Terça, 29 de outubro de 2013
Do STF
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão
realizada nesta terça-feira (30), deu provimento, por unanimidade, ao
Recurso Extraordinário (RE) 440028 para determinar ao Estado de São
Paulo que realize reformas e adaptações necessárias na Escola Estadual
Professor Vicente Teodoro de Souza, em Ribeirão Preto, de forma a
garantir o pleno acesso de pessoas com deficiência. O relator do
recurso, ministro Marco Aurélio, frisou que, embora o caso se refira a
uma única escola, é uma forte sinalização do Supremo quanto à
necessidade de se observar os direitos fundamentais. “Diz respeito a
apenas uma escola, mas a decisão vai se irradiar alcançando inúmeros
prédios públicos”, afirmou.
Caso
A ação civil pública com o objetivo de efetivar as reformas na escola
foi movida pelo Ministério Público de São Paulo, depois de constatar
que os alunos com deficiências que necessitam fazer uso de cadeiras de
rodas não tinham possibilidade de acesso aos pavimentos superiores do
prédio. Segundo os autos, os alunos não podem frequentar as salas de
aulas, localizadas no andar superior, pois o acesso se dá por meio de
escadas.
Foi constatado, também, que o prédio apresenta barreiras nas entradas
e na quadra de esportes, com degraus que inviabilizam a circulação de
alunos com deficiência física, e que os banheiros são do tipo
convencional, ou seja, sem os equipamentos necessários para garantir o
acesso seguro.
A ação foi considerada improcedente em primeira instância. Ao
analisar recurso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entendeu
que, apesar do empenho do MP-SP em buscar a remoção de toda e qualquer
barreira física de modo a permitir o irrestrito acesso de pessoas com
deficiência a prédios, logradouros e veículos públicos, deve-se analisar
a disponibilidade orçamentária do ente. Segundo o acórdão, “obrigar a
administração pública a realizar obras e melhorias significa olvidar o
princípio da separação dos poderes, pois se trata da efetivação de atos
discricionários”.
No recurso ao STF, o Ministério Público de São Paulo aponta ofensa
aos artigos 227, parágrafo 2°, e 244 da Constituição Federal, por
entender que é dever do Estado garantir às pessoas com deficiência o
direito de acesso aos logradouros e edifícios de uso público. Sustenta
também que o cumprimento da exigência constitucional não é ato
discricionário do Poder Público, mas sim dever de cumprir mandamento
inserido da Constituição. Segundo o RE, “aceitar a conveniência e a
oportunidade nas ações administrativas funciona como 'válvula de escape'
à inércia estatal”.
Voto
O ministro destacou que o controle jurisdicional de políticas
públicas é essencial para concretização dos preceitos constitucionais.
Ele ressaltou que, de acordo com a jurisprudência do STF, três
requisitos podem viabilizar ação neste sentido: a natureza
constitucional da política pública reclamada, a existência de correlação
entre ela e os direitos fundamentais e a prova de que há omissão ou
prestação deficiente pela Administração Pública, inexistindo
justificativa razoável para tal comportamento. “No caso, todos os
pressupostos encontram-se presentes”, argumentou.
O ministro observou que a Convenção Internacional Sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência estabelece que os Estados que a ela aderiram
devem tomar medidas adequadas para possibilitar às pessoas com
deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos
os aspectos da vida, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas. Ressaltou, também, que as disposições da convenção foram
incorporadas ao cenário normativo brasileiro, o que a confere estatura
de emenda constitucional.
O relator apontou que a política pública de acessibilidade, para que
seja implementada, necessita da adequação dos edifícios e áreas públicas
visando possibilitar a livre locomoção de pessoas com deficiência.
Destacou que, quando se trata de escola pública, cujo acesso é
primordial ao pleno desenvolvimento da pessoa, deve também ser
assegurada a igualdade de condições para a permanência do aluno. Segundo
o ministro, a acessibilidade aos prédios públicos é reforçada pelo
direito à cidadania.
“Barreiras arquitetônicas que impeçam a locomoção de pessoas
acarretam inobservância a regra constitucional, colocando cidadãos em
desvantagem no tocante à coletividade. A noção de República pressupõe
que a gestão pública seja efetuada por delegação e no interesse da
sociedade e, nesta, aqueles estão integrados. Obstaculizar-lhes a
entrada em hospitais, escolas, bibliotecas, museus, estádios, em suma,
edifícios de uso público e áreas destinadas ao uso comum do povo,
implica tratá-los como cidadãos de segunda classe, ferindo de morte o
direito à igualdade e à cidadania”, ressaltou o ministro Marco Aurélio.
O ministro argumentou que a Lei federal 7.853/1989 garante o pleno
exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de
necessidades especiais, com a efetiva integração social. Destacou,
ainda, que o Estado de São Paulo, em momento algum, apontou políticas
públicas alternativas à satisfação do encargo constitucional. “Arguiu,
simplesmente, poder discricionário, o qual certamente não se estende a
ponto de permitir ao administrador público escolher qual preceito da Lei
Maior deseja observar. É até mesmo incompreensível que a maior unidade
da Federação não haja adotado providências para atender algo inerente à
vida social, algo que não dependeria sequer, para ter-se como observado,
de proteção constitucional”, sustentou o relator.
Leia aqui a íntegra do relatório e do voto do ministro Marco Aurélio.