grande de taxas tão altas assim é indicativo de problemas de registro. Além disso, 31% dos hospitais não atualizam seus dados há pelo menos duas semanas, e 24% não fazem isso há mais de 90 dias. “Se esses forem os únicos dados disponíveis, podemos considerar que o país está se planejando no escuro”, resume Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da OKBR.
ADIAMENTO
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) decidiu não agendar por agora a votação do projeto que cria o camarote da vacina. Líderes da Casa discutiram a proposta ontem e, diante das divergências, Pacheco só deve retomar os debates na semana que vem. Na próxima reunião, os líderes vão definir se colocam ou não o projeto em votação – mas parece pouco provável que ele não venha a ser apreciado.
Apesar de as grandes farmacêuticas já terem afirmado reiteradamente que só negociam com governos, o bilionário Carlos Wizard continua confiante. Ao Valor, ele disse que já começou a negociar a compra de pelo menos 10 milhões de doses com laboratórios da Ásia, Europa e Estados Unidos. Quais seriam eles? Não disse. Se confirmado, o aval para a compra de vacinas não aprovadas pela Anvisa pode abrir portas para imunizantes que ponham em risco a segurança da população.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou ontem que um novo lote do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) foi liberado para exportação pela China. A remessa contendo a matéria-prima necessária para a produção da CoronaVac deve chegar ao Brasil até o próximo dia 20.
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