De Esquerda.Net
O único caso
'oficial' de cancro é só o começo. Investigações indicam que centenas de outros
cancros têm sido e serão contraídos pela população local. Por Oliver Tickell,
CounterPunch
Fukushima - Foto de
Greg Webb/IAEA
O governo japonês declarou pela primeira vez que um
trabalhador da central nuclear de Fukushima desenvolveu cancro no processo de
descontaminação depois do desastre de 2011.
O homem trabalhou na central danificada por mais de um ano,
durante o qual foi exposto a 19.8 msv de radiação, quatro vezes o limite de
exposição japonês. Ele está com leucemia.
O ex-gerente de Fukushima, Masao Yoshida, também contraiu
cancro no esófago depois do desastre e morreu em 2013 – mas a dona e operadora
da central nuclear, Tepco, recusou-se a aceitar a responsabilidade, insistindo
que o cancro se desenvolveu muito rápido.
Outros três trabalhadores de Fukushima também contraíram
cancro mas ainda não tiveram os seus casos avaliados.
O desastre nuclear de Fukushima ocorreu depois do tsunami de
11 de março de 2011. Três de quatro reatores no local derreteram, nuvens de
radiação mortal foram libertadas seguidas de uma explosão de hidrogénio, e o
combustível nuclear derreteu os recipientes do reator de aço e afundou-se nas
fundações de betão.
A ponta de um iceberg
Mas o único caso “oficial” de cancro é só o começo. Novas
investigações científicas indicam que centenas de outros cancros têm sido e
serão contraídos pela população local.
Um número trinta vezes maior de cancro na tiroide foi
detetado entre mais de 400.000 jovens abaixo dos dezoito anos na área de
Fukushima.
De acordo com os cientistas, “a proporção da taxa de
incidência mais alta, usando um período de latência de quatro anos, foi
observada no distrito central da província, comparada com a incidência anual
japonesa.”
Numa primeira triagem de cancro na tiroide entre 298.577
jovens, quatro anos depois do desastre, o cancro ocorreu 50 vezes mais entre
aqueles nas áreas mais irradiadas, do que na população em geral, numa taxa de
605 por milhão de examinados.
Numa segunda ronda de triagem feita em 106.068 jovens,
conduzida em abril de 2014, em áreas menos irradiadas da província, o cancro
era doze vezes mais comum do que na população geral. O cancro na tiroide é
comummente desenvolvido como um resultado da exposição ao iodo radioativo 131,
um produto da fissão nuclear. Por que o iodo se concentra na glândula tiroide,
causando danos e até mesmo o cancro.
A exposição ao iodo 131 apresenta alto risco imediato no
rescaldo de um acidente nuclear devido à sua vida curta de 8 dias, o que faz
com que seja extremamente radioativo. É estimado que tenha composto 9.1% do
material radioativo libertado em Fukushima.
Existem muito mais casos a caminho!
Os autores do artigo notam que a incidência do cancro na
tiroide é alta por comparação com o desastre nuclear de Chernobyl em 1986 – e
alertam da possibilidade de muitos casos emergirem:
“Em conclusão, entre as idades de 18 anos e abaixo, em 2011,
aproximadamente um número trinta vezes maior em comparações externas e
variabilidade em comparações internas de deteção de cancro na tiroide foi
observado na província de Fukushima dentro de quatro anos depois do acidente na
central nuclear. Era improvável que o resultado fosse explicado pelo efeito da
triagem.”
“Em Chernobyl, a quantidade de cancro na tiroide tornou-se
mais marcante quatro ou cinco anos depois do acidente na Bielorrússia e
Ucrânia, o que nos alerta a prepararmo-nos para mais casos em potencial dentro
de poucos anos.”
Estudos científicos das vítimas de Chernobyl também descobriram que o risco de se desenvolver cancro na tiroide tem uma longa história – em outras palavras, não há diminuição significativa no risco, com o tempo, dentre as pessoas expostas ao iodo 131.
Estudos científicos das vítimas de Chernobyl também descobriram que o risco de se desenvolver cancro na tiroide tem uma longa história – em outras palavras, não há diminuição significativa no risco, com o tempo, dentre as pessoas expostas ao iodo 131.
De acordo com o Instituto Nacional do Cancro dos EUA, “os
investigadores não encontraram evidências, durante o período de tempo estudado,
que indicassem que o aumento do risco de cancro para aqueles que viveram na
área na época do acidente esteja a diminuir com o tempo.”
“No entanto, uma análise anterior, separada, de
sobreviventes de ataque por bomba atómica e indivíduos irradiados descobriu que
o risco de cancro começou a diminuir cerca de 30 anos depois da exposição, mas
que ainda estava elevado 40 anos depois. Os investigadores acreditam que um
acompanhamento contínuo dos participantes no estudo atual será necessário para
determinar quando a decaída no risco pode ocorrer.”
A OMS subestimou a libertação de
radiação de Fukushima?
Os autores do estudo sobre Fukushima também sugerem que a
quantidade de radiação libertada pode, de facto, ter sido maior do que a OMS e
outros estimam: “Para além, poderíamos deduzir a possibilidade de que as doses
de exposição para residentes foram maiores do que o relatório oficial ou a
estimativa da OMS, porque o número de casos de cancro na tiroide cresceu mais
rápido do que o esperado no relatório da Organização.”
Outra consideração – a qual os autores não abordam – é o
efeito das outras espécies radioativas emitidas no acidente, incluindo 17.5%
Césio-137 e 38.5% Césio-134. Esses emissores beta de vida mais longa (30 anos e
2 anos respetivamente) apresentam danos maiores a longo prazo pelo facto de o
elemento estar relacionado ao potássio e ser absorvido em biomassa e plantações
de alimento.
Ainda assim outro dano radioativo surge dos emissores alfa
de vida longa como o plutónio-239 (meia-vida 24.100 anos) o qual é difícil de
detetar. Até manchas em nano-escala de plutónio inalado entrando nos pulmões e
no sistema linfático podem causar cancro décadas depois do evento ao
continuamente queimar células e tecidos ao redor.
Artigo de Oliver Tickell, publicado em CounterPunch. Traduzido e publicado por Carta Maior