Sexta, 21 de outubro de 2016
Do Saúde Popular
Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil
21/10/2016
O Brasil de Fato dá panorama da situação dos hospitais controlados por Organizações Sociais (OSs) no estado e na capital
por Fania Rodrigues, do Brasil de Fato
Desde que Organizações Sociais (OSs) passaram a administrar a saúde
pública no Rio de Janeiro, o sindicato da categoria denuncia a má gestão
dos recursos públicos. Esse cenário ficou ainda mais complicado após o
governador em exercício, Francisco Dornelles (PP), decretar “estado de
calamidade” em junho. Segundo os trabalhadores, os atrasos nos salários
são frequentes e falta todo tipo de materiais hospitalares.
A conjuntura enfrentada pelo setor pode ser ilustrada pelo caso do
Hospital Estadual Getúlio Vargas, o maior hospital da zona norte do Rio,
especializado em ortopedia. Os trabalhadores ficaram dois meses sem
receber e na primeira semana de outubro todas as cirurgias foram
canceladas. Estão mantidos apenas os atendimentos de emergência.
A técnica de enfermagem Cíntia Ferreira, que trabalha no centro
cirúrgico, detalhou ao Brasil de Fato as dificuldades enfrentadas no dia
a dia no Hospital Getúlio Vargas. “As cirurgias estão sendo canceladas
por falta de materiais, medicamentos e até anestesia. A gente está
lidando com vidas e a empresa que administra o hospital, a OS Pró Saúde,
não assume a suas responsabilidades”, critica a funcionária.
Atrasos
Com sucessivos atrasos nos salários desde dezembro do ano passado, os
trabalhadores estão se organizando para realizar uma paralisação em
protesto. Além disso, segundo Cíntia, a empresa desconta, todos os
meses, “indevidamente supostas horas não trabalhadas”. Como se o
funcionário tivesse faltado ou chegado atrasado. “Mês passado
descontaram 60 horas do meu salário, questionei os descontos, mas daí
eles só pagam no mês seguinte. Fizeram isso com todos os funcionários da
enfermagem. Fazem isso para não pagar o salário integral e assim vão
rolando os pagamentos”, denuncia.
Os atrasos nos salários começaram em dezembro do ano passado, de
acordo com a trabalhadora. “De lá para cá também aumentou a perseguição a
funcionários, quando a gente tenta organizar paralisações começam a nos
coagir”, afirma Cíntia. Ela conta que no mês passado o equipamento que
esteriliza ferramentas cirúrgicas quebrou e um técnico de enfermagem foi
enviado a outro hospital para fazer a esterilização, em um carro do
Uber. “Isso é ilegal. Primeiro que um funcionário não pode sair pela
cidade com ferramentas cirúrgicas e ainda por cima contaminadas.
Segundo, que isso tem que ter um transporte especializado, seguro para
esse tipo de material, que oferece riscos à população e que também pode
ser danificado”, aponta.
Descaso
A situação de calamidade também afetou outras três unidades do Rio de
Janeiro. Os hospitais estaduais Azevedo Lima e Ary Parreiras, em
Niterói, e o Eduardo Rabelo, em Campo Grande, na zona oeste, estão em
greve (parcial) desde o dia 8 de setembro. “Há vidas em risco por falta
de atendimento, de medicamentos e, muitas vezes, por falta de preparo
dos profissionais. Como as OSs não pagam em dia, há uma alta
rotatividade de médicos e enfermeiros”, explica Clara Fonseca,
presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e
Previdência (Sindisprev-RJ).
A sindicalista diz ainda que há um clima de insatisfação generalizado
dos funcionários das OS. “Essas situações de descaso com a saúde e
perseguição a funcionários se repetem em todos os hospitais
administrados por organizações sociais”, critica. Os atrasos nos
salários viraram um modelo de negócio, segundo Clara. “As empresas
voltaram ao tempo da escravidão. Funcionários estão trabalhando sem
receber. Elas contratam, as pessoas trabalham um ou dois meses, não
recebem e vão embora. E novas pessoas são contratadas, e assim se forma
um ciclo vicioso”, aponta.
Já em São Gonçalo, no Hospital Estadual Alberto Torres o relato é de
falta de materiais e medicamentos para o setor de emergência. “A
emergência está zerada, não tem materiais. Estão fazendo curativo com
fraldas”, afirma Clara Fonseca.
A Secretaria Estadual de Saúde ignorou as perguntas feitas pelo
Brasil de Fato sobre as denúncias de má gestão da Organização Social Pró
Saúde, que administra o Hospital Estadual Getúlio Vargas. A secretaria
informou apenas que fez o repasse dos recursos em outubro e a direção da
OS informou que os salários estão quitados e as unidades em
funcionamento.
A assessoria do secretário Luiz Antônio Teixeira Jr. afirma que desde
janeiro foram realizados cortes nas despesas da pasta que já totalizam
cerca de R$ 1,4 bilhão anual. “Desde o início do ano, a Secretaria vem
trabalhando com cerca de 40% do orçamento estadual previsto para a
pasta, conforme a disponibilização de recursos liberados pela Secretaria
de Fazenda”, explica a nota.
Quanto ao Hospital Estadual Eduardo Rabelo, ao Azevedo Lima e ao
Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras, as Organizações
Sociais negaram que haja desassistência aos pacientes internados e nem
aos ambulatoriais.
Crise na capital
No município do Rio de Janeiro, a situação não é melhor. Na zona
oeste, o Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, também
diminuiu a número de leitos, segundo a presidente do Sindisprev-RJ.
Em Campo Grande, desde que a administração do Hospital Rocha Faria
foi assumida pela Organização Social de Saúde Hospital e Maternidade
Therezinha de Jesus (OSS HMTJ), em janeiro desse ano, o hospital vem
perdendo sua capacidade de atendimento. A sindicalista afirma que depois
de passar por reforma de cerca de R$ 17,4 milhões, o Rocha Faria foi
reinaugurado com em julho desse ano, com 100 leitos a menos.
“Também acabaram com iniciativas importantes, como o programa de
laqueadura e vasectomia, assim como o de prevenção da Aids”, aponta a
presidente Clara Fonseca, Sindisprev-RJ. Ela também foi funcionária do
Rocha Faria e afirma que a superlotação do hospital é outro problema
antigo. “Já chegaram a acomodar 70 pacientes internados em salas de
leitos com capacidade para 16 pessoas. Homens misturados com mulheres”,
relata.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde reconheceu que Hospital
Rocha Faria foi inaugurado com 100 leitos a menos já que enfermarias
foram reformadas e a oferta de leitos foi adequada à capacidade
instalada da unidade e às normas sanitárias vigentes. Segundo a
assessoria de imprensa, o Rocha Faria continua oferecendo programa de
laqueadura e, antes de se tornar municipal, já não contava com programa
de vasectomia ou de prevenção da Aids.
A secretaria também negou que o Hospital Municipal Rocha Faria (HMRF)
tenha pacientes internados em corredores. “O cenário de superlotação
descrito pela sindicalista era comum no antigo Hospital Estadual Rocha
Faria, de cujo quadro profissional ela fez parte”, afirmou a assessoria,
em nota.
Sobre o Hospital Municipal Albert Schweitzer (HMAS), a secretaria
afirmou que unidade continua ofertando os mesmos nove leitos de terapia
intensiva pediátrica, exatamente como antes da municipalização.