Quarta, 29 de junho de 2011
Randolfe Rodrigues
Senador – PSOL/Amapá
Em seu artigo na página da Revista Veja na internet, de 27/6/2011, o colunista Ricardo Setti
alega que a minha emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2012,
pleiteando o fim do superávit primário, seria um projeto “estapafúrdio, próximo do ridículo”, e ainda pede que eu “tenha juízo, e não minhoca na cabeça!”.
Porém,
é preciso esclarecer que minha emenda foi aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, para ser apresentada à Comissão
de Orçamento, ou seja, já é um projeto de toda a CCJ, e não só meu. Além
do mais, para garantir o pagamento da questionável dívida pública e o
cumprimento da meta de “superávit primário”, as pessoas morrem nas filas
dos hospitais, se apertam em ônibus que mais parecem latas de sardinha,
sofrem com a má qualidade do ensino público, esperam indefinidamente
pela garantia do direito de acesso a terra, etc.
Segundo o colunista, caso o superávit primário fosse extinto, “o
país e todos os bancos quebrariam imediatamente, centenas de milhares
de brasileiros levariam um monumental calote, os investidores
estrangeiros sairiam correndo, haveria desemprego em massa e a
paralisação da economia e o Brasil levaria uns 10 anos, ou mais, para
voltar aos patamares de hoje.”.
Porém,
os EUA e a União Européia não têm metas de superávit, mas praticam
imensos déficits, e nem por isso seus bancos quebram, ou há crise. Na
verdade, há uma grande crise global sim, mas causada pela
irresponsabilidade dos próprios bancos, que tiveram de ser salvos pelo
próprio Estado, à custa do povo, gerando, aí sim, uma imensa dívida
pública, que está sendo paga à custa da grande retirada de direitos dos
trabalhadores europeus.
No
Brasil, os bancos também são sustentados pelo Estado. A maior parte dos
títulos da dívida interna (63%) se encontra não mão de bancos e grandes
investidores, que assim ganham a maior taxa de juros do mundo. Outros
21% estão na mão dos chamados “Fundos de Investimento”, o que completa o
percentual de 84% da dívida, principalmente na mão de grandes
investidores.
Apesar
de muitos analistas argumentarem que tais “Fundos de Investimento”
teriam como principais beneficiários os pequenos investidores, a recente
CPI da Dívida na Câmara dos Deputados (proposta pelo Deputado Ivan
Valente – PSOL/SP) desmascarou esta informação. Respondendo a
requerimento oficial da CPI, que solicitava o perfil (tamanho) dos
principais credores da dívida via tais Fundos e outras aplicações
bancárias, o governo afirmou simplesmente que não dispunha desta
informação.
Interessante
ressaltar que o próprio articulista diz que os brasileiros credores da
dívida seriam “centenas de milhares”, ou seja, não chegam a um milhão,
representando no máximo 0,5% da população.
Na
realidade, sabemos que são os grandes investidores os principais
beneficiários da dívida pública que, conforme mostrou a CPI possuem
diversos e graves indícios de ilegalidade, tais como juros sobre juros,
falta de documentos e informações, a não autorização do Senado em
operações de dívida externa, e até mesmo a realização de reuniões entre o
Banco Central e “analistas independentes” - que, na realidade são, em
sua maioria, rentistas - para definir variáveis como inflação e juros,
depois usadas pelo COPOM na definição da taxa Selic, que beneficia os
próprios rentistas.
Até
mesmo o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda,
Márcio Holland, criticou os superávits do governo, criticando as metas
anteriores e futuras.
Dessa
maneira, a dívida e seus credores agem como verdadeiras minhocas na
maçã, e vão fazendo tuneis no desenvolvimento brasileiro, acarretando o
corte nos investimentos sociais e concentrando renda e riqueza na mão de
poucos.
Lembremos
que a principal justificativa do corte de R$50 bi no orçamento do
governo federal neste ano, que atingiu centralmente as áreas sociais e
estratégicas do País teve como objetivo o ajuste fiscal para cumprir as
metas do superávit primário que só nos quatro
primeiros meses do ano alcançou em tempo recorde o valor de R$ 57,3
bilhões, o que equivale a 49% da meta para 2011. O objetivo para este
ano foi fixado em termos nominais, em R$ 117,9 bilhões. Ou seja,
enquanto cortava dos investimentos sociais o governo em um terço do ano,
fez a metade da meta de pagamentos ao capital financeiro.
Mas
a maior ilegalidade da dívida é o descumprimento do Art. 26 das
Disposições Transitórias da Constituição de 1988, que prevê a Auditoria
da Dívida, jamais realizada, e que poderia apurar a fundo todos estes
fatos, mostrando que dívida é essa, como cresceu absurdamente, e se
realmente devemos ou não.
A
auditoria da dívida foi executada recentemente com grande sucesso pelo
governo do Equador, que assim pôde provar a ilegalidade da dívida, e
impor aos rentistas a anulação de 70% do débito com os bancos privados
internacionais. Nem por isso houve crise ou desemprego, mas sim, um
grande aumento dos gastos sociais.
Auditar
a dívida é conquistar a soberania do país frente ao setor financeiro,
que no Brasil continua sugando a maior parcela do orçamento, em
detrimento da garantia dos direitos sociais.