Terça, 13 de setembro de 2016
Luciano Nascimento - da Agência Brasil
O
plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira (12) por
450 a favor, 10 contra e 9 abstenções a cassação do mandato do deputado
afastado Eduardo Cunha. A medida põe fim a um dos mais longos processos
a tramitar no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que se
arrastava por 11 meses e interrompe o mandato de um dos políticos mais
controvertidos dos últimos anos. Com o resultado, Cunha perde o mandato
de deputado e fica inelegível por oito anos, mais o tempo que lhe resta
da atual legislatura.
A sessão que culminou com a cassação do
mandato de Cunha começou por volta das 19h, mas foi suspensa poucos
minutos depois pelo presidente da Casa Rodrigo Maia (DEM-RJ), que
esperava maior quórum e retomada pouco depois das 20h. Na retomada
falaram o relator do processo no Conselho de Ética, Marcos Rogério
(DEM-RO), o advogado de Cunha, Marcelo Nobre, e o própro deputado
afastado.
Rogério rebateu argumentos da defesa e de aliados de
Cunha, segundo os quais o fato de ele ter mentido sobre a existência de
contas no exterior em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) da Petrobras é um crime de menor gravidade. O relator acusou Cunha
de ter faltado com a ética e o decoro parlamentar ao utilizar de
manobras para postergar o processo. O relator disse que Eduardo Cunha
omitiu, ao longo de anos, da Câmara dos Deputados e nas sucessivas
declarações de renda, a propriedade de milhões de dólares em contas no
exterior.
O
advogado de defesa de Cunha disse que o parlamentar está sendo
submetido a um linchamento e que o parecer do Conselho de Ética que pede
a cassação do mandato do peemedebista não conseguiu a prova material da
existência de contas no exterior. Já Eduardo Cunha disse que o processo
contra ele, que pode resultar na cassação do seu mandato, é de natureza
política e não tem provas. Ao fazer sua própria defesa no plenário da
Câmara, Cunha atacou o governo do PT, disse que está sendo perseguido e
que o processo é uma “vingança”. "Eu estou pagando o preço de ter o meu
mandato cassado por ter dado continuidade ao processo de impeachment. É o preço que eu estou pagando para o Brasil ficar livre do PT", disse o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Aliados
de Cunha tentaram até o fim uma última manobra. O deputado Carlso Marin
(PDB-RS) apresentou uma questão de ordem para que fosse votado um
projeto de resolução no lugar do parecer do Conselho de Ética, o que
poderia resultar numa pena mais branda, como a suspensão de mandato. A
iniciativa foi indeferida por Maia. Segundo o presidente da Câmara, os
deputados iriam votar, como fizeram, o parecer do Conselho de Ética,
pois o projeto de resolução “não é objeto de deliberação do plenário,
assim não é possível receber emendas, fazer destaque em matérias
constantes dos autos”, disse.
Marun ainda tentou recorrer da
decisão e pedir a suspensão da sessão, mas o pedido não recebeu apoio do
plenário. Diante do resultado Maia deu seguimento à sessão com as falas
dos deputados inscritos. Depois que quatro parlamentares se
manifestarem, dois a favor e dois contra, os deputados aprovaram um
requerimento pelo encerramento da discussão. Durante todo o processo de
votação, Cunha permaneceu em frente à Mesa, conversando com deputados.
Na
noite desta segunda-feira, os deputados aprovaram o parecer do Conselho
de Ética que pediu a cassação do mandato de Cunha por ele ter mentido
durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da
Petrobras sobre ter contas secretas na Suíça que teriam recebido
dinheiro do esquema de pagamento de propina envolvendo a Petrobras e
investigado na operação Lava Jato.
Nega ter contas
Durante
todo o processo, Cunha negou que ser o proprietário de quatro contas no
exterior apontadas pela Procuradoria-Geral da República como sendo dele
e de seus familiares. Cunha disse que apenas tem trustes, tipo de
negócio em que terceiros passam a administrar bens do contratante, e que
os valores têm origem em operações comerciais e no mercado financeiro,
como a venda de carne enlatada para países da África.
Segundo o
relatório aprovado no Conselho de Ética, de autoria do deputado Marcos
Rogério (DEM-RO), os trustes foram usados pelo presidente afastado da
Câmara para ocultar patrimônio mantido fora do país e receber propina de
contratos da Petrobras. O deputado diz no parecer que Cunha constituiu
os trustes no exterior para viabilizar a "prática de crimes".
Trajetória
Eleito
para a presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2015 por 267
votos, derrotando em primeiro turno o candidato do governo Dilma,
Arlindo Chinaglia (PT-SP) que obteve 136 votos, Cunha teve a sua
trajetória marcada pelo aparecimento de que atuava como lobista no
esquema de corrupção envolvendo a Petrobras e também duro embate que
promoveu contra o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff.
Com
uma campanha montada em cima da insatisfação da base aliada do governo,
Cunha, após a sua eleição, começou um processo de distanciamento e
enfrentamento com o governo. A tensão crescente resultou, em julho,
daquele ano no anúncio do seu rompimento com o governo Dilma Rousseff.
Na ocasião Cunha disse que passaria a integrar as fileiras da oposição.
Ele também começou a trabalhar para que o PMDB tomasse a mesma postura.
Operação Lava Jato
O
anúncio do rompimento ocorreu em meio a escalada das denúncias que
levaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a incluir o nome
de Cunha em uma lista com o nome de políticos suspeitos de integrarem o
esquema de corrupção e pagamento de propina envolvendo a Petrobras e
investigado na Operação Lava Jato.
Entre as denúncias estava a
feita pelo ex-consultor da empresa Toyo Setal Júlio Camargo que relatou à
Justiça Federal do Paraná que Cunha lhe pediu propina de US$ 5 milhões.
Cunha acusou o Palácio Planalto de ter se articulado para incriminá-lo.
Embasado pela PGR
Em
razão das novas denúncias, o PSOL e a Rede protocolam, no dia 13 de
outubro de 2015, uma representação contra Cunha no Conselho de Ética.
Além dos dois partidos, o documento foi endossado por parlamentares do
PT, PSOL, PSB, PPS, PROS e do PMDB.
A representação foi
fundamentada em documento enviado ao PSOL pela Procuradoria-Geral da
República (PGR), após um pedido formal do partido. Os papéis já
apontavam a titularidade de Cunha nas contas bancárias secretas na
Suíça. Os partidos pediam a cassação do mandato dizendo que Cunha mentiu
em depoimento à CPI da Petrobras, em março, quando negou que tivesse
contas no exterior. Na declaração enviada à Justiça Eleitoral em 2014,
Cunha também não informou ter contas no exterior, apenas uma no Banco
Itaú.
Após uma série de manobras que atrasaram o trabalho do
colegiado, em 15 de dezembro, o Conselho de Ética, por votação de onze
deputados a nove, autorizou o prosseguimento das investigações. A
decisão ocorreu horas depois da Polícia Federal ter feito a Operação
Catilinárias, cujo alvo foi o próprio Cunha.
Manobras
Posteriormente,
outra manobra de Cunha levou ao afastamento do então relator, Fausto
Pinato (PP-SP), em abril de 2016. Pinato renunciou à vaga de membro
titular no Conselho de Ética alegando que o motivo foi porque o lugar
pertencia ao PRB, partido que Pinato deixou para migrar para o PP. A
deputada Tia Eron (PRB-BA) foi alçada ao posto de integrante do
colegiado no lugar de Pinato.
Com a saída de Pinato, o deputado
Marcos Rogério (DEM-RO) assumiu a relatoria do processo contra Cunha que
praticamente retornou à estaca zero, tendo sido concluído somente em 14
de junho de 2015 quando o colegiado aprovou o parecer pela cassação do
mandato do peemedebista.
Impeachment
Em 3
de dezembro de 2015, horas depois do PT retirar o apoio a Eduardo Cunha
no Conselho de Ética, Cunha aceitou um dos pedidos de impeachment apresentados contra Dilma. O gesto foi apontado por petistas como uma clara retaliação pela perda do apoio no Conselho de Ética.
Em
abril, Cunha presidiu a polêmica sessão do Plenário da Câmara, feita em
um domingo (17), que decidiu pela autorização para ter prosseguimento
no Senado o processo de impeachment de Dilma. Com uma duração
de 9 horas e 47 minutos, a sessão terminou com o placar de 367 votos
favoráveis e 137 contrários à continuidade do processo.
Em maio,
Cunha foi afastado do mandato e, consequentemente, da presidência da
Câmara pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em decisão unânime, os
ministros seguiram o voto do ministro Teori Zavaski, relator da Operação
Lava Jato, que acolheu o pedido da PGR, de dezembro de 2015, pedindo o
afastamento de Cunha.
"Além de representar risco para as
investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, [a
permanência de Cunha] é um pejorativo que conspira contra a própria
dignidade da instituição por ele liderada", escreveu Teori. O ministro
também disse que o deputado "não tem condições pessoais mínimas" para
ser presidente da Câmara pois "não se qualifica" para eventualmente
substituir o presidente da República.
Processos
Com
a cassação do mandato e o fim do foro privilegiado, os dois processos
contra Cunha que tramitam no STF devem ser transferiados para a Justiça
Federal no Paraná e ficarão à cargo do juiz Sergio Moro, responsável
pela Lava Jato na primera instância.
Na
primeira denúncia, feita pela Procuradoria-Geral da República em agosto
do ano passado, Cunha é acusado de cometer os crimes de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro. A acusação é de que o ex-deputado teria
recebido US$ 5 milhões de propina relativa a dois contratos de
navios-sonda da Petrobras.
A segunda denúncia trata do suposto
recebimento de propina em contas secretas na Suíça. Segundo as
investigações Cunha teria recebido 1,3 milhão de francos suíços de
propina, o equivalente, à época, a R$ 2,4 milhões por atuar na
aquisição, pela Petrobras, de um campo de petróleo na costa do Benin, na
África, em 2011, por US$ 34 milhões (cerca de R$ 58 milhões, à época).
Por essa denúncia ele é réu pelos crimes de corrupção passiva, lavagem
de dinheiro, evasão de divisas e falsidade ideológica com fins
eleitorais.
Prestes a completar 58 anos, Cunha que foi ao longo
de quase dois anos um dos principais políticos do país, pode sumir do
cenário político de Brasília de forma meteórica. Isso porque a Lei da
Ficha Limpa prevê que, em caso de perda de mandato, o político fique
inelegível por oito anos, além do tempo restante para o fim do mandato.