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(Millôr Fernandes)

sábado, 17 de outubro de 2015

Tribunal de Justiça proíbe a prática brutal das vaquejadas em todo o DF

Sábado, 17 de outubro de 2015
Imagens da internet




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ONG entrou com ação para pedir ilegalidade da atividade em fevereiro.
Multa diária por descumprimento à decisão é de R$ 100 mil; cabe recurso.

Isabella Calzolari 
Do G1 DF
O juiz da 3ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu proibir as vaquejadas em toda a capital federal depois que a ONG BSB Animal Proteção e Adoção entrou com uma ação na Justiça pedindo a ilegalidade da prática no Parque de Vaquejada Maria Luiza, em Planaltina. A decisão também determina multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento ou se o GDF conceder qualquer autorização para a realização da atividade. Cabe recurso da decisão.

Leia a íntegra em: 
http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/10/tribunal-de-justica-proibe-pratica-das-vaquejadas-em-todo-o-df.html 
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Leia a íntegra da sentença:

Circunscrição : 1 - BRASILIA
Processo : 2015.01.1.017379-7
Vara : 113 - TERCEIRA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
Processo : 2015.01.1.017379-7
Classe : Ação Civil Pública
Assunto : DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
Requerente : BSB ANIMAL PROTECAO E ADOCAO
Requerido : DF DISTRITO FEDERAL e outros
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de liminar ajuizada pela BSB ANIMAL PROTEÇÃO E ADOÇÃO em face do DISTRITO FEDERAL e do PARQUE DE VAQUEJADA MARIA LUÍZA, requerendo a concessão de provimento judicial no sentido de proibir a utilização de animais para a realização de eventos envolvendo a prática cultural/desportiva da vaquejada.
Em sede liminar, buscar impedir a disputa de vaquejada prevista para 21 e 22 de fevereiro do corrente ano, na cidade de Planaltina/DF. No mérito, pretende a proibição
Esclarece que o evento consiste na disputa por pontos, praticando-se as condutas de derrubar e laçar bois. Diz que a derrubada se dá por meio de uma torção no rabo no animal, o que ocasiona lesões traumáticas na medula espinhal e muitas vezes resulta no desmembramento da cauda. Já a laçada exige que o boi saia em disparada, motivo pelo qual se procede à prévio molestamento por meio de choques elétricos e estocadas.
Defende que a prática viola o artigo 225, caput e §1º da Constituição Federal por importar em grave submissão dos animais à crueldade.
Justificou a urgência no deferimento da liminar porquanto o evento estava previsto para os dias de 21/02/2015 e 22/02/2015.
Os documentos de fls. 21/29 instruíram a inicial.
Após deferida a gratuidade de Justiça, o pedido de antecipação de tutela foi DEFERIDO, conforme decisão de fls. 31/33. Interposto Agravo de Instrumento, o eg. TJDFT negou provimento ao recurso.
O Parque de Vaquejada Maria Luíza ofertou resposta às fls. 59/77 defendendo a legalidade da atividade. Ressaltou o aspecto esportivo da atividade e sua correlação com a figura do "vaqueiro" presente na cultura nordestina. Afirmou cumprir todas as exigências ambientais e argumentou a vantagem social da modalidade, como na geração de empregos e opção de diversão sadia. Juntou documentos às fls. 78/170.
O Distrito Federal apresentou contestação à fl. 179 informando a inexistência de qualquer autorização/permissão para realização do evento. Indica o cumprimento da ordem judicial e a tomada das medidas inerentes ao poder de polícia. Nesses termos, defende a extinção do processo por perda do objeto.
Manifestação do Ministério Público no sentido da necessidade de julgamento do mérito do pedido na forma do art. 269, inciso I, do CPC, confirmando-se integralmente a liminar concedida.
Réplica às fls. 195/208, com a juntada de documentos às fls. 209/280.
Em sede de especificação de provas, o Distrito Federal reiterou o pleito de extinção do processo sem resolução de mérito ou ao menos sua exclusão da lide (fl. 283).
A parte autora requereu a produção de prova oral (fl. 284). O Parque de Vaquejada quedou-se inerte e o Ministério Público opinou pelo julgamento antecipado da lide.
Indeferida a designação de audiência de instrução (fl. 290).
As partes não produziram outras provas e se manifestaram em alegações finais, reiterando os argumentos já expendidos.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, reafirmo a legitimidade passiva do Distrito Federal e a pertinência de sua participação no processo. A presente ação envolve a presença de direitos difusos, cuja abrangência extrapola a mera realização de evento específico e acaba por abranger a própria prática da atividade.
Por isso, tendo em vista que cabe ao Poder Público a proteção da fauna e flora, inclusive pro meio de entidades específicas (polícia militar ambiental, Ibram, Agefis etc.), é inviável a exclusão do Distrito Federal.
Ainda assim, tais os eventos dessa natureza exigem a autorização da Administração.
Nesses termos, rejeito as alegações de ilegitimidade passiva do DF e perda superveniente do interesse de agir.
Quanto à questão relativa à necessidade de produção de prova, em que pese as alegações expendidas na decisão liminar, com a instrução processual restou cristalino ser a controvérsia somente de direito, a respeito da legalidade ou não da prática.
Tanto assim que nenhuma das partes postulou pela produção de prova pericial. Na verdade, a razão está com o Ministério Público, o qual apresentou relevante fundamentação no sentido da imprescindibilidade de realização desses.
Destarte, reafirmo a desnecessidade da produção de outras provas e a decisão de indeferimento de fl. 290, atualmente preclusa. Outrossim, constato a presença dos pressupostos processuais e condições da ação e passo ao julgamento do mérito.
A prática da vaquejada é extremamente controvertida. De forma exemplificativa cite-se o estado do Ceará. Neste há, ao mesmo tempo, lei estadual regulamentando a matéria (Lei nº 15.299/2013) e lei municipal de Fortaleza à proibindo (Lei nº 10.186/2014).
Em face da lei estadual foi ajui
zada a ADI nº 4983/CE pela Procuradoria-Geral da República sustentando sua inconstitucionalidade em razão de a manifestação cultural importar em maus tratos dos animais. Até o momento não houve julgamento a respeito, de forma que ainda não há manifestação do STF quanto à constitucionalidade/legalidade da prática.
Em casos semelhantes, isto é, de confronto entre integridade física dos animais e o direito de livre exercício das manifestações culturais, o primeiro tem prevalecido nas decisões do STF.
Seguem as ementas que entenderam pela inconstitucionalidade/ilegalidade das práticas de "briga de galo" e "farra do boi":
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BRIGA DE GALOS (LEI FLUMINENSE Nº 2.895/98) - LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EXPOSIÇÕES E A COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA PRÁTICA CRIMINOSA - DIPLOMA LEGISLATIVO QUE ESTIMULA O COMETIMENTO DE ATOS DE CRUELDADE CONTRA GALOS DE BRIGA - CRIME AMBIENTAL (LEI Nº 9.605/98, ART. 32) - MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1º, VII) - DESCARACTERIZAÇÃO DA BRIGA DE GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL - RECONHECIMENTO DA INCONSTITUIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - AÇÃO DIRETA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE AUTORIZA A REALIZAÇÃO DE EXPOSIÇÕES E COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES - NORMA QUE INSTITUCIONALIZA A PRÁTICA DE CRUELDADE CONTRA A FAUNA - INCONSTITUCIONALIDADE. - A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da "farra do boi" (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga ("gallus-gallus"). Magistério da doutrina. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. - Não se revela inepta a petição inicial, que, ao impugnar a validade constitucional de lei estadual, (a) indica, de forma adequada, a norma de parâmetro, cuja autoridade teria sido desrespeitada, (b) estabelece, de maneira clara, a relação de antagonismo entre essa legislação de menor positividade jurídica e o texto da Constituição da República, (c) fundamenta, de modo inteligível, as razões consubstanciadoras da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor e (d) postula, com objetividade, o reconhecimento da procedência do pedido, com a conseqüente declaração de ilegitimidade constitucional da lei questionada em sede de controle normativo abstrato, delimitando, assim, o âmbito material do julgamento a ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. (ADI 1856, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-02 PP-00275 RTJ VOL-00220- PP-00018 RT v. 101, n. 915, 2012, p. 379-413)
COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi". (RE 153531, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388)
Tendo em vista que a prática envolve a derrubada do boi por meio de força bruta exercida via tração, em um pequeno espaço, não há como se considerar lícita a "prática cultural".
Como muito bem conceituado pelo Iminente Desembargador-Relator do Agravo de Instrumento Dr. Teófilo Caetano, a vaquejada consubstancia: "na prática de, em espaço delimitado e apropriado, o cavaleiro praticante derr
ubar o bovino destacado mediante golpe desferido via de tração realizada na cauda do animal quando tenta, em velocidade, se desvencilhar do ataque, sagrando-se vencedor o praticante que derruba mais animais no espaço delimitado". Ora, nesses termos, é curial concluir que tal atuação implica em tratamento cruel. Animal nenhum foi concebido fisiologicamente para sofrer derrubada desta maneira, principalmente os bovinos, animais de grande peso.
Ainda que as lesões e mutilações dos bovinos não ocorram em todos os casos de participação dos animais, o alto risco a que são submetidos já é suficiente para proibição do esporte.
A regra constitucional do art. 225, §1º, VII da CF possui densidade normativa que vai muito além da proibição de crueldade como tortura deliberada.
Na verdade, o constituinte originário visa proteger a incolumidade física mesmo em atividades completamente lícitas e legítimas perante a sociedade, como o abate para fins de alimentação, devendo este ser "humanizado".
Em conclusão, tem-se por ilegítima a diversão extraída de ato consistente no embate físico entre boi e homem. A milenar atividade de criação de animais (pecuária) tem como escopo beneficiar a humanidade com bens imprescindíveis para seu desenvolvimento, como alimentação, matéria-prima industrial etc.
Nesse panorama, o desporto cultural revela-se como atividade secundária, não-finalística, da exploração dos bovinos pelo homem, motivo pelo qual a restrição constitucional se revela muito mais rigorosa para tais atividades.
O entendimento adotado por este Juízo é reforçado pela posição institucional do Ministério Público, consagrada na Recomendação nº 03/2015 da PRODEMA (fls. 326/335) e nas razões do veto ao Projeto de Lei nº 225/2015 pelo Excelentíssimo Governador do Distrito Federal (fl. 336).
Dessa forma, a procedência dos pedidos é medida que se impõe.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, forte nas razões, JULGO PROCEDENTES os pedidos delineados na inicial, para:
I) DECLARAR a ilegalidade da prática da "Vaquejada" em todo o DISTRITO FEDERAL, devendo o ente público, por meio de seus órgãos de proteção ambiental, fiscalizar eventuais infrações ao Meio Ambiente, conforme legislação correlada;
II) DETERMINAR ao Parque de Vaquejada Maria Luiza que se ABSTENHA de realizar eventos consistentes na prática da manifestação cultural "Vaquejada", sob pena de incidência de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada dia de realização de evento em descumprimento a presente sentença, além da responsabilização civil, criminal e por improbidade administrativa;
III) DETERMINAR ao Distrito Federal que se ABSTENHA de conceder qualquer autorização/permissão para realização da prática da "Vaquejada" em seu espaço territorial, sob pena de incidência de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada dia de realização de evento em descumprimento a presente sentença com amparo em ato normativo de sua autoria, além da responsabilização civil, criminal e por improbidade administrativa.
Ressalto que por se tratar de direitos difusos, a presente Sentença produz efeitos erga omnes em todo o Distrito Federal, na forma do art. 16 da LACP e art. 103, inciso I, do CDC , com a ressalva de superveniência de legislação distrital ou federal ou alteração desta pelos órgãos superiores do Poder Judiciário.
Resolvido o mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC.
Sem custas e honorários (art. 18 da Lei nº 7.347/85).
Remessa necessária ao Tribunal de Justiça na forma do art. 475, §1º, do Código de Processo Civil.
Decorrido os prazos legais, após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Brasília - DF, quarta-feira, 14/10/2015 às 16h04.
Juiz JANSEN FIALHO DE ALMEIDA

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