Por
Mauro Santayana
(Do
Blog) - A propósito do incidente ocorrido na porta de uma delegacia da Zona
Leste de São Paulo, na madrugada de quarta-feira, a imprensa chama a atenção
para o "agravamento da rixa" entre policiais civis e militares de São
Paulo.
A
questão por trás do fato não é essa, mas sim o que se seguiu a um primeiro
gesto, emblemático, de um delegado de polícia, no sentido de fazer valer a lei
e combater a tortura, que é crime hediondo, dando voz de prisão, em flagrante,
a um sargento da PM, acusado de dar uma série de choques em um suspeito de
roubo dentro da viatura a caminho da delegacia, e a reação de um bando de
PMs, em sua defesa, que foi, na verdade, a defesa da parte mais visível de um
gigantesco iceberg de cultura da violência e do genocídio, caracterizado pela
onipotência dos agentes de segurança no Brasil, que se acham no direito de
tratar, como a um animal de caça ou de sua propriedade, qualquer pessoa
que venha a cair sob sua custódia, em uma situação de
"trabalho".
Chama
a atenção, também, o fato de que, na Câmara dos Deputados, circulem projetos
destinados a dar à PM poder de investigação, e que, por iniciativa do
Secretário de Segurança de SP, Alexandre de Moraes, pms estejam sendo
dispensados de aguardar, em casos mais simples, a conclusão de Boletins
de Ocorrência por parte de delegados.
Ora,
o que o Brasil precisa não é de uma legislação que divida ainda mais as
diferentes polícias, dando mais poder a cada uma delas, mas de uma nova
polícia, unificada, judiciária, com a presença de um juiz em cada delegacia,
para que se proceda à audiência de custódia, no momento do encaminhamento
do preso pelos agentes responsáveis pela prisão, com o rígido cumprimento
do exame de corpo de delito.
Como
é simplesmente impossível, diante de fatos como esse, unificar as
polícias já existentes em todos os estados, deveria ser criada, por decreto,
essa nova polícia, responsável pelo policiamento ostensivo - nos primeiros anos
de carreira - e depois, pela investigação, a partir da estruturação de um novo
sistema acadêmico, com uma nova filosofia, baseada, fundamentalmente, no mais
estrito cumprimento da lei, e suspender a realização de concursos para a
Polícia Civil e Militar, até que estas viessem a se extinguir naturalmente, em
uma geração, sendo progressivamente substituídas em suas atribuições, por essa
nova força.
No
intervalo, poder-se-ia avançar na federalização dos crimes de tortura,
sejam esses cometidos por policiais ou por bandidos, a cargo da Polícia
Federal, e, se isso não for possível, na criação de delegacias específicas para
a investigação desses delitos, com a presença - aí, sim, mista - de membros das
corregedorias da Polícia Civil e da Militar, em todos os estados.
Sejamos
claros. O que ocorreu em São Paulo não foi uma "rixa". Foi uma
tentativa, combatida pelo mais reles corporativismo, de se fazer cumprir a Lei
e a Constituição. Um corporativismo cada vez mais desatado e incontrolável, que
ameaça a sociedade e o Estado de Direito como um todo e que deveria ser
enfrentado de frente, com coragem e com mão firme, e não da forma covarde,
escorregadia e ambígua, demonstrada, na entrevista que se seguiu ao
"incidente", pelas autoridades do Estado.