Quinta, 30 de junho de 20011
Por
Ivan de Carvalho
Esta conspiração começou com a introdução do
princípio da fidelidade partidária, de início aparentemente benéfico, tal era a
intensidade e freqüência com que os políticos, especialmente os parlamentares,
praticavam a infidelidade – e não somente em relação aos seus partidos.
Também mostravam-se amplamente infiéis em relação
aos seus eleitores. Sempre reconhecendo a existência de não raras exceções, os
políticos que eram postos na oposição pelo eleitorado não se conformavam e
aderiam aos governos. Já os que eram postos no governo pelos eleitores
esqueciam as promessas que haviam feito nas campanhas eleitorais.
Ao não cumpri-las e a nem mais se interessar por
elas, eles traíam os que votaram neles por causa delas. Como também – e aí
pouco importa que estivessem no governo ou na oposição – traíam os próprios
partidos, esquecendo, ao sabor das conveniências, os programas partidários e as
propostas com as quais haviam se apresentado ao eleitorado.
Mas as normas de fidelidade partidária
introduzidas inicialmente na legislação eram frágeis, de modo que o quadro
descrito nas linhas precedentes como se fosse coisa passada continuou presente.
Os políticos se mostraram lentos em tornar eficaz a legislação sobre a
fidelidade partidária, mas não cessaram de doutrinar no sentido de que “é
preciso fortalecer os partidos” ou “consolidar os partidos” e coisas assim.
Doutrina que as direções partidárias, principalmente das principais legendas,
repetiam em uníssono.
Parece que acabaram, mesmo sem querer,
convencendo disso o Poder Judiciário, mais especificamente o Tribunal Superior
Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal. Então o primeiro editou legislação
draconiana – a pretexto de que apenas dava nova e nunca antes neste país
sonhada interpretação à Constituição e à legislação partidária e eleitoral – e
o segundo, quando questionado, a confirmou. Base das decisões: o mandato
pertence ao partido, não ao mandatário que o recebeu dos eleitores.
Mas então as coisas estavam
assim: sem risco de perda de mandato, só se podia sair do partido pelo qual se
foi eleito por dois motivos: perseguição pelo próprio partido ou desligamento
para fundar um novo partido. Isso está na lei. Mas, no segundo caso, às
vésperas de ser suprimido.
Ontem, a Comissão de
Constituição e Justiça do Senado trabalhou duro. Aprovou, em caráter
terminativo (dispensa votação no plenário da Casa) a perda de mandato para
políticos que deixarem o partido para fundar uma nova sigla ou para incorporar
ou fundir o partido. Impressionante o nível de ditadura partidária sobre o
mandato que isso cria. Aproxima-se muito do que poderia levar o nome de
“totalitarismo partidário”.
Se não houver recurso que
force a proposta a ir ao plenário do Senado, ela sairá da CCJ como aprovada e
irá para a CCJ da Câmara dos Deputados, onde a mesma coisa pode acontecer.
A grande mudança em relação
à legislação atual é que, nesta, era “justa causa” para sair de um partido o
objetivo de fundar outro. Isto salvava o mandato do emigrante. Já segundo a
norma em exame no Congresso, sair de um partido para fundar outro passa a ser
“justa causa” para perda do mandato.
O alvo principal e imediato
visado pela pretendida mudança é impedir que políticos com mandato ingressem no
PSD, o partido que está sendo criado sob a liderança do prefeito de São Paulo,
Gilberto Kassab, ex-Democratas. E com isso opor imensa dificuldade para a
criação do PSD. Logo em seguida na fila atinge-se o hipotético partido que
Marina Silva, com aspirações a repetir a candidatura a presidente em 2014,
estaria pretendendo criar.
Mas, no final, o que se faz
aí é petrificar os detentores de mandatos eletivos e reforçar ao máximo um dos
vários braços da ditadura partidária em construção no país. E dos quais a
votação em “lista fechada” pode ser o mais danoso deles.
- - - - - - - - - - - - - - - Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.