Quinta, 31 de outubro de 2013
Waldir Pires. Imagem da internet 
Ana Cristina Pires Duarte 
Que pena, Moreno, que você prefira insistir na sua versão de um lado.
Há muitos anos, um filme primoroso, Kramer versus Kramer, mostrou 
como é injusto tomar uma posição e mais injusto ainda  (porque aí 
pode-se manipular) quando se tem o poder do acesso à massa da população.
Meu pai, graças a Deus, está vivo, lúcido, ativo, e em perfeitas 
condições de contar a história para quem quiser ouvir. Se eu fosse 
jornalista é o que eu faria – ouviria. Como filha, fica-me o gosto 
amargo de ter que ler, num jornal que é praticamente o único no Rio de 
Janeiro, uma nota como essa sua de hoje. Ela é injusta e inverídica.
Diferentemente do Dr Ulysses que inicialmente apoiou o golpe militar 
em 64, meu pai, professor de Direito Constitucional e Consultor Geral da
 República ficou junto com Darcy, Chefe da Casa Civil, em Brasília 
tentando que o Congresso não fizesse a sabotagem que fez declarando vaga
 a presidência quando o presidente João Goulart estava no Rio Grande do 
Sul para fazer a resistência .
Se Jango não fosse um humanista e um pacifista, se ele fosse inflado 
pela vaidade que infelizmente corrói muitos políticos, certamente teria 
tido um derramamento de sangue numa revolução DE FATO  e não essa 
inventada pelos golpistas para parecerem democratas.
Com 11 anos eu vivi intensamente a angústia daqueles dias, daquelas 
semanas, daqueles meses. Com 11 anos, eu não perdia uma só coluna do 
Cony. Era a forma de me sentir mais acalentada, de não me sentir tão 
sozinha e de acalmar a dor da incerteza do destino de meus pais. Eu 
tinha ficado em Brasília com uma tia porque já estava no exame de 
admissão e os boatos eram que meu pai e Darcy tinham sido mortos. Minha 
mãe e Berta Ribeiro (antes de conseguirem ir para o Uruguay) viviam 
escondidas, perseguidas e ameaçadas. A solidariedade era quase nenhuma 
porque o medo era enorme.  Poucos foram os deputados que honraram a 
Constituição e reagiram quando o presidente da Câmara, manietado, deu o 
golpe declarando vaga a Presidência da República. Alguns deputados, como
 Rubens Paiva, foram heróicos tentando salvar companheiros perseguidos 
já naqueles primeiros dias. Outros, infelizmente, omissos, entre eles 
Ulysses.
Só no dia 2 de julho, dia da independência da minha terra, foi que me
 juntei aos meus irmãos ( todos menores e que tinham sido levados para 
Salvador para serem preservados), e fomos enfim autorizados – esse grupo
 de 5 perigosos cidadãos entre 11 e 2 anos – a sair do nosso país para 
encontrar nossos pais e começar longos anos de exílio.
Será que sabem o que é isso? Não! Só quem viveu sabe. Quem não viveu 
até chega a pensar que foi “uma boa” aprender espanhol e depois viver em
 Paris, falando francês. Não passa pela cabeça das pessoas o que é você 
não poder fincar raízes porque não sabe o que vai acontecer amanhã; o 
que é você não poder ou não querer se apegar a um lugar porque sabe que 
terá que deixá-lo; o que é você chorar ao ouvir e a ter que cantar na 
escola o hino nacional dos outros e pensar no seu; o que é você se 
sentir sempre um estranho no ninho.
Conto tudo isso para lhe dizer que acho que merecemos respeito. Que 
seria digno ter um pouco de consideração e não distorcer os fatos muito 
menos quando eles envolvem pessoas que viveram o que nós vivemos. Meu 
pai não é um político qualquer; ele é exemplo de integridade, 
desprendimento, retidão, luta, solidariedade e sobretudo completamente 
desprovido da vaidade que você INVERTE na sua versão,
Entendo que, como assessor de imprensa de Ulysses, você tenha ouvido 
reiteradas vezes o que narra, mas creio que como jornalista, com uma 
coluna tão lida, no jornal que é praticamente o único do Rio, você 
poderia  ajudar a história fazendo um esforço de não ficar só com a sua 
versão mas tentar conversar com pessoas próximas aos 2 personagens 
citados, meu pai e  Ulysses. Muitos ainda estão aí como o senador Pedro 
Simon, a Maria da Glória Archer (tão amiga de Mora), o Mino Carta, Dalva
 Gasparian (viúva e companheira política constante de Fernando) etc, 
etc,etc.
Como homem da imprensa, procure na imprensa os mapas dos resultados 
eleitorais daquela época e veja o quanto é esdrúxulo você dizer que 
“Waldir devia a Ulysses”. A Bahia, terra de Waldir, foi o ÚNICO 
estado onde Ulysses venceu. Todos os outros, com todos os governadores (
 inclusive o estado de Ulysses) tiveram um resultado desastroso.
Mas já era o esperado desde que aquela enxurrada de governadores e 
lideranças chegaram a Ondina para colocar para meu pai a necessidade do 
nome dele na composição da chapa majoritária. O partido precisava de 
fôlego já que Ulysses era irredutivelmente candidato. Waldir estava 
forte; tinha feito um admirável trabalho na Previdência e tinha tido a 
maior vitória entre todos os governadores do PMDB derrotando ACM  com 
mais de um milhão e meio de votos de frente. O gesto de Waldir, abrindo 
mão do grande sonho de governar o seu Estado só se vê em pouquíssimos e 
ferrenhos idealistas. Portanto, quem devia a quem? Quem foi inflado pela
 vaidade?
Eu, Cristina, me sinto com todo o direito e o DEVER de dizer que não 
aceito essa deturpação. E digo mais, assim como existe política e 
politicalha, existe História e estória. A escolha depende da 
responsabilidade de cada um.
Até acredito que seja uma falha meu pai não “perder tempo” colocando 
os pingos nos “is” – preferir usar esse tempo “conversando” com 
estudantes, fazendo palestras (sempre gratuitas, é bom que se diga), 
cumprindo com honra e trabalho o seu mandato de vereador – porque acho 
que poucas pessoas podem narrar, quase 70 anos de vida pública do país 
com o conhecimento de causa, tendo vivido diretamente e intensamente 
cada um dos episódios históricos.
É admirável, é invejável, é uma lição e é um exemplo.
Fonte: Tribuna da Imprensa 

 
 
 
