Quarta, 29 de junho de 2011
Por
Ivan de Carvalho
Ontem conclui o que escrevi neste espaço com as
seguintes palavras: “...os documentos realmente secretos, aqueles que o governo
não aceite mesmo divulgar, não serão atingidos pela legislação em elaboração. É
que destes documentos o governo nunca reconhecerá a existência. E não se pode
dar acesso ao que não existe.”
Bem, isto é uma verdade evidente. Mas duas
preocupações existiam no governo, por parte da presidente Dilma Rousseff, cuja
inclinação era a de acabar com o “sigilo eterno” dos documentos oficiais
classificados como ultra-secretos.
Uma delas, ostensiva e à qual ontem me referi.
Era causada pelos possíveis transtornos resultantes da divulgação de documentos
sobre as relações exteriores do país, as questões de fronteiras e as guerras de
que o Brasil participou contra países vizinhos.
A outra preocupação dizia respeito à própria
história interna do país, especialmente no que se refere a documentos sobre o
período do regime militar que começou em 31 de março de 1964 e terminou com a
posse de José Sarney na presidência da República, em substituição a Tancredo
Neves, que estava doente e viria a morrer pouco tempo depois.
Havia, naturalmente além das guerrilhas, de atos
terroristas e da atuação do aparelho de repressão, que se utilizou
frequentemente da tortura, planos nebulosos de eliminação de lideranças
políticas e populares importantes, sendo as mais notórias as de Juscelino
Kubitschek, Carlos Lacerda, João Goulart e Leonel Brizola. Muita coisa aí a
esconder por muito tempo, segundo muitos afirmam.
Por determinação da presidente Dilma – que estava
mais preocupada com os estragos do eventual fim do sigilo sobre questões da
política exterior, pacífica ou bélica – o ministro das Relações Exteriores
mandou fazer uma pesquisa no Itamaraty e chegou à conclusão de que nenhum
documento nessa área ameaçava por em xeque nossas relações com outros países.
Quanto aos segredos do último regime autoritário
que o país viveu, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, levou à presidente uma
solução surpreendente. Em verdade, uma variante daquela de não reconhecer que
certos documentos existem e, portanto, sustentar que não é possível dar acesso
ao que não existe. O que não cria impedimento, necessariamente, para que não
seja muito bem escondido.
Mas o ministro Jobim saiu-se com algo diferente.
Disse que as Forças Armadas não têm qualquer objeção ao fim do sigilo eterno. E
na segunda-feira, deu uma larga pista para explicar isso. Documentos
preocupantes, quem sabe (digo eu) poderiam até existir sim, durante o regime
autoritário militar, mas (deixa claro o ministro) nenhuma razão há para
preocupação com eles, pois já não existem. “Não há documentos. Nós já
levantamos os documentos todos. Não há documentos. Os documentos já
desapareceram... já foram consumidos à época. Então não tem nada. Não tem
problema nenhum em relação a essa época”.
Bem, já se podia negar que
jamais houve qualquer documento sobre os ETs de Varginha e assim negar acesso
ao que não existe, vale dizer, a todos os registros secretos relacionados a um
dos mais famosos e sérios eventos da ufologia mundial.
Agora, com a estranhíssima
revelação do ministro da Defesa, também se poderá optar – quando houver provas
indestrutíveis e irrefutáveis de que documentos existiram – por dizer que os
documentos sumiram, foram “consumidos” e, obviamente, não podem estar
acessíveis.
Assim, quem sabe, em um
futuro distante, algum historiador tentará escrever a História do Brasil e
chegará a uma conclusão surpreendente – “Não tem”.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.