Terça, 29 de outubro de 2013
por Ivan Pinheiro [*]
Unidad y Lucha: Camarada Ivan, há uns meses o Brasil viveu fortes
        mobilizações populares iniciadas por causa do preço das
        passagens de ônibus. Você pode comentar que análise faz o
        PCB desses movimentos?
       
       
Ivan Pinheiro: A manifestações no Brasil não terminaram,
       apenas se encontram em fogo baixo. O reajuste das tarifas de ônibus
       só destampou uma panela de pressão social que misturava
       inúmeras insatisfações, derramando todas as
       angústias e demandas do povo brasileiro, sobretudo da grande maioria da
       juventude das camadas populares, sem perspectiva de futuro digno. Esta
       explosão desmontou uma mentira oficial dos governos reformistas do PT, a
       de que todos os brasileiros viviam felizes e em harmonia, em um capitalismo
       "de rosto humano" que favorecia a todas as classes sociais, e no qual
       todos ganhavam. Inventaram dois conceitos estranhos: "capitalismo de
       massas" e "sociedade de classe média".
       
Para se ter uma dimensão do tamanho desta manipulação,
       basta ver que apesar do crescimento do PIB, a desigualdade social segue
       aumentando. Os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. Segundo
       dados do Banco Mundial, apesar do Brasil ser a 6ª economia do mundo,
       está no posto 85º no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
       Na América Latina, ocupa o último posto na média de anos
       de escolarização e o primeiro na evasão escolar no
       nível básico (PNUD/ONU).
Esse discurso era funcional dentro do país, para manter a passividade
       dos trabalhadores, e no exterior, para captar investimentos estrangeiros e
       alavancar a posição do capitalismo brasileiro no sistema
       imperialista.
A opção dos governos do PT a favor da governabilidade
       institucional burguesa e de enfrentar a crise do capitalismo com mais
       capitalismo está entre as principais causas da explosão social.
       Ao tomar posse do cargo, em 2003, Lula tinha de todas as
       condições para convocar uma assembleia constituinte soberana,
       como fizeram Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, a fim de promover
       as mudanças prometidas na campanha eleitoral, com governabilidade
       popular. Pelo contrário, nomeou o ex-presidente do Banco de Boston para
       dirigir o Banco Central e manteve intacta a política econômica do
       governo neoliberal e entreguista de Fernando Henrique Cardoso, aprofundando o
       abandono e a privatização da saúde, da
       educação e dos serviços públicos em geral.
       Atualmente, o governo se dedica à privatização, em grande
       escala, de rodovias, ferrovias, portos, hidroelétricas, aeroportos e
       até estádios de futebol.
Dando continuidade às políticas neoliberais, o PT promove a
       entrega de nossas reservas de petróleo e privilegia o
       agronegócio, o sistema financeiro e os grandes monopólios. Neste
       momento, o governo promove um leilão, aberto às multinacionais,
       do chamado "Campo de Libra", uma área onde estão as
       maiores reservas de petróleo da camada pré-sal, em uma quantidade
       superior a todas as reservas brasileiras, desde a fundação da
       Petrobrás há 60 anos.
Enquanto isenta de impostos o capital, seguem com a precarização
       do trabalho (com mais e piores empregos) e com a chamada
       "flexibilização" dos direitos trabalhistas, obviamente
       para baixo e reduzindo os salários.
Se amplia a política de "superávit primário",
       um mecanismo que reduz gastos sociais, para poder pagar aos rentistas uma
       dívida pública que nunca foi auditada. As cifras do
       orçamento nacional para 2014 são impressionantes: 42,42% para o
       pagamento aos rentistas; 3,91% para a saúde, 3,44% para a
       educação! A isso chamam "responsabilidade fiscal".
Eis o que engrossa o caldo dos protestos: abandono dos serviços
       públicos, privatizações, generalização da
       corrupção, desemprego e falta de perspectiva para a juventude.
       Uma das consequências deste quadro é o descrédito da
       política y dos partidos políticos, em função das
       alianças e acordos espúrios, em um governo de coalizão com
       as forças conservadoras, capitaneado por um partido que subiu ao governo
       prometendo transformações sociais, mas que só se
       transformou a si mesmo. A burguesia estimula este descrédito, para
       generalizar o desgaste e separar os trabalhadores da política e dos
       partidos anti-sistêmicos.
       
Há sinais de esgotamento do ciclo do PT como partido popular,
       classista, de massas. Isto não significa seu fim, mas a
       consolidação de um processo de transformação em um
       partido da ordem, protagonista do bipartidarismo em que a disputa se dá,
       fundamentalmente, sobre a forma de administração do capitalismo.
       O fato de que o PT se chama "Partido dos Trabalhadores" contribui
       para confundir as massas e a atrasar sua experiência.
       
O povo espanhol conhece como ninguém outra transformação
       desta, pois quem implantou o neoliberalismo neste país foi um partido
       que até hoje se apresenta como "socialista e obrero"!
Esta explosão popular no Brasil pode voltar com una amplitude e uma
       combatividade ainda maiores em 2014, com a Copa do Mundo de futebol, um mega
       evento cada vez mais lucrativo para o capital e excludente para os
       trabalhadores. Será um momento em que as desigualdades sociais se
       tornarão mais evidente, quando o povo compreenderá que perdeu
       até o direito a seu mais tradicional e cultural direito ao ócio:
       a alegria de ir aos estádios de futebol, agora privatizados e privativos
       das classes mais opulentas, devido aos elevados preços dos ingressos.
       Observe que a emergência do Brasil como potência capitalista trouxe
       para cá também as Olimpíadas de 2016. 
       
Estes megaeventos e o "descontrole" do capitalismo que o PT chama
       "neo-desenvolvimentismo" estão destruindo inclusive os
       direitos à vida e à moradia. Como o capitalismo não pede
       permissão, vai criminalizando a pobreza, varrendo bairros populares,
       comunidades indígenas, marginais, e afrodescendentes. Enquanto isso, o
       Estado brasileiro caminha em direção ao fascismo, militarizando
       cada vez mais a polícia, reprimindo e criminalizando os movimentos
       populares, enquanto os meios de comunicação burgueses reinam
       soberanos, forjando as versões e manipulações que lhes
       interessam, já que os governos do PT não só não
       tocaram nem um dedo no monopólio das comunicações, mas que
       o financiam com a publicidade oficial. 
       
Nesta escalada repressiva, tramita no Congresso Nacional, com o silêncio
       cúmplice do governo, uma lei "antiterrorista"
       intencionadamente ampla e evasiva, para servir à
       criminalização das lutas populares e das
       organizações revolucionárias e tratar de evitar grandes
       manifestações durante os megaeventos esportivos programados.
       
Unidad y Lucha: Há quem afirme que o governo de Dilma Rousseff e do PT
        é favorável aos trabalhadores. Qual é a postura
        do PCB a respeito?
       
       
Ivan Pinheiro: Como tentei demonstrar na pergunta anterior, os governos
       "petistas" estão, fundamentalmente, a serviço do
       capital. Não há governo neutro; não há terceira
       via. 
       
O governo Dilma parece mais neoliberal que o de Lula, somente porque agora a
       crise do capitalismo solapa também na direção dos chamados
       países emergentes, que se haviam beneficiado dela na primeira
       década deste século. Para atrasar a chegada da crise ao
       país, Dilma faz cada vez mais concessões ao capital. Seu governo
       está sendo orientado pelos meios burgueses, por aliados conservadores e
       pelas metas estabelecidas pelas agências internacionais do capital. No
       entanto, seu governo é de continuidade, não de ruptura com o de
       Lula. 
       
No imaginário de parte da esquerda latino-americana, os governos
       "petistas" ainda parecem progressistas; alguns chegam a
       idealizá-los como anti-imperialistas. Isso, no entanto, tem e ver com o
       passado combativo do PT e de Lula, sua principal referência.
       
Superar esta ilusão, este obstáculo, é de fundamental
       importância para que avancemos na construção de uma unidade
       de ação continental revolucionária, anticapitalista e
       anti-imperialista. O PT é hoje um partido sistêmico. Domesticou e
       cooptou as principais entidades de massas, como a CUT (Central Única dos
       Trabalhadores) e a UNE (União Nacional dos Estudantes). Seu aliado
       principal é um partido de centro-direita (PMDB), que tem em suas
       mãos a chave do poder legislativo brasileiro, presidindo, ao mesmo
       tempo, a Câmara de Deputados e do Senado, além de ocupar a
       Vice-presidência da República e ministérios
       estratégicos. 
       
No Brasil, nunca os banqueiros, as empreiteiras, o agronegócio e os
       monopólios haviam tido tanto lucro. A política econômica e
       a política externa do Estado burguês brasileiro estão ao
       serviço do projeto que busca fazer do Brasil uma grande potência
       capitalista, nos marcos do sistema imperialista. Seu fetiche é um posto
       permanente no Conselho de Segurança da ONU, que confere o status de
       potência. As chamadas multinacionais de origem brasileira, alavancadas
       por financiamento público, já dominam mercados em muitos
       países, especialmente na América Latina, um grande canteiro de
       obras para as empreiteiras preferidas do governo, principais fontes de
       financiamento privado do PT. Petrobras, apresentada como estatal, é uma
       multinacional como outra qualquer, com mais de 60% de suas ações
       em mãos particulares, vendidas na Bolsa de Nova York.
       
Hoje, o governo brasileiro é o organizador da transferência da
       maior parte da renda e da riqueza produzida pelo país para a burguesia,
       por meio do superávit primário, da política de elevadas
       taxas de juros e do sistema tributário altamente regressivo. O consumo
       é estimulado com isenções tributárias às
       empresas, com crédito fácil e caro, mas não com aumentos
       salariais. O resultado é que as famílias brasileiras têm um
       dos índices de endividamento mais altos do mundo, que compromete, em
       media, 46% de suas rendas.
       
Unidad y Lucha: No seu país existem diferentes
        organizações que se reivindicam do campo comunista. Que tipo de
        relações mantém com elas?
Ivan Pinheiro: A maioria destas organizações imagina o
       imperialismo como o inimigo externo, o que os leva a defender o que uns chamam
       "projeto popular e democrático", outros "nacional
       desenvolvimentismo" ou "libertação nacional".
       Prevalece neste campo político o discurso contra o imperialismo
       norte-americano – como se houvesse outro imperialismo bom, com o qual
       poderíamos nos aliar – e contra o neoliberalismo, que veem como um
       capitalismo "selvagem", desumano.
       
Na visão do PCB, não há contradições
       antagônicas entre o núcleo hegemônico da burguesia
       brasileira e o imperialismo, que não é um "inimigo
       externo" que deve ser combatido por uma frente de
       conciliação de classe entre o proletariado e a burguesia
       "nacional", como dizem os reformistas. É um inimigo interno,
       já que o Brasil é parte do sistema imperialista, apesar de suas
       contradições e de ser, todavia, um ator secundário, ainda
       em ascensão.
O PCB, estudando o capitalismo brasileiro de um rigoroso ponto de vista
       marxista, chegou à conclusão de que este está plenamente
       desenvolvido, de que dispõe de todas as instituições e
       condições necessárias para seu florescimento. Com esta
       análise, chegamos à compreensão lógica de que a
       contradição fundamental da sociedade brasileira se dá
       entre o capital e o trabalho, o que nos leva a concluir que o caráter da
       revolução brasileira é socialista. Isto não
       significa que digamos, como insinuam nossos detratores, que em nosso
       país, o socialismo está ali na esquina, porque nos faltam (e
       muito) as condições subjetivas, entre outros fatores em
       função da hegemonia reformista e oportunista no campo que se
       define genericamente como esquerda.
Obviamente, temos divergências na política de alianças. As
       estratégias reformistas implicam aliar-se com a burguesia, privilegiar a
       luta no campo institucional. Transmitem aos trabalhadores a ilusão de
       que é possível humanizar o capitalismo e caminhar até o
       socialismo pela democracia burguesa, por meio de avanços seguros e
       graduais. Ainda que as estratégias socialistas levem a alianças
       no campo das forças políticas e sociais anti-capitalistas e
       anti-imperialistas, privilegiando as lutas de massas, antagônicas com o
       capital, sem descartar nenhuma forma de luta.
Com algumas destas organizações reformistas temos unidade pontual
       na solidariedade internacional, exceto na luta contra as ações de
       caráter imperialista do Brasil, e que podem não ser do agrado do
       governo, como é o caso da ocupação do Haiti, o intenso
       comércio de armas que o Brasil mantém com a Colômbia e
       Israel, o acordo militar com os Estados Unidos estabelecido durante o governo
       Lula, denunciado em 2010 pelo PCB, e a solidariedade com a insurgência
       colombiana, em relação à qual os reformistas querem manter
       distâncias para não comprometer sua imagem de
       "democratas", de "esquerda moderna". Consideram que a
       persistência da guerrilha dificulta a integração
       latino-americana e a estabilidade dos governos que consideram progressistas.
       Querem uma "paz" em curto prazo, a qualquer preço, ainda que
       seja a dos cemitérios.
Más também há no Brasil organizações
       comunistas com as que temos afinidade estratégica e, portanto,
       também na oposição aos governos "petistas".
       Ainda assim, por uma série de razões, todavia são
       débeis os laços que nos unem. Existem finalmente, partidos e
       tendências com referências socialistas, democráticas
       radicais e libertarias, em parte com vocação reformista, mas com
       os quais temos unidade, sobretudo nos temas nacionais, na
       oposição à transformação do PT, incluindo
       entre eles uma diversidade de organizações com referências
       trotskistas que, ao menos no caso brasileiro, não podem ser analisadas
       como um conjunto homogêneo. Nossas principais diferenças com
       algumas destas organizações se dão fundamentalmente no
       campo da solidariedade internacional, o qual não é uma
       questão irrelevante para um partido marxista-leninista, como é o
       caso do PCB, que se reivindica e tem um comportamento profundamente
       internacionalista. Há organizações que jogam objetivamente
       o jogo do imperialismo em todos os temas internacionais, chegando até o
       ponto de apoiar o que chamam de "rebeldes" na Síria, de
       caracterizar a Revolução Cubana como una "ditadura
       capitalista" e considerar que Chávez (Maduro, hoje) e Evo Morales
       não têm nenhuma diferença em relação a seus
       opositores oligárquicos a serviço do imperialismo.
Com o surgimento das manifestações de rua e como
       consequência do aumento da repressão policial (no Brasil existem
       em todos os Estados uma Policia Militar, com Batalhão de Choque, como
       herança da ditadura), surgem combativos grupos anarquistas, de corte
       anti-capitalista, mas que subestimam a centralidade do trabalho e da
       organização da classe. Adotam uma linha de insurgência
       popular, foquista e horizontal. O PCB, que defende a
       radicalização da luta de classes e o direito à
       insurreição dos povos, compreende a violência com que atuam
       estes jovens militantes, muitos deles, moradores de comunidades pobres, movidos
       por um justo ódio a uma polícia que assassina a cada dia seus
       amigos e parentes. Em que pese estar em desacordo com seu método,
       não nos associamos à campanha de satanização da
       qual têm sido vítimas, inclusive por parte de correntes populares.
Dentro deste quadro complexo, o PCB se move buscando a unidade pontual, em cada
       caso concreto, sem manter nenhuma relação exclusiva com nenhuma
       organização política deste amplio e diversificado campo do
       que, à falta de outro nome, podemos chamar "esquerda".
Unidad y Lucha: Como analisa os diferentes processos de
        integração que estão surgindo na América Latina,
        como MERCOSUL, ALBA, CELAC e UNASUL?
Ivan Pinheiro: Apesar de todas as limitações, determinadas pelo
       fato de que, inclusive nos países nos quais mais se aprofundou os
       processos de mudança (Venezuela, Bolívia e Equador), segue
       vigente o sistema capitalista, o PCB nutre uma simpatia moderada com
       experiências como a ALBA, uma tentativa de contraponto à
       integração sob a hegemonia imperialista, que seria implantada se
       o projeto da ALCA não houvesse sido derrotado pelos povos
       latino-americanos.
A ALBA luta para ser uma integração soberana e solidária,
       não só entre os governos e os mercados, mas também entre
       os povos de "Nuestra América". Mas a reticência do
       governo brasileiro, o desaparecimento físico do Comandante Chávez
       e a ofensiva do imperialismo em nosso continente dificultam seu fortalecimento.
Para entender melhor o capitalismo brasileiro, o Brasil esteve contra a ALCA,
       mas boicota a ALBA, buscando um espaço próprio para seu
       desenvolvimento, num processo de competição não conflitiva
       com as diversas potências, valendo-se para isto da contrapartida por
       conter os processos de mudança na região.
Assim, o Brasil, além de boicotar a ALBA, impediu o auge de
       várias instituições que a teriam fortalecido e ampliado,
       como o Banco do Sul e o Sucre, um projeto de moeda comum latino-americana,
       iniciativas de Hugo Chávez que não passaram do papel, dada a
       oposição brasileira.
Na realidade, a estratégia brasileira é ampliar e
       continentalizar o MERCOSUL, isolando e enfraquecendo a ALBA. O MERCOSUL, como
       sabemos, é um projeto de integração capitalista, liderado
       pelo Brasil e também pela Argentina, a qual Venezuela e outros
       países sul-americanos vêm aderindo, em função de
       suas necessidades de mercado. Como o chamado Pacto do Pacífico
       (México, Colômbia, Chile e Peru) é um contraponto, mais
       à ALBA que ao MERCOSUL, nada impede que este e aquele se integrem a
       médio prazo.
Finalmente a CELAC e a UNASUL, ainda que tenham a virtude de não incluir
       os Estados Unidos e, no caso da primeira, incluir Cuba, são
       organizações inter-estatais heterogêneas, que abarcam desde
       os países que já mantêm TLCs (Tratados de Livre
       Comércio) com os Estados Unidos até aqueles que têm uma
       postura anti-imperialista. Têm sido importantes para a
       adoção de alguns acordos e a solução de alguns
       conflitos, mas incapazes de evitar golpes do imperialismo e das oligarquias,
       como nos casos de Honduras e Paraguai, o crescimento das bases militares
       ianques na região, além de fingir que estão cegos ante o
       importante diálogo político para a solução do
       conflito colombiano em Havana. Em ambas, a hegemonia é amplamente
       capitalista.
Na América Latina necessitamos uma articulação de
       forças revolucionárias, anti-capitalistas e anti-imperialistas,
       para fazer frente à hegemonia do Foro de São Paulo, que se
       transformou em correia de transmissão do capitalismo brasileiro para
       ocupar mais espaços na região.
Com a intenção de afirmar o Foro como braço regional do
       neodesenvolvimentismo sob a hegemonia brasileira, o PT – em aliança
       com outros partidos reformistas e com aqueles que priorizam razões de
       Estado – passa a privilegiar os processos eleitorais em detrimento das
       lutas de massas, buscando em cada país contribuir política e
       materialmente à eleição de governos aliados com esta
       articulação. Isto significou a perda do caráter do Foro de
       São Paulo, que havia nascido como uma articulação
       anti-imperialista.
Unidad y Lucha: O PCB realizará seu 15º Congresso em abril de
        2014. Que objetivos tem o Partido em relação a este Congresso?
Ivan Pinheiro: Partindo do pressuposto de que a estratégia socialista
       da revolução brasileira e a análise da crise mundial do
       capitalismo, elaboradas pelo XIV Congresso do Partido Comunista Brasileiro
       (PCB), são consensuais nas fileiras do PCB, o Comitê Central do
       PCB decidiu concentrar o debate do XV Congresso Nacional sobre questões
       internas. Na questão orgânica destacaremos o balanço e
       perspectivas do processo que chamamos Reconstrução
       Revolucionária. No que se refere à linha política,
       terão centralidade as questões da via e das
       mediações táticas da estratégia socialista.
O XV Congresso Nacional se dará em um momento especial para o Partido,
       que experimenta uma grande renovação e um crescimento com
       qualidade, ainda modesto, a partir do XIV Congresso, quando o PCPE nos honrou
       com sua presencia. Atualmente, a maioria dos militantes do Partido participou
       pela primeira vez em um Congresso do PCB. Diminuiu a média de idade da
       militância e cresce o nível político e ideológico.
Com esta pauta mais orientada para questões internas, e diante da
       necessidade de usar o melhor de nossas energias para o compromisso da
       militância no processo de preparação do congresso, tomamos
       a difícil decisão de não convidar desta vez o conjunto dos
       partidos comunistas de outros países, o que não significa que
       não receberemos com afeto os camaradas dos partidos mais identificados
       com o PCB que queiram presenciar este debate, trocar experiências,
       opiniões, oferecer à nossa militância seus pontos de vista
       e estreitar os laços de amizade e unidade dos partidos comunistas que
       combatem contra o reformismo.
Unidad y Lucha: Em novembro deste ano se realizará em Lisboa o Encontro
        Internacional de Partidos Comunistas e Operários. Como vê o estado
        de saúde do Movimento Comunista Internacional e, especificamente, na
        América?
Ivan Pinheiro: Seguimos carentes de um novo e vigoroso movimento comunista
       internacional, lamento ter que incluir aqui o adjetivo revolucionário,
       pois cada vez as palavras perdem mais seu sentido. Desgraçadamente,
       há partidos que se dizem comunistas, inclusive no Brasil, que na
       realidade são linha auxiliar do capital. Não mudam de nome porque
       lhes é funcional a fim de serem aceitos e estimulados pela burguesia, em
       função dos favores que prestam iludindo os trabalhadores com a
       possibilidade de humanizar o capitalismo.
Mas não defendemos uma internacional verticalizada e burocratizada, que
       pretenda dirigir os partidos membros com manuais de orientações
       padronizadas, como se os países fossem homogêneos e as
       revoluções um produto de exportação. Pensamos em
       una articulação comunista internacional baseada na unidade de
       ação, com uma coordenação que facilite o
       intercambio de informações, as relações bilaterais
       e regionais, contribua para o debate e a formação política
       e ideológica, ao protagonismo e a unidade de ação do
       proletariado a nível mundial e a solidariedade dos povos em luta. O
       ocaso do culto à personalidade e a não existência de um
       "partido guia" são fatores favoráveis a este projeto.
Esta articulação deve ser levada ao âmbito regional. Temos
       visto com bons olhos um recente encontro em Bruxelas, que reuniu trinta
       partidos comunistas (revolucionários) de vários países da
       Europa, incluindo o PCPE, que criou uma alternativa ao reformismo do Partido da
       Esquerda Europeia (PEE) que, por certo, se articula com o Foro de São
       Paulo na perspectiva de uma internacional social-liberal.
A luta contra o reformismo e o oportunismo é a principal batalha dos
       revolucionários na atualidade.
Unidad y Lucha: Há algo mais que gostaria de dizer aos nossos leitores?
Ivan Pinheiro: Algo mais sobre a América Latina, região que se
       destaca hoje no tabuleiro da correlação de forças mundial.
Mais além da necessidade de reforçar nossa solidariedade
       até a Revolução Cubana, os processos da Bolívia e
       Equador e a resistência dos povos, a ação dos
       internacionalistas deve concentrar-se hoje na luta de classes que se desenvolve
       na Colômbia e Venezuela. O futuro da América Latina está
       sendo jogado nestes dos países de povos irmãos, com
       repercussões mundiais.
Na Venezuela segue a ofensiva da direita, valendo-se da ausência
       física do Comandante Hugo Chávez, de resultado modesto na
       vitória legítima de Nicolás Maduro e, principalmente, das
       limitações da chamada revolução bolivariana. Uma
       revolução que não avança, que não consegue
       destruir estruturas do estado burguês, expropriar as oligarquias e
       construir o poder popular, corre o perigo de ser derrotada. Ante o impasse
       político, se aproxima o momento do ajuste de contas. Aí
       não há possibilidade de conciliação, de pactos de
       elites.
A derrota do povo venezuelano pela oligarquia e o imperialismo impactaria
       negativamente na Mesa de Diálogos de Havana. Do mesmo modo, a
       frustração destes diálogos, além de fragilizar e
       ameaçar o potente e unitário movimento de massas colombiano,
       também influiria negativamente na Venezuela.
É necessário reforçar nossa solidariedade com o
       Presidente Maduro e com o proletariado venezuelano, ator principal para
       garantir o desbloqueio do processo bolivariano e o seu necessário
       avanço ao socialismo.
O êxito da Mesa de Diálogo de Havana não é
       só um problema dos colombianos, mas de todos os povos da América
       Latina e do mundo. É necessário desmontar o projeto imperialista
       que atribui à Colômbia o papel que Israel tem no Oriente
       Médio.
Se os diálogos prosperam, poderá haver no país um clima
       favorável para as lutas pelas demandas populares, mas não uma
       "paz social", porque a luta de classes não se acaba.
       Frustrados os diálogos, pode acontecer na Colômbia outra fase de
       mais extrema violência contra o povo e suas organizações,
       uma marca da história do estado terrorista colombiano.
A oligarquia colombiana quer uma paz dos cemitérios, rápida, sem
       custos, para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento capitalista.
       Ajuda a desestabilizar a Venezuela para impor um acordo mínimo à
       insurgência. Não nos enganemos com o "pacifismo" da
       oligarquia e do imperialismo que a dirige. Só recorreram ao
       diálogo porque sua guerra contra a insurgência fracassou, apesar
       de todos os imensos recursos militares e financeiros investidos no Plano
       Colômbia, dos paramilitares, das bases estado-unidenses, da assessoria da
       CIA e da Mossad.
Agora os interesses do povo colombiano e das guerrilhas, que se fundem na mesa
       de diálogo, são uma solução política com
       justiça social e econômica, consolidada a través de una
       Assembleia Constituinte soberana, com amplia participação
       popular.
O PCB se solidariza com as guerrilhas e as organizações de
       massas colombianas. Neste momento, é decisiva a solidariedade com a
       Delegação das FARC em Havana e com a Marcha Patriótica (um
       movimento plural e unitário, que congrega milhares de
       organizações políticas e sociais), de cujo avanço e
       desenvolvimento depende em grande medida a continuidade e a viabilidade das
       negociações.
Finalmente, deixamos aqui uma saudação fraternal e
       revolucionária ao PCPE (Partido Comunista dos Povos da Espanha), com o
       qual compartilhamos a ousadia de contribuir a que um dia o comunismo
       prevaleça no mundo, colocando fim à exploração,
       à opressão, às guerras imperialistas, à fome e
       à miséria.
Unidad y Lucha: Muito obrigado, camarada.
       
       
26/Outubro/2013
       
[*]
        Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
        O original encontra-se em www.unidadylucha.es/... . Tradução de Mauro Costa Assis.
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .
 
 
 
