Do MPF
Para Janot, a divulgação do cadastro cumpre princípios
constitucionais da publicidade, transparência da ação governamental e do acesso
à informação
A divulgação da lista de empresas que tenham submetido
trabalhadores e trabalhadoras a condições análogas à de escravidão não fere a
Constituição. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o acesso
público às informações do cadastro garante o exercício da cidadania para
facilitar a cobrança de providências no cumprimento das normas trabalhistas e
para dar credibilidade e transparência às ações do poder público.
O entendimento do procurador-geral está no parecer enviado
ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela improcedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 5209) proposta pela Associação Brasileira de
Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). A ação questiona a Portaria
Interministerial 2/2011, do Ministério do Trabalho e Emprego em conjunto com a
ministra chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e
a Portaria MTE 540/2004, revogada pela portaria de 2011. As normas regulamentam
a inclusão e a exclusão no Cadastro de Empregadores que submetem pessoas a
condições análogas à de escravidão.
Para Janot, a norma “nada mais é do que instrumento
administrativo concebido para dar concretude aos princípios constitucionais da
publicidade, transparência da ação governamental e do acesso à informação”
(artigos 37, caput, e 5º, incisos XIV e XXXIII, da Constituição). Segundo ele,
trata-se unicamente de facilitar o acesso aos dados sobre empregadores e
empregadoras que tenham infringido a legislação trabalhista. As informações são
de interesse de agentes econômicos e de cidadãos e cidadãs.
De acordo com o parecer, a lei define como dever dos
órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimento,
divulgação em local de fácil acesso de informações de interesse coletivo ou
geral, sendo obrigatória a divulgação pela internet.
“Cuida-se, portanto, apenas de mecanismo destinado a
realizar as normas constitucionais sobre publicidade, transparência e acesso à
informação, que em nada contraria e em tudo cumpre os preceitos constitucionais
correspondentes”, argumenta o procurador-geral.
Rodrigo Janot ainda destaca convenções e tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário e que proíbem toda forma de
trabalho escravo ou forçado e obrigam a adoção de medidas eficazes para coibi-los.
“Partindo dessa premissa, não prospera a alegação de que a Portaria
Interministerial 2/2011 se fundamenta diretamente no texto constitucional, pois
há inúmeros acordos internacionais firmados pelo Brasil sobre o tema, aos quais
não se pode negar eficácia interna”, assinala.
Direito de defesa – Ao rebater o argumento da Abrainc
de que a norma contraria o devido processo legal, o contraditório e ampla
defesa, o procurador-geral explica que o nome da empresa é inserido no cadastro
somente após trânsito em julgado de decisão administrativa. Dessa forma, “há
plena possibilidade de exercício do direito de defesa no processo
administrativo dos autos de infração lavrados pelo MTE”, aponta. Ele explica
que a Portaria Interministerial MTE/SDH 2/2011 determina que “a divulgação de
qualquer autuação somente se dá após decisão final no procedimento
administrativo do auto de infração”.
Lista negra – De acordo com a ação, a norma
cria uma “lista negra” das empresas. Para o procurador-geral, a inclusão
na lista, por si, não representa penalidade, pois a divulgação dos nomes das
empresas que se valem de trabalho em condições análogas à de escravidão tem por
objetivo conferir publicidade às ações desenvolvidas pelo Ministério do
Trabalho e Emprego.
Janot sustenta que prejuízos de ordem moral que alguma
empresa incluída no cadastro possa ocasionalmente experimentar não são
justificativa plausível para sigilo dessas informações. Segundo ele, “estas se
revestem de inegável interesse público, seja como instrumento de prevenção desses
gravíssimos ilícitos, que atentam contra as liberdades mais fundamentais do ser
humano, seja para que outras empresas avaliem a conveniência de contratar com
aquelas, a fim de não alimentar os ciclo desumano de exploração encontrado pela
fiscalização do trabalho nesses casos”.
Por fim, o procurador-geral afirma que os direitos sociais
de trabalhadores e trabalhadoras possuem natureza transindividual, que integram
a esfera coletiva e social. Por esse motivo, explica, é “adequado e democrático
acesso público a tais informações, mediante cadastros nacionais que garantam
exercício da cidadania”.
Legitimidade da Abrainc - No parecer, Janot ainda opina pelo
não conhecimento da ação por entender que a Abrainc não possui legitimidade
ativa para instaurar ação direta de inconstitucionalidade, por ausência de
representatividade nacional.
O parecer será analisado pela ministra Carmén Lúcia,
relatora da ação no STF.