Quarta, 21 de setembro de 2016
Do Saúde Popular
Image: Arquivo/ABR
19/09/2016
Para Victor Pelaez, da UFPR, união de gigantes dos agrotóxicos e
dos transgênicos vai ampliar negócios e lucros em países sem restrições a
essas tecnologias, apesar dos riscos humanos e ambientais
por Cida de Oliveira, da Rede Brasil Atual
Caso as mais de 30 agências regulatórias de todo o mundo aprovem a
operação de fusão entre as gigantes da indústria química Bayer e
Monsanto, anunciada semana passada, a nova companhia será a maior do
ramo de insumos agrícolas do mundo. Para o Brasil, que se consolidou
como maior consumidor de agrotóxicos do mundo e tem um frágil marco
regulatório, a transação bilionária representa aumento do risco de
insegurança alimentar principalmente quando avançam no Congresso
projetos que afrouxam a legislação em vigor. O alerta é do professor
Victor Pelaez, do programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas
da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“No país, a produção e o consumo de agrotóxicos seguem ditames
capitalistas da chamada Revolução Verde, dos anos 1960, segundo os quais
somente com a utilização intensiva desses insumos é possível alimentar a
população mundial, quando sabemos que é por meio da distribuição de
renda. Além disso, o país prioriza o incremento da produção por meio do
agronegócio, que utiliza largamente agroquímicos e sementes
transgênicas, relegando a preservação da saúde humana e do meio ambiente
como entraves para o desenvolvimento”, disse. “Nos países
desenvolvidos, saúde e meio ambiente estão integrados no padrão de
consumo.”
O portfólio de produtos da Bayer para a agricultura inclui 26
inseticidas, dois herbicidas e um fungicida. A norte-americana Monsanto
produz sementes convencionais – sendo dois cultivares de soja, três de
milho e um de algodão – e as transgênicas. Nessa categoria estão um
cultivar de soja, seis de milho e quatro de algodão. A empresa ainda
fabrica o herbicida Roundup, à base de glifosato, o mais vendido em todo
o mundo.
Para a Bayer, a fusão significa mais acesso a sementes, inclusive
transgênicas, de soja e trigo. Para a Monsanto, é completar sua linha de
produtos com mais de 80 agroquímicos hoje produzidos pela alemã.
Não é a toa que esses conglomerados, além da Basf, Dow e Du Pont,
maiores fabricantes de agroquímicos do mundo, vêm adquirindo empresas de
sementes nos últimos anos. Além de reduzir o custo de produção de itens
diferentes quando se trata de uma mesma companhia – a chamada economia
de escopo –, a empresa ganha também ao vendê-los para o mesmo cliente
por meio de supostas facilidades.
É o que acontece quando o produtor rural compra sementes e
agroquímicos do mesmo fabricante acreditando estar economizando. Em
geral, porém, o desconto no preço da semente está embutido no preço do
agrotóxico.
“Perfeita” como arroz e feijão, essa combinação vai reconfigurar o
mercado mundial de sementes e agrotóxicos, concentrando o mercado,
definindo preços, aumentando lucros e dividendos para os acionistas. E
para isso, deverá redefinir estratégias de venda voltadas às
especificidades dos países. No Brasil, por exemplo, há avanço de
projetos de lei que afrouxam a legislação vigente, permitindo maior
utilização de agroquímicos.
Desde 2009, a agricultura nacional – sobretudo com o agronegócio –
transformou o país no maior consumidor mundial, que consome em média um
milhão de toneladas de agrotóxicos por ano. Algo em torno de 5,2 quilos
de veneno por habitante, muito mais do que os 1,8 quilos por habitante
consumidos em 2012 nos Estados Unidos. O aumento do consumo no país, que
na última década foi de 190%, deve-se principalmente à utilização
crescente das sementes transgênicas, que produzem plantas capazes de
sobreviver mesmo com banhos de veneno cada vez maiores e mais tóxicos.
Quanto maior o consumo dessas tecnologias, menor a segurança
alimentar. De acordo com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea), o uso de agrotóxicos é uma das mais graves e
persistentes violações do direito humano à alimentação adequada no
Brasil porque impede o acesso da população a alimentos livres de veneno e
saudáveis.
Para o Consea, ao consumir alimento contaminado, a população não tem
acesso a alimentos saudáveis e seguros, ficando exposta aos riscos de
desenvolvimento de várias doenças, como diversos tipos de câncer,
distúrbios endocrinológicos, neurológicos e mentais, além de mais
chances de malformação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e
mentais.
Sem contar que as autoridades de saúde do país consideram “limites
seguros”, que ignoram os efeitos da combinação de vários agrotóxicos
ingeridos em uma mesma refeição ou ao longo do mesmo dia.
Ameaçadores
Victor Pelaez lembra que, na União Europeia (UE), vigora desde 2011
um marco regulatório do setor com regras mais rígidas. A aprovação dos
produtos está baseada na análise do perigo. Formulações associadas ao
desenvolvimento de câncer, malformações congênitas ou alterações
endócrinas e neurológicas estão proibidas independentemente da dosagem. A
lista de substâncias sujeitas a serem banidas inclui 57 ingredientes
ativos, empregados em centenas de produtos.
“Isso terá efeitos significativos sobre estratégias de investimentos,
que deverão ser voltados para a América do Norte, Àsia e América
Latina”, disse.
Segundo ele, até 2014 a Anvisa tinha cerca de 1.500 pedidos de
autorização para produtos, 20% deles a base de substâncias passíveis de
banimento na UE. Usá-las no Brasil significa riscos de barreiras
técnicas comerciais aos produtos exportados para lá.
Como exemplo, o professor lembrou um caso ocorrido em 2011, quando
cinco cargas de suco de laranja brasileiro foram barradas nos Estados
Unidos por causa da utilização, no cultivo da fruta, de um fungicida em
taxas acima do limite permitido.
Enquanto países como o Brasil estiverem comprando esses agrotóxicos,
os fabricantes vão vendendo e continuam lucrando com princípios ativos
antigos. Os agroquímicos são produzidos principalmente a partir de
derivados de petróleo e outras substâncias encontradas na natureza, como
cloro, enxofre, nitrogênio, bromo e fósforo. O glifosato é feito com
fósforo amarelo, com grandes jazidas na China e nos Estados Unidos – daí
empresas chinesas e a Monsanto se beneficiarem.
“Porém, eles sabem que vai chegar a hora em que vão ter de tirar
esses produtos do mercado. Por isso já pesquisam a transição da
tecnologia química para a biológica, os biopesticidas, em que estão
identificando micro-organismos capazes de combater doenças”, diz Victor.
Segundo ele, os estudos começaram há mais de dez anos e já foram
desenvolvidos pesticidas microbiais, que consistem em microrganismos;
pesticidas bioquímicos, a partir de substâncias encontradas na natureza,
que agem por meio de mecanismos não tóxicos, e pesticidas produzidos
pelas próprias plantas a partir de genes nelas implantados.
Muitas dessas pesquisas são realizadas por meio de acordo entre
Monsanto, Syngenta, Dow e Du Pont com empresas da área de biotecnologia,
como Preceres, Novozymes, Marina Biotech, Alnylam, Plant Response
Biotech, Radiant Genomics e Caribou.
Os biopesticidas teriam como vantagens menor toxicidade que os
agroquímicos e uma suposta maior seletividade no combate aos alvos
biológicos indesejados. Além disso, teriam maior eficácia em
concentrações menores, decomposição em menos tempo e efeitos adversos ao
meio ambiente mais brandos.
Não é coincidência o avanço de projetos de lei polêmicos, como o da
reforma da Lei de Patentes brasileira. É o caso do PL 4.961/2005, de
autoria de Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), que pretende autorizar que
substâncias extraídas de seres vivos e materiais biológicos sejam
patenteadas.