Sábado, 22 de outubro de 2016
Do MPF
Para Janot, norma afronta princípio da educação democrática e plural, além de restringir a liberdade de consciência
O procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, defendeu, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a
inconstitucionalidade da lei de Alagoas que criou o programa "Escola
Livre", na rede estadual de ensino. O programa proíbe condutas de
professores ou de membros da administração que induzam opiniões
político-partidárias, religiosa ou filosófica ou que contrariem
convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus
pais ou responsáveis. A lei prevê, ainda, punição para aqueles que
descumprirem as normas.
A manifestação foi feita nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.537 e nº 5.580, ajuizadas por confederações de trabalhadores da educação contra a Lei 7.800/2016 de Alagoas. Para o PGR, a norma afronta os princípios constitucionais de educação democrática e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, assim como a liberdade de consciência dos estudantes. "A proteção constitucional à livre consciência é incompatível com qualquer forma de censura prévia", destaca Janot no parecer. Ele argumenta que, ao pretender cercear a discussão no ambiente escolar, "a norma contraria princípios conformadores da educação brasileira, em especial as liberdades constitucionais de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber".
Ao STF, o PGR lembra que a
atividade de ensino não é uma via de mão única, e que a educação é um
direito fundamental dos cidadãos, sendo dever do Estado provê-la de
forma a garantir o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o
exercício da cidadania, o que abrange o respeito à diversidade
religiosa, política, cultural e étnica. Para ele, a lei alagoana, ao
restringir o debate nas escolas, "despreza a capacidade reflexiva dos alunos, como se eles fossem apenas sujeitos passivos do processo de aprendizagem". "Tomar o estudante como tábula rasa a ser preenchida unilateralmente com o conteúdo exposto pelo docente é rejeitar a dinâmica própria do processo de aprendizagem", conclui.
No parecer, Janot argumenta, ainda, que o programa "Escola Livre" afronta o princípio da proporcionalidade, visto que sacrifica as liberdades de expressão e educacional
por meio de proibições genéricas, capazes de transformar
estabelecimentos de ensino em comitês de controle de ideias debatidas em
ambiente escolar. Ele alerta que a implantação da lei vai criar uma
constante vigilância sobre o professor, sufocando o ambiente acadêmico e
impedindo que cada indivíduo possa formar suas próprias convicções.
"Não se pretende negar a possibilidade de
abusos no exercício do direito fundamental à liberdade de expressão
docente. Para combater exercício abusivo da docência, contudo, há
mecanismos próprios no ordenamento", lembra Janot. Nesse sentido, ele
cita que o Código de Ética Funcional e o Regime Jurídico Único dos
Servidores Públicos Civis do Estado de Alagoas já preveem faltas
funcionais e sanções aos servidores, incluindo os professores, que
cometam abusos no exercício de suas funções.
Competência - No parecer encaminhado nas ADIs, o PGR sustenta também que a competência
para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional é privativa
da União. O próprio STF tem esse entendimento firmado em
jurisprudência. A competência dos estados para legislar é admitida
apenas quando não há norma geral federal, o que não ocorre na matéria.
As diretrizes e bases da educação
nacional estão definidas na Lei 9.394, de 1996, que inclui nos
princípios norteadores do ensino brasileiro o respeito à liberdade e o
apreço à tolerância, além da vinculação entre educação escolar, trabalho
e práticas sociais, considerando a diversidade étnico-racial. "Não
caberia ao Legislativo de Alagoas inovar no ordenamento jurídico e
prever princípios gerais para a educação, mormente quando distintos
daqueles da lei nacional", afirma o PGR.
Além disso, segundo Janot, tratados
internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), preveem que o desenvolvimento da
personalidade, da dignidade humana e o respeito pelos direitos
fundamentais não podem ser ignorados, nem sequer por escolas privadas e
confessionais. Nesse, sentido, o PGR conclui que, entre a vedação
apriorística de conteúdos e a liberdade de ensino, a segunda opção deve
prevalecer.