Do TRT 10ª Região
Por terceirizar os serviços de técnicos e auxiliares de
radiologia, diagnóstico por imagem e fisioterapia, o Hospital Santa Lúcia S/A
foi condenado pela Justiça do Trabalho a pagar indenização por danos morais
coletivos no valor de R$ 2 milhões, além de ficar proibido de celebrar novos
contratos de prestação de serviços com empresas fornecedoras de mão de obra
para essas três áreas. A empresa terá 90 dias para registrar como seus
funcionários os profissionais técnicos e auxiliares dessas áreas que prestam
serviços por meio de empresas terceirizadas.
A decisão foi tomada pelo juiz Ricardo Machado Lourenço
Filho, em exercício na 10ª Vara do Trabalho de Brasília, nos autos de Ação
Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) da 10ª Região para
contestar a terceirização, pelo hospital, dos serviços de radiologia (técnicos
e auxiliares), de diagnóstico por imagem e de fisioterapia. De acordo com o
MPT, a terceirização é ilegal, uma vez que essas atividades são complementares
e afins à atividade fim da instituição: a assistência médica hospitalar. O
hospital rebateu as acusações e disse não haver precarização da relação de
trabalho. Salientou que os profissionais em questão auferem remuneração
substancialmente maior que qualquer trabalhador assalariado que desenvolvesse
as mesmas atividades.
Pessoas jurídicas
Em sua sentença, o magistrado salientou que, no tocante à
área de radioterapia do Santa Lúcia, prova constante dos autos revela que
todos os técnicos são sócios de pessoas jurídicas contratadas pelo Hospital. Na
verdade, as pessoas jurídicas que se sucedem na prestação de serviços ao
Santa Lúcia são a mesma pessoa jurídica, com modificação apenas na denominação
social. “Tal elemento evidencia que a vinculação dos trabalhadores era, de
fato, com o Hospital, e não com a pessoa jurídica intermediadora”.
As pessoas jurídicas eram constituídas tão somente para
prestar serviços ao Hospital. Eram apenas artifícios para firmar a relação
entre o profissional e o Hospital, frisou o magistrado. De acordo com ele, a
atividade social do Hospital é a prestação de serviços de assistência
médico-hospitalar, bem como de serviços complementares e afins – como são as
atividades de radiologia e fisioterapia. E os elementos dos autos evidenciam
que o Santa Lúcia utiliza mão de obra intermediada por pessoas jurídicas, com
as quais celebra contrato de prestação de serviços, para realizar essa parte de
sua atividade social.
“A hipótese dos autos demonstra a ocorrência de
terceirização irregular de serviços. É certo que se trata de terceirização
diferente da tradicional. Nessa última, o empregado é contratado por uma
empresa prestadora, que se encarrega de disponibilizar a mão de obra à tomadora
dos serviços. No caso presente, os trabalhadores – os profissionais técnicos e
auxiliares de radiologia e diagnóstico por imagem e de fisioterapia – são
sócios da empresa que é contratada pelo tomador dos serviços – isto é, o réu. É
a chamada 'pejotização'”, asseverou o juiz, para quem a consequência, no caso,
é a mesma: a fraude à legislação trabalhista.
De acordo com o magistrado, o que restringe a
terceirização não é apenas a atribuição causal – de todo complicada – da
precarização do trabalho, mas, sim, o princípio constitucional de que o
trabalho não é mercadoria. “E a mercantilização do labor, no caso dos autos, é
evidenciada, em especial no fato de que os profissionais não estabelecem,
efetivamente, uma relação com a pessoa jurídica que supostamente integram, mas
sim com o Hospital. Tanto que a mudança da pessoa jurídica gera mudança de
sociedade, mantendo-se, porém, a prestação dos serviços ao Hospital”.
Maiores salários
O empregador que utiliza a fraude à legislação trabalhista
como artifício para remuneração mais alta de profissionais – como na hipótese
dos autos – contraria os princípios e as regras do ordenamento jurídico, entre
os quais, o de que a propriedade (no caso, a empresa) deve atender a sua função
social (art. 5º, inciso XXII, da Constituição). O que não pode ser aceito é que
o pagamento de salário mais elevado esteja condicionado à supressão e à
inobservância de direitos trabalhistas – como no caso, revelou o juiz.
“A prática evidenciada na espécie demonstra, em última
análise, uma deturpação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,
o que não pode ser admitido. Se o réu pretende explorar os serviços de
assistência médico-hospitalar deve fazê-lo de maneira a remunerar os
profissionais contratados de acordo com o valor do seu trabalho”.
Condenação
O magistrado condenou o Hospital a abster-se de celebrar
novos contratos de prestação de serviços com empresas fornecedoras de mão de
obra de técnicos e de auxiliares de radiologia e diagnóstico por imagem e de
fisioterapia. O Santa Lúcia deverá, ainda, no prazo de 90 dias, a contar do
trânsito em julgado, registrar como seus empregados, sob o regime da
Consolidação das Leis do Trabalho, os profissionais técnicos e auxiliares de
radiologia e diagnóstico por imagem e de fisioterapia que lhe prestam serviços atualmente
e os que eventualmente venham a suceder a esses profissionais no curso da ação.
Em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas será aplicada
multa de R$ 4 mil por dia por trabalhador encontrado em situação irregular, a
ser revertida a instituto de interesse social indicado pelo MPT, ou ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT).
Danos morais
Por considerar que a conduta da empresa violou diversos
princípios consagrados no ordenamento jurídico brasileiro, como os dos valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa, a proteção consagrada ao trabalho e
o de que o trabalho não é mercadoria, o magistrado condenou o Hospital Santa
Lúcia a pagar indenização, a título de danos morais coletivos, no valor de R$ 2
milhões, também a ser revertido a instituto de interesse social indicado pelo
MPT ou ao FAT.
Processo nº 0000601-84.2014.5.10.010