Domingo, 2 de outubro de 2016
Marcelo Novaes, da Defensoria Pública, é membro do Fórum Paulista de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos e Transgênicos
por Nadine Nascimento, do Brasil de Fato
Há sete anos, o Brasil é líder mundial no uso de agrotóxicos e muitas
substâncias vetadas em outros países continuam sendo vendidas aqui. O
consumo médio mensal per capita é de 5,2 kg de veneno agrícola no país.
Só o estado de São Paulo consome cerca de 4% de todo veneno produzido no
mundo.
Malformações, intoxicações, alguns tipos de câncer e empobrecimento e
contaminações do solo são alguns dos efeitos graves atribuídos ao uso
massivo dessas substâncias na agricultura. Trabalhadores rurais e
moradores do entorno de fazendas fazem parte dos grupos de risco mais
alto.
Para debater os impactos o uso de agrotóxicos, analisar seus
impactos, estabelecer estratégias de fiscalização e atuação
institucional no combate ao uso inadequado dessas substâncias no estado
de São Paulo foi criado no fim de agosto o Fórum Paulista de Combate ao
Impacto dos Agrotóxicos e Transgênicos.
Grupos de defesa do consumidor, representantes da Defensoria Pública
do Estado, da Defensoria da União, do Ministério Público Federal,
pesquisadores, organizações sociais, como a Aliança pela Água, e
sindicais, como a CUT, integram o fórum.
Marcelo Novaes, representante da Defensoria Pública Estadual de São
Paulo no fórum, comenta em entrevista ao Brasil de Fato os principais
efeitos socioambientais dos agrotóxicos no estado. Com base em dados
levantados pelo Observatório de Saúde Ambiental, Novaes associa o
crescimento das taxas de câncer ao uso indevido desses produtos.
“De 2000 a 2013, a taxa de prevalência média de malformações no
estado foi de 7,8 [para cada 100 mil nascidos vivos] e, em algumas
cidades do interior, inseridas em um território de produção de cana,
café, soja, os índices se aproximavam de 24, o triplo do que existia em
Cubatão. Os estudos apontam que em 70% dos casos de malformação a razão
decorre de problemas ambientais e não de problemas de transferência de
carga genética”, diz.
Confira a seguir a entrevista completa:
Como se configura o Fórum Paulista de Combate aos Agrotóxicos e Transgênicos?
Marcelo Novaes – Esse fórum foi organizado para sincronizar
entre algumas instituições na luta contra os agrotóxicos as informações
sobre o que está sendo feito em cada uma delas. Buscamos também fazer um
intercâmbio com as atividades acadêmicas e, assim, reunir os institutos
de pesquisa e buscar o apoio da sociedade civil. Há a necessidade de
que essas informações sejam expostas para a população e essa se
mobilize.
O Fórum é aberto e democrático. São basicamente seis coordenadorias,
com integrantes de inúmeras entidades e instituições jurídicas, além de
um representante da sociedade civil. Acreditamos que o debate da
fiscalização, controle e coibição do uso ilegal e irrestrito dos
agrotóxicos deve ser feito no aspecto social, jurídico e científico.
No lançamento do Fórum vocês discutiram os dados do Observatório de Saúde Ambiental. Quais os principais temas levantados?
O relatório do Observatório de Saúde Ambiental mostra que, em alguns
municípios do interior de São Paulo, as taxas de nascidos com
malformação chega a ser 300% superior à média estadual. Todos esses
municípios têm em comum o fato de estarem inseridos em zonas de produção
de commodities agrícolas, onde há, por consequência, uma grande
utilização de agrotóxicos. O Brasil é campeão mundial do uso de
agrotóxicos, e só o estado de São Paulo usa cerca de 4% de todo o
agrotóxico produzido no mundo.
De 2000 a 2013, a taxa de prevalência média de malformações no estado
foi de 7,8 para cada 100 mil nascidos vivos e, em algumas cidades do
interior, inseridas em um território de produção de cana, café, soja, os
índices se aproximavam de 24, o triplo do que existia em Cubatão. Os
estudos apontam que em 70% dos casos de malformação a razão decorre de
problemas ambientais e não de problemas de transferência de carga
genética.
Pela própria natureza dos agrotóxicos, que são biocidas, perigosos e
que exigem cautela no seu manuseio, obviamente sua utilização em larga
escala provocaria efeitos deletérios. O que o estudo prova é que essas
consequências não estão por vir, elas já chegaram há muito tempo. Todos
nós estamos expostos a isso em razão da contaminação da água e dos
alimentos. Cerca de 30% dos alimentos consumidos pela população são
impróprios. Eles não poderiam ser destinados nem para a produção de
ração animal. Eles deveriam ser incinerados.
Levantamos também a questão da pulverização aérea, que é proibida ou
vista com sérias restrições na comunidade européia, e tem previsão de
abandono no ano de 2017. E, aqui no Brasil, principalmente em São Paulo,
a situação é muito preocupante.
No estado, temos 48 empresas de aviação agrícolas registradas no
Ministério da Agricultura, que juntas pulverizaram uma área
correspondente a 11,82% do território paulista somente em 2015. É como
se pegasse o mapa de São Paulo e apagasse o Vale do Paraíba, a Baixada
Santista e a Grande São Paulo, com produtos banidos em outros países em
razão de seus efeitos mutagênicos e cancerígenos.
Quais são os grupos mais atingidos?
Em tese, os grupos mais atingidos seriam os profissionais da saúde,
que manuseiam agrotóxicos utilizados no combate aos vetores de algumas
epidemias; os trabalhadores da agricultura; os trabalhadores das
indústrias que manuseiam e formulam esses produtos; e de uma maneira
genérica, toda a população que consome os alimentos contaminados. O que
esse estudo demonstrou é que existe um outro grupo, que é a população
interiorana que mora em municípios onde a fronteira entre o rural e o
urbano é muito tênue.
Temos denúncias de cidades em que 8% da população está em tratamento
de câncer, como Coronel Macedo, por exemplo. O município de Bento de
Abreu é o campeão paulista na taxa de prevalência média de câncer de
encéfalo no estado de São Paulo.
Esses dados mostram que o agronegócio, da maneira que está sendo
praticado, deixa um rastro de destruição e morte no interior. Os
agrotóxicos não são defensivos agrícolas, não são agroquímicos, não são
soluções modernas para a agricultura, não são substâncias “amigas” das
pessoas e das plantas. São substâncias intrinsecamente tóxicas.
Como você avalia as políticas públicas ambientais no Brasil?
O que podemos observar é que há um retrocesso nas políticas públicas
ambientais que não surgiu agora mas que vem se acentuando de maneira
acelerada.
Uma das primeiras leis assinadas pelo novo governo foi a autorização
da pulverização aérea de substâncias tóxicas nas cidades para o combate
do mosquito da dengue, mesmo com todas as manifestações contrárias [de
profissionais] da área da saúde. Tudo sem nenhuma justificativa
científica, sanitária ou técnica.
Além disso, temos o PL dos agrotóxicos [3200/15], que é extremamente
preocupante, não só pelo troca do nome de agrotóxico por fitossanitário,
mas também porque o controle do que vai ser usado no país deixa de ter a
interferência das áreas de meio ambiente e de saúde.
Somado a isso, temos um projeto [4059/12] que permite a aquisição de
terras por estrangeiros, o que atenta contra a soberania nacional. O
projeto possibilita que o mercado financeiro, por exemplo, seja
proprietários de extensas áreas em nosso país sem nenhuma
responsabilidade socioambiental.