Terça, 8 de dezembro de 2015
Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil
A quarta versão do Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos
Humanos no Rio de Janeiro, disponibilizada hoje (8) pelo Comitê Popular
da Copa e Olimpíadas do RJ e o Observatório das Metrópoles, diz que as
violações à moradia permanecem sendo cometidas pela prefeitura da
capital fluminense. O documento está sendo divulgado também em outros
países, na versão em inglês.
“O
dossiê demonstra que as remoções, ao contrário do que a prefeitura
vinha anunciando desde o ano passado, não pararam. Estão ainda em curso e
parte considerável está associada às intervenções das Olimpíadas,
sobretudo em termos de mobilidade”, afirmou à Agência Brasil o
pesquisador do Observatório das Metrópoles, Orlando dos Santos Júnior,
professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ), um dos
coordenadores do trabalho.
Santos Júnior disse que embora haja
dificuldade de se obter informações relacionadas às Olimpíadas, o comitê
procurou identificar as remoções associadas ao evento. “O discurso da
prefeitura tem sido que no Rio de Janeiro não existem remoções
vinculadas às Olimpíadas, exceto da Vila Autódromo”. Para o pesquisador,
porém, há uma contradição nesse discurso da prefeitura, que é negar as
intervenções vinculadas à mobilidade como parte do Projeto Olímpico. “Só
que, no entanto, essas intervenções estão no legado de políticas
públicas”. A prefeitura, segundo ele, estaria, com isso, negando os
efeitos perversos das remoções.
O
Comitê Popular da Copa e Olimpíadas identificou que pelo menos 4.120
famílias já foram removidas e outras 2.486 permanecem ameaçadas de
remoção, por motivos direta ou indiretamente relacionados às
intervenções do Projeto Olímpico.
Segurança
No
que se refere à política da ordem e da segurança, o dossiê assegura que
o Projeto Olímpico está muito associado à ideia de vender o Rio de
Janeiro como uma cidade segura, como ocorre internacionalmente nas
demais sedes dos Jogos Olímpicos. “Só que, na verdade, o projeto está
associado a um processo de grande violência junto aos territórios
populares, sobretudo aos jovens negros, que são as principais vítimas”. O
dossiê denuncia que a política de segurança para as Olimpíadas do Rio é
baseada na guerra, em extrema violência, na militarização e no racismo.
“Há uma política de genocídio, no sentido que a intervenção nas favelas
é tão violenta que está associada ao sistemático assassinato de jovens
negros”.
O documento mostra que essa forma de violência está
fundada nos autos de resistência. “Você tem semanalmente casos de
violência policial associada a essa política de segurança”, disse,
citando o recente extermínio, ocorrido na noite do dia 28 de novembro,
de cinco jovens de 16 a 25 anos, no bairro de Costa Barros, zona norte
do Rio.
De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública
(ISP), constantes no dossiê, o número de autos de resistência subiu de
381, em 2012, para 416, em 2013, no estado do Rio de Janeiro,
elevando-se para 584, no ano passado. Na primeira metade de 2015, o ISP
já registra 349 mortes.
Orçamento
O
dossiê faz um esforço para demonstrar que, ao contrário do que afirma a
prefeitura, as Olimpíadas envolvem mais gastos públicos do que privados.
O documento procura registrar gastos que não estão contabilizados pela
prefeitura, entre os quais contraprestações públicas vinculadas a
parcerias público-privadas (PPPs) do Porto Maravilha e do Parque
Olímpico.
“A
propaganda de que as Olimpíadas seriam puxadas na sua maior parte por
recursos privados só se sustenta com a omissão de gastos, com a
deturpação dos dados”. Por isso, o dossiê tenta mostrar que, na
realidade, o poder público é que está financiando o evento. Pelos
cálculos do governo, o setor público responde por gastos de R$ 16,46
bilhões com o evento esportivo, ou o correspondente a 42,6% do total de
R$ 38,67 bilhões, ficando o restante (R$ 22,21 bilhões), equivalente a
57,4% do total, com o setor privado.
Segundo o Comitê Popular, a
inclusão dos custos omitidos elevaria o orçamento dos Jogos para R$
39,12 bilhões, repartidos R$ 24,31 bilhões para o setor público (ou
62,1% do total), e R$ 14,81 bilhões (37,9%) para o setor privado.
Meio ambiente
Além
do descumprimento de um dos maiores compromissos assumidos para os
Jogos do Rio, que é a despoluição da Baía da Guanabara, o documento cita
o caso da construção do campo de golfe, que “envolve a destruição de
parte de uma área de preservação ambiental, o favorecimento de grandes
empreiteiras com o aumento do índice do potencial construtivo na Barra
da Tijuca em troca desse empreendimento. São escândalos ambientais
vinculados a intervenções das Olimpíadas”, afirma o professor do
Ippur-UFRJ.
O
golfe voltou a ser uma modalidade olímpica para a Rio 2016, depois de
112 anos fora dos Jogos. O documento destaca que apesar de o município
do Rio de Janeiro já ter dois campos de golfe que recebem provas
internacionais disputadas no Brasil, que são o Itanhangá Golf Club e o
Gávea Golf Club, a prefeitura decidiu construir mais um campo na cidade.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro questionou as
irregularidades ambientais referentes ao campo de golfe mas, apesar
disso, as obras continuaram e o campo foi inaugurado pelo prefeito
Eduardo Paes no último dia 22 de novembro.
Esportes
O
dossiê inclui vasto relatório sobre a questão dos esportes como
extensão das Olimpíadas. Para Orlando dos Santos Júnior, o evento não
vai deixar um legado de equipamentos esportivos para a cidade. “Muito
pelo contrário. Nós perdemos a oportunidade de recuperar o Estádio de
Remo. As estruturas vão ser provisórias”. Lembrou que o Estádio de
Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Júlio de Lamare vão
continuar fechados. “Você não tem espaço para treinamento dos atletas.
Tem uma oportunidade perdida de investimento em equipamentos
esportivos”, sustentou o pesquisador do Observatório das Metrópoles.
Além
dessas temáticas, o dossiê traz denúncias relacionadas, por exemplo, a
criança e adolescente, trabalho escravo, repressão a camelôs e a
prostitutas. “Vários grupos estão sofrendo os efeitos da repressão
promovida pelo governo municipal”. Segundo o coordenador, o dossiê é uma
tentativa de mostrar que esse Projeto Olímpico está, na verdade, a
serviço de um projeto de cidade excludente, na medida em que obras e
intervenções são feitas sem participação popular, com favorecimento a
grandes empreiteiras, “que são as mesmas”. Reiterou que os cariocas
estão perdendo a oportunidade de promover uma cidade mais justa, mais
integrada. “Nós estamos muito distantes de promover uma Olimpíadas da
integração social e estamos efetivamente vendo uma política de exclusão
social sendo implementada na cidade do Rio de Janeiro”.
Prefeitura do Rio de Janeiro
Procurada pela Agência Brasil,
a prefeitura do Rio encaminhou, por meio de sua assessoria de imprensa,
documento da Secretaria Municipal de Habitação e Cidadania, que
assegura que o município do Rio de Janeiro tem enfrentado, em seu
processo de transformação, o “desafio de implementar obras mexendo o
mínimo possível na rotina dos cariocas”.Isso inclui, por vezes, a
necessidade de desapropriação ou do reassentamento de famílias que morem
na área de influência de intervenções públicas, informou. Deixou claro,
entretanto, no tocante a remoções, que a administração municipal “não
utiliza o instrumento da remoção, quando as famílias são retiradas à
revelia do imóvel e não são dadas condições de transição para elas”.
A prefeitura não comentou as outras denúncias formuladas pelo dossiê.
A prefeitura não comentou as outras denúncias formuladas pelo dossiê.