Terça, 29 de outubro de 2013
por Ivan Pinheiro [*]
Unidad y Lucha: Camarada Ivan, há uns meses o Brasil viveu fortes
mobilizações populares iniciadas por causa do preço das
passagens de ônibus. Você pode comentar que análise faz o
PCB desses movimentos?
Ivan Pinheiro: A manifestações no Brasil não terminaram,
apenas se encontram em fogo baixo. O reajuste das tarifas de ônibus
só destampou uma panela de pressão social que misturava
inúmeras insatisfações, derramando todas as
angústias e demandas do povo brasileiro, sobretudo da grande maioria da
juventude das camadas populares, sem perspectiva de futuro digno. Esta
explosão desmontou uma mentira oficial dos governos reformistas do PT, a
de que todos os brasileiros viviam felizes e em harmonia, em um capitalismo
"de rosto humano" que favorecia a todas as classes sociais, e no qual
todos ganhavam. Inventaram dois conceitos estranhos: "capitalismo de
massas" e "sociedade de classe média".
Para se ter uma dimensão do tamanho desta manipulação,
basta ver que apesar do crescimento do PIB, a desigualdade social segue
aumentando. Os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. Segundo
dados do Banco Mundial, apesar do Brasil ser a 6ª economia do mundo,
está no posto 85º no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Na América Latina, ocupa o último posto na média de anos
de escolarização e o primeiro na evasão escolar no
nível básico (PNUD/ONU).
Esse discurso era funcional dentro do país, para manter a passividade
dos trabalhadores, e no exterior, para captar investimentos estrangeiros e
alavancar a posição do capitalismo brasileiro no sistema
imperialista.
A opção dos governos do PT a favor da governabilidade
institucional burguesa e de enfrentar a crise do capitalismo com mais
capitalismo está entre as principais causas da explosão social.
Ao tomar posse do cargo, em 2003, Lula tinha de todas as
condições para convocar uma assembleia constituinte soberana,
como fizeram Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, a fim de promover
as mudanças prometidas na campanha eleitoral, com governabilidade
popular. Pelo contrário, nomeou o ex-presidente do Banco de Boston para
dirigir o Banco Central e manteve intacta a política econômica do
governo neoliberal e entreguista de Fernando Henrique Cardoso, aprofundando o
abandono e a privatização da saúde, da
educação e dos serviços públicos em geral.
Atualmente, o governo se dedica à privatização, em grande
escala, de rodovias, ferrovias, portos, hidroelétricas, aeroportos e
até estádios de futebol.
Dando continuidade às políticas neoliberais, o PT promove a
entrega de nossas reservas de petróleo e privilegia o
agronegócio, o sistema financeiro e os grandes monopólios. Neste
momento, o governo promove um leilão, aberto às multinacionais,
do chamado "Campo de Libra", uma área onde estão as
maiores reservas de petróleo da camada pré-sal, em uma quantidade
superior a todas as reservas brasileiras, desde a fundação da
Petrobrás há 60 anos.
Enquanto isenta de impostos o capital, seguem com a precarização
do trabalho (com mais e piores empregos) e com a chamada
"flexibilização" dos direitos trabalhistas, obviamente
para baixo e reduzindo os salários.
Se amplia a política de "superávit primário",
um mecanismo que reduz gastos sociais, para poder pagar aos rentistas uma
dívida pública que nunca foi auditada. As cifras do
orçamento nacional para 2014 são impressionantes: 42,42% para o
pagamento aos rentistas; 3,91% para a saúde, 3,44% para a
educação! A isso chamam "responsabilidade fiscal".
Eis o que engrossa o caldo dos protestos: abandono dos serviços
públicos, privatizações, generalização da
corrupção, desemprego e falta de perspectiva para a juventude.
Uma das consequências deste quadro é o descrédito da
política y dos partidos políticos, em função das
alianças e acordos espúrios, em um governo de coalizão com
as forças conservadoras, capitaneado por um partido que subiu ao governo
prometendo transformações sociais, mas que só se
transformou a si mesmo. A burguesia estimula este descrédito, para
generalizar o desgaste e separar os trabalhadores da política e dos
partidos anti-sistêmicos.
Há sinais de esgotamento do ciclo do PT como partido popular,
classista, de massas. Isto não significa seu fim, mas a
consolidação de um processo de transformação em um
partido da ordem, protagonista do bipartidarismo em que a disputa se dá,
fundamentalmente, sobre a forma de administração do capitalismo.
O fato de que o PT se chama "Partido dos Trabalhadores" contribui
para confundir as massas e a atrasar sua experiência.
O povo espanhol conhece como ninguém outra transformação
desta, pois quem implantou o neoliberalismo neste país foi um partido
que até hoje se apresenta como "socialista e obrero"!
Esta explosão popular no Brasil pode voltar com una amplitude e uma
combatividade ainda maiores em 2014, com a Copa do Mundo de futebol, um mega
evento cada vez mais lucrativo para o capital e excludente para os
trabalhadores. Será um momento em que as desigualdades sociais se
tornarão mais evidente, quando o povo compreenderá que perdeu
até o direito a seu mais tradicional e cultural direito ao ócio:
a alegria de ir aos estádios de futebol, agora privatizados e privativos
das classes mais opulentas, devido aos elevados preços dos ingressos.
Observe que a emergência do Brasil como potência capitalista trouxe
para cá também as Olimpíadas de 2016.
Estes megaeventos e o "descontrole" do capitalismo que o PT chama
"neo-desenvolvimentismo" estão destruindo inclusive os
direitos à vida e à moradia. Como o capitalismo não pede
permissão, vai criminalizando a pobreza, varrendo bairros populares,
comunidades indígenas, marginais, e afrodescendentes. Enquanto isso, o
Estado brasileiro caminha em direção ao fascismo, militarizando
cada vez mais a polícia, reprimindo e criminalizando os movimentos
populares, enquanto os meios de comunicação burgueses reinam
soberanos, forjando as versões e manipulações que lhes
interessam, já que os governos do PT não só não
tocaram nem um dedo no monopólio das comunicações, mas que
o financiam com a publicidade oficial.
Nesta escalada repressiva, tramita no Congresso Nacional, com o silêncio
cúmplice do governo, uma lei "antiterrorista"
intencionadamente ampla e evasiva, para servir à
criminalização das lutas populares e das
organizações revolucionárias e tratar de evitar grandes
manifestações durante os megaeventos esportivos programados.
Unidad y Lucha: Há quem afirme que o governo de Dilma Rousseff e do PT
é favorável aos trabalhadores. Qual é a postura
do PCB a respeito?
Ivan Pinheiro: Como tentei demonstrar na pergunta anterior, os governos
"petistas" estão, fundamentalmente, a serviço do
capital. Não há governo neutro; não há terceira
via.
O governo Dilma parece mais neoliberal que o de Lula, somente porque agora a
crise do capitalismo solapa também na direção dos chamados
países emergentes, que se haviam beneficiado dela na primeira
década deste século. Para atrasar a chegada da crise ao
país, Dilma faz cada vez mais concessões ao capital. Seu governo
está sendo orientado pelos meios burgueses, por aliados conservadores e
pelas metas estabelecidas pelas agências internacionais do capital. No
entanto, seu governo é de continuidade, não de ruptura com o de
Lula.
No imaginário de parte da esquerda latino-americana, os governos
"petistas" ainda parecem progressistas; alguns chegam a
idealizá-los como anti-imperialistas. Isso, no entanto, tem e ver com o
passado combativo do PT e de Lula, sua principal referência.
Superar esta ilusão, este obstáculo, é de fundamental
importância para que avancemos na construção de uma unidade
de ação continental revolucionária, anticapitalista e
anti-imperialista. O PT é hoje um partido sistêmico. Domesticou e
cooptou as principais entidades de massas, como a CUT (Central Única dos
Trabalhadores) e a UNE (União Nacional dos Estudantes). Seu aliado
principal é um partido de centro-direita (PMDB), que tem em suas
mãos a chave do poder legislativo brasileiro, presidindo, ao mesmo
tempo, a Câmara de Deputados e do Senado, além de ocupar a
Vice-presidência da República e ministérios
estratégicos.
No Brasil, nunca os banqueiros, as empreiteiras, o agronegócio e os
monopólios haviam tido tanto lucro. A política econômica e
a política externa do Estado burguês brasileiro estão ao
serviço do projeto que busca fazer do Brasil uma grande potência
capitalista, nos marcos do sistema imperialista. Seu fetiche é um posto
permanente no Conselho de Segurança da ONU, que confere o status de
potência. As chamadas multinacionais de origem brasileira, alavancadas
por financiamento público, já dominam mercados em muitos
países, especialmente na América Latina, um grande canteiro de
obras para as empreiteiras preferidas do governo, principais fontes de
financiamento privado do PT. Petrobras, apresentada como estatal, é uma
multinacional como outra qualquer, com mais de 60% de suas ações
em mãos particulares, vendidas na Bolsa de Nova York.
Hoje, o governo brasileiro é o organizador da transferência da
maior parte da renda e da riqueza produzida pelo país para a burguesia,
por meio do superávit primário, da política de elevadas
taxas de juros e do sistema tributário altamente regressivo. O consumo
é estimulado com isenções tributárias às
empresas, com crédito fácil e caro, mas não com aumentos
salariais. O resultado é que as famílias brasileiras têm um
dos índices de endividamento mais altos do mundo, que compromete, em
media, 46% de suas rendas.
Unidad y Lucha: No seu país existem diferentes
organizações que se reivindicam do campo comunista. Que tipo de
relações mantém com elas?
Ivan Pinheiro: A maioria destas organizações imagina o
imperialismo como o inimigo externo, o que os leva a defender o que uns chamam
"projeto popular e democrático", outros "nacional
desenvolvimentismo" ou "libertação nacional".
Prevalece neste campo político o discurso contra o imperialismo
norte-americano – como se houvesse outro imperialismo bom, com o qual
poderíamos nos aliar – e contra o neoliberalismo, que veem como um
capitalismo "selvagem", desumano.
Na visão do PCB, não há contradições
antagônicas entre o núcleo hegemônico da burguesia
brasileira e o imperialismo, que não é um "inimigo
externo" que deve ser combatido por uma frente de
conciliação de classe entre o proletariado e a burguesia
"nacional", como dizem os reformistas. É um inimigo interno,
já que o Brasil é parte do sistema imperialista, apesar de suas
contradições e de ser, todavia, um ator secundário, ainda
em ascensão.
O PCB, estudando o capitalismo brasileiro de um rigoroso ponto de vista
marxista, chegou à conclusão de que este está plenamente
desenvolvido, de que dispõe de todas as instituições e
condições necessárias para seu florescimento. Com esta
análise, chegamos à compreensão lógica de que a
contradição fundamental da sociedade brasileira se dá
entre o capital e o trabalho, o que nos leva a concluir que o caráter da
revolução brasileira é socialista. Isto não
significa que digamos, como insinuam nossos detratores, que em nosso
país, o socialismo está ali na esquina, porque nos faltam (e
muito) as condições subjetivas, entre outros fatores em
função da hegemonia reformista e oportunista no campo que se
define genericamente como esquerda.
Obviamente, temos divergências na política de alianças. As
estratégias reformistas implicam aliar-se com a burguesia, privilegiar a
luta no campo institucional. Transmitem aos trabalhadores a ilusão de
que é possível humanizar o capitalismo e caminhar até o
socialismo pela democracia burguesa, por meio de avanços seguros e
graduais. Ainda que as estratégias socialistas levem a alianças
no campo das forças políticas e sociais anti-capitalistas e
anti-imperialistas, privilegiando as lutas de massas, antagônicas com o
capital, sem descartar nenhuma forma de luta.
Com algumas destas organizações reformistas temos unidade pontual
na solidariedade internacional, exceto na luta contra as ações de
caráter imperialista do Brasil, e que podem não ser do agrado do
governo, como é o caso da ocupação do Haiti, o intenso
comércio de armas que o Brasil mantém com a Colômbia e
Israel, o acordo militar com os Estados Unidos estabelecido durante o governo
Lula, denunciado em 2010 pelo PCB, e a solidariedade com a insurgência
colombiana, em relação à qual os reformistas querem manter
distâncias para não comprometer sua imagem de
"democratas", de "esquerda moderna". Consideram que a
persistência da guerrilha dificulta a integração
latino-americana e a estabilidade dos governos que consideram progressistas.
Querem uma "paz" em curto prazo, a qualquer preço, ainda que
seja a dos cemitérios.
Más também há no Brasil organizações
comunistas com as que temos afinidade estratégica e, portanto,
também na oposição aos governos "petistas".
Ainda assim, por uma série de razões, todavia são
débeis os laços que nos unem. Existem finalmente, partidos e
tendências com referências socialistas, democráticas
radicais e libertarias, em parte com vocação reformista, mas com
os quais temos unidade, sobretudo nos temas nacionais, na
oposição à transformação do PT, incluindo
entre eles uma diversidade de organizações com referências
trotskistas que, ao menos no caso brasileiro, não podem ser analisadas
como um conjunto homogêneo. Nossas principais diferenças com
algumas destas organizações se dão fundamentalmente no
campo da solidariedade internacional, o qual não é uma
questão irrelevante para um partido marxista-leninista, como é o
caso do PCB, que se reivindica e tem um comportamento profundamente
internacionalista. Há organizações que jogam objetivamente
o jogo do imperialismo em todos os temas internacionais, chegando até o
ponto de apoiar o que chamam de "rebeldes" na Síria, de
caracterizar a Revolução Cubana como una "ditadura
capitalista" e considerar que Chávez (Maduro, hoje) e Evo Morales
não têm nenhuma diferença em relação a seus
opositores oligárquicos a serviço do imperialismo.
Com o surgimento das manifestações de rua e como
consequência do aumento da repressão policial (no Brasil existem
em todos os Estados uma Policia Militar, com Batalhão de Choque, como
herança da ditadura), surgem combativos grupos anarquistas, de corte
anti-capitalista, mas que subestimam a centralidade do trabalho e da
organização da classe. Adotam uma linha de insurgência
popular, foquista e horizontal. O PCB, que defende a
radicalização da luta de classes e o direito à
insurreição dos povos, compreende a violência com que atuam
estes jovens militantes, muitos deles, moradores de comunidades pobres, movidos
por um justo ódio a uma polícia que assassina a cada dia seus
amigos e parentes. Em que pese estar em desacordo com seu método,
não nos associamos à campanha de satanização da
qual têm sido vítimas, inclusive por parte de correntes populares.
Dentro deste quadro complexo, o PCB se move buscando a unidade pontual, em cada
caso concreto, sem manter nenhuma relação exclusiva com nenhuma
organização política deste amplio e diversificado campo do
que, à falta de outro nome, podemos chamar "esquerda".
Unidad y Lucha: Como analisa os diferentes processos de
integração que estão surgindo na América Latina,
como MERCOSUL, ALBA, CELAC e UNASUL?
Ivan Pinheiro: Apesar de todas as limitações, determinadas pelo
fato de que, inclusive nos países nos quais mais se aprofundou os
processos de mudança (Venezuela, Bolívia e Equador), segue
vigente o sistema capitalista, o PCB nutre uma simpatia moderada com
experiências como a ALBA, uma tentativa de contraponto à
integração sob a hegemonia imperialista, que seria implantada se
o projeto da ALCA não houvesse sido derrotado pelos povos
latino-americanos.
A ALBA luta para ser uma integração soberana e solidária,
não só entre os governos e os mercados, mas também entre
os povos de "Nuestra América". Mas a reticência do
governo brasileiro, o desaparecimento físico do Comandante Chávez
e a ofensiva do imperialismo em nosso continente dificultam seu fortalecimento.
Para entender melhor o capitalismo brasileiro, o Brasil esteve contra a ALCA,
mas boicota a ALBA, buscando um espaço próprio para seu
desenvolvimento, num processo de competição não conflitiva
com as diversas potências, valendo-se para isto da contrapartida por
conter os processos de mudança na região.
Assim, o Brasil, além de boicotar a ALBA, impediu o auge de
várias instituições que a teriam fortalecido e ampliado,
como o Banco do Sul e o Sucre, um projeto de moeda comum latino-americana,
iniciativas de Hugo Chávez que não passaram do papel, dada a
oposição brasileira.
Na realidade, a estratégia brasileira é ampliar e
continentalizar o MERCOSUL, isolando e enfraquecendo a ALBA. O MERCOSUL, como
sabemos, é um projeto de integração capitalista, liderado
pelo Brasil e também pela Argentina, a qual Venezuela e outros
países sul-americanos vêm aderindo, em função de
suas necessidades de mercado. Como o chamado Pacto do Pacífico
(México, Colômbia, Chile e Peru) é um contraponto, mais
à ALBA que ao MERCOSUL, nada impede que este e aquele se integrem a
médio prazo.
Finalmente a CELAC e a UNASUL, ainda que tenham a virtude de não incluir
os Estados Unidos e, no caso da primeira, incluir Cuba, são
organizações inter-estatais heterogêneas, que abarcam desde
os países que já mantêm TLCs (Tratados de Livre
Comércio) com os Estados Unidos até aqueles que têm uma
postura anti-imperialista. Têm sido importantes para a
adoção de alguns acordos e a solução de alguns
conflitos, mas incapazes de evitar golpes do imperialismo e das oligarquias,
como nos casos de Honduras e Paraguai, o crescimento das bases militares
ianques na região, além de fingir que estão cegos ante o
importante diálogo político para a solução do
conflito colombiano em Havana. Em ambas, a hegemonia é amplamente
capitalista.
Na América Latina necessitamos uma articulação de
forças revolucionárias, anti-capitalistas e anti-imperialistas,
para fazer frente à hegemonia do Foro de São Paulo, que se
transformou em correia de transmissão do capitalismo brasileiro para
ocupar mais espaços na região.
Com a intenção de afirmar o Foro como braço regional do
neodesenvolvimentismo sob a hegemonia brasileira, o PT – em aliança
com outros partidos reformistas e com aqueles que priorizam razões de
Estado – passa a privilegiar os processos eleitorais em detrimento das
lutas de massas, buscando em cada país contribuir política e
materialmente à eleição de governos aliados com esta
articulação. Isto significou a perda do caráter do Foro de
São Paulo, que havia nascido como uma articulação
anti-imperialista.
Unidad y Lucha: O PCB realizará seu 15º Congresso em abril de
2014. Que objetivos tem o Partido em relação a este Congresso?
Ivan Pinheiro: Partindo do pressuposto de que a estratégia socialista
da revolução brasileira e a análise da crise mundial do
capitalismo, elaboradas pelo XIV Congresso do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), são consensuais nas fileiras do PCB, o Comitê Central do
PCB decidiu concentrar o debate do XV Congresso Nacional sobre questões
internas. Na questão orgânica destacaremos o balanço e
perspectivas do processo que chamamos Reconstrução
Revolucionária. No que se refere à linha política,
terão centralidade as questões da via e das
mediações táticas da estratégia socialista.
O XV Congresso Nacional se dará em um momento especial para o Partido,
que experimenta uma grande renovação e um crescimento com
qualidade, ainda modesto, a partir do XIV Congresso, quando o PCPE nos honrou
com sua presencia. Atualmente, a maioria dos militantes do Partido participou
pela primeira vez em um Congresso do PCB. Diminuiu a média de idade da
militância e cresce o nível político e ideológico.
Com esta pauta mais orientada para questões internas, e diante da
necessidade de usar o melhor de nossas energias para o compromisso da
militância no processo de preparação do congresso, tomamos
a difícil decisão de não convidar desta vez o conjunto dos
partidos comunistas de outros países, o que não significa que
não receberemos com afeto os camaradas dos partidos mais identificados
com o PCB que queiram presenciar este debate, trocar experiências,
opiniões, oferecer à nossa militância seus pontos de vista
e estreitar os laços de amizade e unidade dos partidos comunistas que
combatem contra o reformismo.
Unidad y Lucha: Em novembro deste ano se realizará em Lisboa o Encontro
Internacional de Partidos Comunistas e Operários. Como vê o estado
de saúde do Movimento Comunista Internacional e, especificamente, na
América?
Ivan Pinheiro: Seguimos carentes de um novo e vigoroso movimento comunista
internacional, lamento ter que incluir aqui o adjetivo revolucionário,
pois cada vez as palavras perdem mais seu sentido. Desgraçadamente,
há partidos que se dizem comunistas, inclusive no Brasil, que na
realidade são linha auxiliar do capital. Não mudam de nome porque
lhes é funcional a fim de serem aceitos e estimulados pela burguesia, em
função dos favores que prestam iludindo os trabalhadores com a
possibilidade de humanizar o capitalismo.
Mas não defendemos uma internacional verticalizada e burocratizada, que
pretenda dirigir os partidos membros com manuais de orientações
padronizadas, como se os países fossem homogêneos e as
revoluções um produto de exportação. Pensamos em
una articulação comunista internacional baseada na unidade de
ação, com uma coordenação que facilite o
intercambio de informações, as relações bilaterais
e regionais, contribua para o debate e a formação política
e ideológica, ao protagonismo e a unidade de ação do
proletariado a nível mundial e a solidariedade dos povos em luta. O
ocaso do culto à personalidade e a não existência de um
"partido guia" são fatores favoráveis a este projeto.
Esta articulação deve ser levada ao âmbito regional. Temos
visto com bons olhos um recente encontro em Bruxelas, que reuniu trinta
partidos comunistas (revolucionários) de vários países da
Europa, incluindo o PCPE, que criou uma alternativa ao reformismo do Partido da
Esquerda Europeia (PEE) que, por certo, se articula com o Foro de São
Paulo na perspectiva de uma internacional social-liberal.
A luta contra o reformismo e o oportunismo é a principal batalha dos
revolucionários na atualidade.
Unidad y Lucha: Há algo mais que gostaria de dizer aos nossos leitores?
Ivan Pinheiro: Algo mais sobre a América Latina, região que se
destaca hoje no tabuleiro da correlação de forças mundial.
Mais além da necessidade de reforçar nossa solidariedade
até a Revolução Cubana, os processos da Bolívia e
Equador e a resistência dos povos, a ação dos
internacionalistas deve concentrar-se hoje na luta de classes que se desenvolve
na Colômbia e Venezuela. O futuro da América Latina está
sendo jogado nestes dos países de povos irmãos, com
repercussões mundiais.
Na Venezuela segue a ofensiva da direita, valendo-se da ausência
física do Comandante Hugo Chávez, de resultado modesto na
vitória legítima de Nicolás Maduro e, principalmente, das
limitações da chamada revolução bolivariana. Uma
revolução que não avança, que não consegue
destruir estruturas do estado burguês, expropriar as oligarquias e
construir o poder popular, corre o perigo de ser derrotada. Ante o impasse
político, se aproxima o momento do ajuste de contas. Aí
não há possibilidade de conciliação, de pactos de
elites.
A derrota do povo venezuelano pela oligarquia e o imperialismo impactaria
negativamente na Mesa de Diálogos de Havana. Do mesmo modo, a
frustração destes diálogos, além de fragilizar e
ameaçar o potente e unitário movimento de massas colombiano,
também influiria negativamente na Venezuela.
É necessário reforçar nossa solidariedade com o
Presidente Maduro e com o proletariado venezuelano, ator principal para
garantir o desbloqueio do processo bolivariano e o seu necessário
avanço ao socialismo.
O êxito da Mesa de Diálogo de Havana não é
só um problema dos colombianos, mas de todos os povos da América
Latina e do mundo. É necessário desmontar o projeto imperialista
que atribui à Colômbia o papel que Israel tem no Oriente
Médio.
Se os diálogos prosperam, poderá haver no país um clima
favorável para as lutas pelas demandas populares, mas não uma
"paz social", porque a luta de classes não se acaba.
Frustrados os diálogos, pode acontecer na Colômbia outra fase de
mais extrema violência contra o povo e suas organizações,
uma marca da história do estado terrorista colombiano.
A oligarquia colombiana quer uma paz dos cemitérios, rápida, sem
custos, para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento capitalista.
Ajuda a desestabilizar a Venezuela para impor um acordo mínimo à
insurgência. Não nos enganemos com o "pacifismo" da
oligarquia e do imperialismo que a dirige. Só recorreram ao
diálogo porque sua guerra contra a insurgência fracassou, apesar
de todos os imensos recursos militares e financeiros investidos no Plano
Colômbia, dos paramilitares, das bases estado-unidenses, da assessoria da
CIA e da Mossad.
Agora os interesses do povo colombiano e das guerrilhas, que se fundem na mesa
de diálogo, são uma solução política com
justiça social e econômica, consolidada a través de una
Assembleia Constituinte soberana, com amplia participação
popular.
O PCB se solidariza com as guerrilhas e as organizações de
massas colombianas. Neste momento, é decisiva a solidariedade com a
Delegação das FARC em Havana e com a Marcha Patriótica (um
movimento plural e unitário, que congrega milhares de
organizações políticas e sociais), de cujo avanço e
desenvolvimento depende em grande medida a continuidade e a viabilidade das
negociações.
Finalmente, deixamos aqui uma saudação fraternal e
revolucionária ao PCPE (Partido Comunista dos Povos da Espanha), com o
qual compartilhamos a ousadia de contribuir a que um dia o comunismo
prevaleça no mundo, colocando fim à exploração,
à opressão, às guerras imperialistas, à fome e
à miséria.
Unidad y Lucha: Muito obrigado, camarada.
26/Outubro/2013
[*]
Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
O original encontra-se em www.unidadylucha.es/... . Tradução de Mauro Costa Assis.
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .