Segunda, 28 de outubro de 2013 
O desabafo é de uma soldado da UPP da Rocinha no MP, enquanto revelava o "diário da tortura"
O choro e a emoção 
marcaram os depoimentos de quatro soldados, mulheres, que durante três 
meses foram obrigadas a esconder detalhes da sessão de tortura do 
pedreiro Amarildo de Souza, na base da Unidade de Polícia Pacificadora 
(UPP) da Rocinha, Zona Sul do Rio, no dia 14 de julho. As PMs resolveram
 contar toda a verdade após a prisão de alguns de seus colegas da 
unidade, acusados de envolvimento no crime. Elas contaram para a 
promotora Carmen Eliza de Carvalho, do Ministério Público (MP-RJ), que 
receberam ordens superiores para ocultar provas da tortura a Amarildo e 
também a dar depoimentos pré-combinados aos investigadores da polícia 
civil. 
As policiais da UPP da Rocinha revelaram detalhes do que 
aconteceu naquela noite e do sofrimento de Amarildo. Uma delas disse à 
promotora Carmem Eliza que estava dentro do contêiner quando ouviu 
gritos de dor e pedidos de socorro na parte de trás do local. Então, 
resolveu ficar na parte da frente da sala e tapou os ouvidos para não 
ouvir mais a sessão de tortura e comentou com outras duas colegas de 
trabalho - “Isso não se faz nem com um animal”. A partir do depoimento 
de uma outra soldado foi possível a promotoria identificar mais uma 
farsa do então comandante da UPP, o major Edson dos Santos. 
Uma 
outra soldado contou que o major Edson dos Santos marcou uma reunião com
 os PMs e tinha a presença de um advogado orientando a tropa sobre os 
seus depoimentos aos investigadores. "Foi um pré-depoimento", explicou a
 policial. Após a reunião, o advogado afirmou ao major que a soldado 
havia "falado demais". A mesma soldado ainda confirmou que após o crime,
 o local foi transformado em um depósito, com o intuito de atrapalhar as
 investigações. 
Durante os depoimentos, as soldados afirmaram 
ainda que foram obrigadas pelos seus superiores a ficar dentro do 
contêiner, junto com outros colegas da unidade. Elas contaram que era 
muito óbvio para todos que estava acontecendo uma tortura do lado de 
fora. E citaram mais um nome. "E aí a Rachel fala: 'Com esse barulho não
 dá pra trabalhar'. 'O que está acontecendo? Alguém está sendo 
torturado?' É 'com esse barulho não dá pra trabalhar'", revela uma das 
soldados. Rachel de Souza Peixoto é um dos 25 PMs acusados no processo 
de Amarildo. A soldado Thaís Rodrigues Gusmão também é réu nas ações do 
MP_RJ, mas acusou a participação do ex-subcomandante da UPP, tenente 
Luiz Felipe de Medeiros no caso. Segundo ela, o major Edson Santos deu 
uma ordem a Medeiros para ir até o local de tortura e "resolver isso". O
 tenente não apareceu nenhuma surpresa e se encaminhou para a parte de 
trás do contêiner e foi possível ouvir ele fazendo perguntas a Amarildo.
 Após esse episódio, Thais afirmou que recebeu ordens do major Edson para
 ir até o Parque Ecológico da Rocinha, que fica ao lado da UPP, e apagar
 as luzes daquela região. Ela aproveitou para ficar mais duas horas no 
parque, "para não ouvir mais as agressões".
A soldado Thais ajudou
 o MP a montar mais uma "peça do quebra-cabeça macabro". Ela afirmou que
 encontrou no parque três PMs à paisana e logo depois, viu o próprio 
major Edson e outros cinco policiais descendo do alto da mata. 
Depoimentos de PMs revelam que, antes do major Edson sair para o parque,
 foi possível observar policiais da unidade retirarem por um vão no 
telhado algo parecido com um corpo. 
A promotora Carmem Eliza 
informou que as policiais que prestaram depoimentos e colaboraram com as
 investigações são responsáveis por serviços administrativos e nunca 
efetuaram prisão ou participaram de operações policiais. “O sentimento 
era uniforme. 'Se estão fazendo isso com aquela pessoa, se a gente for 
fazer alguma coisa, que que vão fazer com a gente? Porque lá fora temos 
vários homens armados, todos superiores hierárquicos'”, afirmou a 
promotora.
Segundo a promotora Carmem Eliza, as soldados tinham 
medo do que poderia acontecer com elas. "'Vocês não ouviram nada, não 
teve nada de anormal e Amarildo desceu pela escada’. O tom era esse de 
orientação. Entenda-se determinação”, disse a promotora, reproduzindo os
 depoimentos das PMs. Ela classificou a "pressão" do major como "uma 
lavagem cerebral". 
Os novos depoimentos confirmam que a violência
 contra Amarildo durou 40 minutos e aconteceu na parte de trás dos 
contêineres que servem de base para a UPP. As policiais disseram que 
"depois tudo ficou em silêncio e, em seguida, somente risos". Vinte e 
cinco PMs da UPP da Rocinha foram denunciados pelo Ministério Público do
 Rio pelo desaparecimento, morte e tortura de Amarildo. Desse grupo, 13 
já estão presos, sendo que três se entregaram na última quarta-feira 
(23). O corpo de Amarildo ainda não foi encontrado.
 
 
 
