Segunda, 11 de fevereiro de 2013
Escrito por Leo Lince
O crime, infelizmente, foi consumado. Sobre o sentido geral do
acontecido, parece não pairar a menor sombra de dúvida. Na opinião
pública e até mesmo na opinião publicada. Está estampado, Brasil afora,
nos jornais e revistas das mais variadas procedências e tamanhos.
É voz geral. Nos comentários de rádio, na TV, no traço de renomados
cartunistas, em editoriais de vetustos jornalões. Dos articulistas de
alto coturno até os palpiteiros de botequim, todos lamentam a vitória do
indesejado. “Maus presságios”, “triste legislatura”, “política
estéril”, “tudo dominado”, “parlamento rebaixado” – são alguns dos
títulos de matérias e artigos publicados.
Na voz rouca das ruas, o repertório dos xingamentos foi acionado em
larga escala. Uma parte mais amena do desafogo conseguiu ecoar nas
“cartas dos leitores”: “deboche”, “escárnio”, “tapa na cara da
cidadania”. Ainda assim, não houve como evitar a catástrofe. Em tempos
de desalento, como se sabe, a voz do povo não se faz ouvir como a voz de
Deus. O “demo” que nos governa, por enquanto, é outro.
Estamos vivendo um período marcado por aquilo que o saudoso Carlos
Nelson Coutinho definia como “hegemonia da pequena política”. Quando a
pequena política avassala os partidos, o sistema partidário e as
maiorias nos parlamentos, ela busca ostentar a aparência de força contra
a qual “não há alternativa”. Isso acontece quando se
torna senso comum a ideia de que todos os políticos são iguais e que a
política não passa de disputa de poder entre elites, que convergem na
aceitação e na defesa do existente como “natural” e impossível de mudar.
Ao deixar de ser pensada como atividade superiora, disputa de
diferentes projetos de sociedade, a política se apequena como mera
defesa do interesse puro. O representante se descola dos anseios do
representado e as grandes questões que afetam a vida da sociedade cedem
espaços para os negócios e negociatas que garantem o financiamento de
campanhas eleitorais cada vez mais caras.
O intestino grosso da pequena política está em festa. Dois de seus
mais lídimos representantes foram escolhidos para o comando das duas
casas do Congresso Nacional. No contrapelo do sentimento cidadão, o
condomínio de poder que nos infelicita operou unido para produzir tal
descalabro. Tucanos, petistas, oposição conservadora, governistas, a
presidente da República, governadores dos estados mais importantes, tudo
junto e misturado na geleia geral.
Um dos eleitos, tão à vontade no caldo de cultura dominante no
parlamento, teve o topete de “teorizar” sobre a ética na política. Um
weberiano manco nos currais das Alagoas. Secundado por um jovem
discípulo (o Lobão novo, filho do Lobão, o velho) que, para desconforto
dos apoiadores envergonhados, avisou em tom ameaçador que as vestais
serão desossadas no plenário. A confraria da pequena política está com a
corda toda, eufórica e destrambelhada.
Ficou claro, no episódio em pauta, que o processo de degradação do
sistema político ultrapassou o perigoso umbral do sem retorno. Vai se
ampliar o divórcio entre o sentimento cidadão e a lógica que anima os
partidos da ordem no parlamento. Ficou claro também que, por si só, o
sistema partidário perdeu condição de reagir, está encalacrado no
vicioso, precisa de tratamento de choque, vindo de fora.
A luta contra a hegemonia da pequena política, no parlamento e fora
dele, é a tarefa do momento. Ela foi definida com precisão nos discursos
de anticandidatos, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, por
Chico Alencar e Pedro Taques. Sem dúvida, um ponto de partida na busca
por articulação entre os que lutam pelo resgate da grande política. Um
primeiro passo na caminhada de longo curso para barrar a insensatez.
Léo Lince é sociólogo.
Fonte: Correio da Cidadania