Terça, 23 de setembro de 2014
Luciano Nascimento - Repórter da Agência Brasil
Edição: Talita Cavalcante
Com
o objetivo de construir um Brasil para os trabalhadores, o metalúrgico e
siderúrgico Zé Maria, é o candidato do Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU) à Presidência da República, pela quarta
vez. Ele prega a estatização dos sistemas energético, educacional, de
saúde e de transportes. Na área econômica, defende o controle de preços,
principalmente os dos alimentos.
Além disso, segundo ele, a
desoneração e as isenções fiscais não têm ajudado a impulsionar a
economia brasileira. “Os 3%, 4% do PIB [Produto Interno Bruto] que o
governo gasta hoje em incentivos fiscais para as grandes empresas sequer
garantem o emprego.”
Uma das primeiras necessidades do país, de
acordo com ele, é inverter a estrutura tributária, diminuir o imposto
sobre o consumo e “taxar fortemente o lucro das empresas e as grandes
fortunas”. “Dessa forma se pode arrecadar o necessário para financiar os
serviços públicos do país, diminuindo a carga tributária que recai
sobre o povo pobre que é quem paga imposto no Brasil”, acrescentou.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista que o candidato Zé Maria concedeu pessoalmente na redação da Agência Brasil.
Agência Brasil:
As estimativas de inflação oficial pelo IPCA para o próximo ano estão
em torno de 6,2%, próximo do teto da meta. Como pretende atuar para
conter o aumento de preços? Zé Maria: Em primeiro
lugar, parte importante do crescimento da inflação tem a ver com o custo
do alimento. Isso nos remete ao problema da reforma agrária. O Brasil é
o país mais privilegiado do mundo na quantidade e qualidade da terra,
do clima, da água, e nós poderíamos produzir alimentos para todo o povo
brasileiro a baixíssimo custo e alimentar metade da América Latina se as
terras não fossem controladas pelas grandes empresas do agronegócio que
produzem soja para virar ração de gado e mandam [isso] para exportação.
Então, nacionalizar a terra, fazer uma ampla reforma agrária no Brasil,
colocar as terras para produzir alimento, assentando o trabalhador do
campo, garantindo a ele condições, apoio técnico, financeiro, crédito,
para garantir vida digna, também melhoraria a vida do povo da cidade,
oferecendo alimentos a custo baixo. Segundo problema: é preciso
controlar preços, os monopólios que controlam hoje, sejam as redes de
produção, sejam as redes de distribuição, não podem utilizar o povo
brasileiro para simplesmente aumentar a sua rentabilidade. Se os preços
estão fora do controle, o Estado pode controlá-los, além de oferecer
alimentos a custo baixo para toda a população.
ABr:
As reduções de impostos têm sido usadas para estimular a economia e
terminam tendo impacto sobre as contas públicas. Como manter o
equilíbrio nessas contas sem reverter as desonerações? Qual a sua
proposta para aumentar a arrecadação sem causar impacto na inflação? Zé Maria:
Em primeiro lugar a desoneração e as isenções fiscais não têm ajudado a
impulsionar a economia brasileira que entrou em recessão. Os 3%, 4% do
PIB [Produto Interno Bruto] que o governo gasta hoje em incentivos
fiscais para as grandes empresas sequer garantem o emprego. Veja as
grandes montadoras de veículos. Elas receberam R$ 27 bilhões nos
[últimos] dez anos do governo federal, reverteram para fora, para o
exterior R$ 10 bilhões na forma de lucros e agora querem demitir 25 mil
trabalhadores. Então, a primeira coisa que precisa ser feita é inverter a
estrutura tributária, diminuir o imposto sobre o consumo, taxar
fortemente o lucro das empresas e as grandes fortunas. Dessa forma se
pode arrecadar o necessário para financiar os serviços públicos do país,
diminuindo a carga tributária que recai sobre o povo pobre que é quem
paga imposto no Brasil. Imposto sobre consumo dá nisso: quem paga a
maior parte do imposto é a população, é o povo pobre.
Saiba Mais
ABr:
Este ano, com a baixa no nível dos reservatórios e a consequente
necessidade de acionar as termelétricas, a energia acabou ficando mais
cara e novos reajustes estão previstos para o ano que vem. Apesar de
todo o seu potencial energético, o Brasil continua com uma tarifa alta. O
que fazer para evitar mais aumentos? Zé Maria:
Primeira medida é reestatizar todas as empresas de produção e
distribuição de energia. Hoje a produção e a distribuição de energia,
utilizando um recurso que é abundante no Brasil que é a água, são feitas
em função dos interesses das empresas privadas, boa parte delas
transnacionais. É isso que gera essa situação: as empresas contratam com
o governo para oferecer uma quantidade tal de energia, mas não
investem. Aí, se tem um pouco menos de chuva, tem que ligar a
termoelétrica que aumenta o preço. Quem está pagando tudo isso é o povo,
com serviço de péssima qualidade. É preciso reestatizar o sistema,
organizar um sistema de produção de energia que leve em conta não só os
recursos hídricos, mas também a energia solar, a energia eólica. O
Brasil é riquíssimo nesses dois recursos, é um país extremamente
privilegiado. Assim, nós teremos condições de oferecer mais energia a um
custo mais baixo e sem degradar o meio ambiente com obras faraônicas
como são as grandes hidrelétricas Jirau, Santo Antônio ou de Belo Monte.
Nós podemos fazer milhares de pequenas hidrelétricas e usar outras
fontes de produção de energia baseadas nos recursos naturais que o país
têm abundantemente.
ABr: Quais os planos do seu
governo para resolver gargalos de infraestrutura que persistem no país e
afetam desde o escoamento da produção até a circulação de pessoas –
como a construção de ferrovias, a manutenção de rodovias, a modernização
do sistema portuário e a administração de aeroportos? Zé Maria:
Se nós investirmos 2% do PIB, são os estudos que o movimento sindical
da área de transporte já fez no Brasil, teremos condições de modificar
completamente a situação no transporte de pessoas no país, na locomoção
humana nas grandes cidades e de cidade para cidade. É um verdadeiro
absurdo, em um país com as dimensões do Brasil, fazer o transporte por
ônibus ou então de cargas por caminhão e nas grandes cidades por carro e
ônibus. Nós temos que ter uma rede de transporte metroviário e
ferroviário nas grandes cidades e de linhas férreas que façam o
transporte de região para região do país, de passageiros e de cargas,
que vão seguramente diminuir o custo, diminuir o impacto em termos de
poluição, melhorar a qualidade do transporte e baratear o custo para as
pessoas que dependem do transporte público. É preciso assumir o
controle, o Estado precisa assumir o controle. Transporte, locomoção de
pessoas e movimentação de cargas é uma necessidade essencial de qualquer
sociedade moderna. Não pode ser uma mercadoria: quem tem dinheiro tem,
quem não tem, não tem. Em São Paulo, 34% dos deslocamentos feitos na
cidade são feitos a pé porque as pessoas não têm dinheiro para pagar
ônibus ou metrô. Tem que estatizar o sistema de transporte, investir
recursos nisso, mas, fundamentalmente, investir no transporte coletivo e
não no incentivo à venda de carros como o governo faz hoje. A partir
daí modernizar portos, aeroportos, mas tudo isso a serviço da sociedade,
da população, não pode ser que o governo entregue setores essenciais
como esse à iniciativa privada e espere solução. A iniciativa privada
está atrás de lucro e não da solução dos problemas ou dos gargalos de
infraestrutura do país. Então, a primeira medida é a estatização de toda
essa área e a segunda é investimento. E o Brasil tem recursos para
isso: se nós pararmos de pagar a dívida interna e externa aos bancos, ao
sistema financeiro, nós temos recursos de sobra para investir em todas
essas áreas.
ABr: Diversos problemas
relacionados à prestação de serviços por parte das prefeituras
[saneamento, fim dos lixões, pagamento do piso dos professores] têm
ficado sem solução porque elas alegam falta de capacidade financeira ou
de condições de produzir projetos executivos para participar dos
programas do governo federal. Já os estados têm cobrado a renegociação
das dívidas com a União e ajuda federal. Como o senhor pretende atuar na
discussão do pacto federativo e quais são seus projetos para ajudar a
solucionar essas questões? Zé Maria: Nós temos que
repensar o pacto federativo. Temos hoje um conjunto de necessidades da
população distribuídas entre prefeituras, estado e o governo federal.
Qual é o gargalo de todas elas no âmbito do município, do estado e da
União? A falta de recursos. Então, temos um primeiro problema básico que
é o que fazer com os recursos naturais que o país tem e o que fazer com
as riquezas geradas pelo trabalho do povo. Então veja, a educação é um
caos no âmbito daquilo que é atribuição do município, atribuição do
estado e do que é atribuição da União. Qual é o problema fundamental?
Investimento. O Brasil precisaria, dada a idade educacional da população
brasileira, de um investimento grande em educação, de acordo com os
critérios da Organização das Nações Unidas (ONU). O movimento social do
Brasil reivindica há anos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a
educação. Isso significaria entre R$ 400 e R$ 430 bilhões por ano. O
país tem esse recurso? Tem. O governo gasta por ano com bancos de R$ 800
bilhões a R$ 900 bilhões. Só com esse recurso daria para alocar 10% do
PIB na educação e 10% na saúde, resolvendo dois gargalos fundamentais
naquilo que tem a ver com os direitos básicos da população. Por que não
faz isso? Porque a prioridade do governo é outra. A prioridade do
governo é alocar recursos para atender a interesse dos bancos, das
grandes empresas. Tem recursos para dar isenção fiscal, para desonerar a
folha das grandes empresas, mas não tem recursos para pagar o piso
nacional dos professores, não tem recurso para investir na educação, na
moradia popular. Ou seja, nós não vivemos um problema de falta de
recursos, de capacidade de financiamento das políticas públicas que o
país precisa. Vivemos um problema de escolha política errada por parte
dos governos. E a escolha do governo atual infelizmente, do governo do
PT, é a mesma escolha do governo do PSDB. A prioridade segue sendo o
banqueiro e não o povo pobre. O Bolsa Família, que é o programa mais
importante do PT para combater a pobreza, gasta R$ 24 bilhões por ano, o
“bolsa banqueiro” gasta R$ 800 bilhões por ano. Então, a prioridade é o
banco, a prioridade não é o pobre.
ABr: O
debate sobre a reforma política se arrasta há anos e, recentemente,
houve a aprovação de um texto que ficou conhecido como minirreforma.
Pontos como o voto facultativo, a reeleição e o financiamento de
campanha não foram aprofundados devido ao impasse em torno dessas
questões. Qual é a sua posição sobre cada um desses pontos e como o
chefe do Executivo pode contribuir para que essa discussão efetivamente
avance, respeitando a prerrogativa de independência entre os Poderes? Zé Maria:
A minirreforma que foi aprovada piora a situação anterior. Ela, por
exemplo, desorganiza o processo de fiscalização dos gastos dos políticos
e dos partidos nas campanhas eleitorais. O que nós temos no Brasil é um
acinte. O sistema político é completamente controlado pelas grandes
empresas e é dominado pelos políticos. Então, um candidato à Presidência
da República, como a presidenta Dilma, vai gastar R$ 300 milhões numa
campanha; o candidato do PSDB, o Aécio Neves, R$ 298 milhões; o PSB deve
gastar em torno de R$ 150 a R$ 200 milhões, se é que não vai aumentar a
arrecadação com o crescimento da Marina nas pesquisas, e nenhuma dessas
pessoas tem esse dinheiro para gastar. Esse dinheiro é colocado por
empresas que financiam a campanha. Então, o que o Congresso Nacional
produz em termo de leis é para favorecer essas grandes empresas que
financiaram os políticos que lá estão e não para resolver o problema do
povo. Começa por aí o problema do sistema político. Ele não representa o
povo, representa os financiadores das campanhas. E você chega a um
nível de acinte que é um deputado votar um salário mínimo de R$ 724,
para um trabalhador sustentar sua família, e para si próprio o deputado
vota um salário de R$ 26 mil. Ora, se R$ 724 dão para sustentar uma
família, o salário do deputado deveria ser R$ 724; se precisa de R$ 26
mil, então o salário mínimo deveria ser R$ 26 mil. Mas esse é o
problema, é a expressão de que o Congresso não representa nenhuma das
pessoas que votaram nos parlamentares que lá estão. Representam as
empresas que os financiaram, então, o restante acaba sendo consequência.
O Congresso está preocupado em manter seus próprios privilégios. Nós
achamos que é preciso uma mudança no sistema político, mas essa mudança
vai pressupor mobilização, o povo na rua. Sem isso, com o sistema
eleitoral controlado pelo poder econômico como nós temos hoje, não vai
ter eleição de um Congresso melhor do que esse e muito menos reforma
política que moralize a situação brasileira. Pelo contrário, a política
brasileira é a expressão do que há de pior nas relações humanas no país.
ABr:
O Brasil é apontado como um dos países com a maior carga tributária do
mundo. No Congresso, tramita uma proposta de reforma tributária que
pouco tem avançado. Quais os planos do seu governo para equacionar essa
questão e minimizar o desgaste político que isso pode gerar? Zé Maria:
Em primeiro lugar a carga tributária é muito alta no nosso país para o
povo pobre. Como o pagamento do imposto é sobre o consumo, um
trabalhador que ganha R$ 1 mil por mês e paga imposto sobre tudo o que
compra para sustentar a sua família, paga muito mais imposto do que o
sujeito que ganha R$ 20 mil, R$ 30 mil por mês ou do que o empresário
que ganha milhões de reais por ano. É uma estrutura injusta. É preciso
diminuir a carga tributária para o povo pobre. Ela tributa muito pouco
as grandes fortunas. É um mito completo essa coisa de que as empresas
são penalizadas pelos impostos no Brasil. As empresas do Brasil estão
entre as mais lucrativas do mundo. Ano após ano essas empresas batem
recordes de rentabilidade explorando o trabalhador. É preciso aumentar a
taxação sobre os bancos, sobre as grandes fortunas, sobre o grande
empresariado, enquanto essas empresas funcionarem assim neste país,
enquanto o Estado não puder assumir o controle desses recursos de
produção e de financiamento, como é o caso dos bancos, das grandes
empresas aqui instaladas [a situação não mudará]. Então a mudança
precisa ser feita a partir desse ponto de vista. Como é que vai se fazer
um processo que produza uma mudança deste tamanho? Pela mobilização
popular. Mais uma vez eu insisto, não é por uma votação, por uma
discussão simplesmente dentro de um Congresso Nacional que tem
parlamentares financiados por essas empresas que são beneficiadas por
essa estrutura atual.
ABr: O Plano Nacional de
Educação (PNE) é considerado uma grande conquista para o setor. Como
pretende, em quatro anos, avançar nas pautas indicadas na lei, que
compreendem desde a educação infantil à pós-graduação e incluem também
melhorias na infraestrutura das escolas? Como pretende resolver a
questão do financiamento? Zé Maria: O Plano
Nacional de Educação ou o sistema de educação no nosso país tem vários
gargalos, mas tem o gargalos dos gargalos que é o financiamento. Então
voltamos ao problema anterior. Nós não temos como resolver o problema da
estrutura educacional do país, em primeiro lugar, sem acabar com o
ensino pago. Ensino não é mercadoria, tem que estatizar as empresas
privadas de educação. Em segundo tem que gerar investimentos necessários
para assegurar desde a creche para a criança, a pré-escola, o ensino
fundamental até o ensino superior para crianças e jovens. Isso na idade
educacional que nós temos no Brasil, de acordo com os critérios da ONU,
demanda um investimento alto, de pelo menos 10% do PIB. O Plano Nacional
de Educação que foi aprovado recentemente no Congresso Nacional tem
várias declarações de intenção, mas propõe 10% do PIB para daqui a 2023.
Ou seja, é tudo conversa fiada porque, se não há recursos, nenhuma
daquelas metas vai ser cumprida. Todo mundo sabe e os políticos que
votaram esse plano sabem o governo que apoiou esse plano sabe que, das
metas todas, a meta mais importante é a de financiamento. Essa negativa
de combater o ensino pago e essa negativa de tirar parte dos recurso que
hoje é destinada aos bancos no Brasil para financiar a educação pública
é o que inviabiliza qualquer uma das metas que foram estabelecidas lá.
ABr:
O Brasil tem registrado uma expansão da educação e da inclusão de
crianças, jovens e adultos em todas as etapas de ensino. Ao mesmo tempo,
há falhas no ensino que aparecem em avaliações nacionais, como a Prova
Brasil, e internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (Pisa). Como garantir o acesso e ao mesmo tempo melhorar a
qualidade? Zé Maria: Em primeiro lugar, aumentando o
investimento. Nós temos que ter uma escola de qualidade. E qualidade em
todos os sentidos, não só de instalações, de equipamentos, mas um
professor bem pago, um auxiliar de ensino bem pago, e nada disso existe
no Brasil hoje. Está aumentando a quantidade de crianças que se
matriculam, mas acessam um sistema completamente degradado, sem a mínima
condição de prestar um serviço de qualidade para as pessoas. Então
começa pelo salário do professor que é aviltante, as condições de
trabalho dos auxiliares de ensino são aviltantes, os prédios estão
caindo aos pedaços, não há instrumento, equipamentos para desenvolver um
bom trabalho. Segundo problema: a maior parte das crianças e dos
adolescentes vive em condições sociais muito precárias. Vá à periferia
dos grandes centros urbanos do país e você vai ver as crianças vivendo
em condições absolutamente miseráveis. Não adianta pegar aquela criança e
enfiar dentro de uma sala de aula como se aquilo não interferisse na
capacidade de aprendizagem dela. Então o problema do emprego, do salário
digno, da moradia, do saneamento básico, de oferecer saúde, segurança
para toda a população brasileira implica você criar condições dentro de
cada família para que os filhos daquela família, em primeiro lugar,
tenham condições psicológicas de acessar um sistema de ensino e
aprender. Uma combinação explosiva dá nisso: você aumenta a quantidade
de alunos nas escolas e depois o cara sai do oitavo ano sem saber
escrever o nome direito, ou então ele lê duas linhas, mas não consegue
interpretar. São quase todos analfabetos funcionais. Isso é o que vem
sendo produzido e por que tem sido produzido? Porque não se investe o
suficiente, começa por aí. O piso nacional dos professores foi uma lei
que foi formulada dentro do governo do PT, foi aprovada no governo do PT
e os governos não cumprem, nem os governadores do PT cumprem. É um
escândalo total, completo e absoluto. E o piso nacional dos professores é
um salário baixo para pagar uma pessoa que tem uma função tão
importante. Mas nem isso se cumpre e está na lei. Então o resto é
decorrência, começa pelo problema da estatização do ensino privado,
investimento de10% do PIB na educação pública e democratização da gestão
do sistema. Ou seja, a gestão do sistema tem que ter a participação das
comunidades, dos alunos, dos pais de alunos, das organizações
democráticas da sociedade. É dessa forma que se produz não só educação,
mas conhecimento que depois possa se reverter para a sociedade.
ABr:
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um prazo de cinco anos para
que todas as terras indígenas fossem identificadas e demarcadas.
Passados 21 anos do fim desse prazo, pouco mais de 44% foram
homologados. A falta de definição sobre essas áreas acaba sendo uma das
principais causas do aumento de conflitos e da violência no campo. Como
o(a) senhor(a) pretende resolver a questão da demarcação de terras
indígenas? Zé Maria: O conflito fundamental que nós
temos em relação a isso, não só com as terras indígenas, mas também com
os quilombolas, é justamente a prioridade que tem sido dada nas últimas
décadas ao agronegócio. O governo do PSDB inaugurou isso. Ou seja,
inaugurando uma fase em que se entrega com subsídio estatal as terras do
país para a exploração de transnacionais, de multinacionais que
controlam o agronegócio para produzir para exportação, produção em
escala para exportação. A agricultura familiar segue produzindo 70% da
alimentação que o povo brasileiro consome; 30% são produzidos no âmbito
das grandes empresas. No entanto, no financiamento da safra 2014-2015, o
governo acabou de anunciar R$ 150 bilhões para as grandes empresas do
agronegócio e vai ser cerca de R$ 20 bilhões para a agricultura familiar
que produz 70% da alimentação do povo. Essa lógica tem levado a que
todas as terras do país sejam disponibilizadas para essas transnacionais
ao custo que for. E esse custo tem sido invadir reservas indígenas,
evitar a desocupação de reservas indígenas que já estavam ocupadas
antes, invadir áreas quilombolas e evitar a regulamentação de áreas
quilombolas que já estavam ocupadas antes. Então qual é o problema que
está havendo? É o problema de escolha política mais uma vez. O governo
privilegia o agronegócio, acima de qualquer outro setor. O Brasil já
dizimou ampla maioria da população indígena o que é uma vergonha
histórica para o nosso povo e agora tem esse tratamento com aqueles que
resistiram até hoje. Até porque [isso] ocorre ao arrepio da lei, porque,
pela lei, essas terras já deveriam estar demarcadas, os brancos que
estão aí dentro já deveriam ter sido retirados e essas terras tinham que
estar asseguradas aos indígenas com o apoio do Estado para que pudessem
ter uma vida digna lá dentro. E nós assistimos ao contrário: o
agronegócio invade, não desocupa, o Poder Público fica quieto, e o que
ocorre? o agronegócio está armado, evidentemente a corda arrebenta do
lado mais fraco que é o dos indígenas e dos quilombolas. Como é que você
resolve: você tem que nacionalizar as terras, organizar um processo de
produção de alimentos que dê conta das necessidades do país, mas que
respeite o meio ambiente, não use agrotóxicos, não desmate as florestas
como tem sido feito pelo agronegócio e, em segundo lugar, tem que
respeitar os territórios indígenas e quilombolas.
ABr:
As grandes manifestações do ano passado, em São Paulo, trouxeram a
reivindicação do passe livre no transporte público. É possível tornar
essa reivindicação uma realidade? Como? Como o governo federal pode
atuar para garantir melhorias na mobilidade urbana nos grandes centros? Zé Maria:
Como eu disse antes, é necessário estatizar o sistema de transporte,
destinar um percentual do PIB, nós falamos em 2% do PIB para essa área.
Com o novo processo de mobilização em São Paulo, nós fizemos uma reunião
com o prefeito [Fernando] Haddad e eu levei para ele uma proposta de
como ele poderia assegura a tarifa zero em São Paulo. São Paulo gasta R$
4,5 bilhões por ano com o pagamento da dívida pública. É o dinheiro que
sai do município e vem aqui [para Brasília] para poder compor o tal do
fundo que vai para os bancos todos os anos, para compor os R$ 800
bilhões, R$ 900 bilhões que vão para os banqueiros. Gasta mais R$ 1,5
bilhão com as entidades ditas filantrópicas de São Paulo. Somando isso
dá R$ 6 bilhões. Todo o custo de transporte por ônibus de São Paulo por
ano chega a R$ 6 bilhões. Se o município se apropriasse desses recursos e
destinasse ao transporte de pessoas, estatizasse o sistema, tirasse da
mão dessa máfia que controla o sistema de transporte em São Paulo,
garantiria transporte de ônibus com tarifa zero para toda a população do
estado. O recurso estaria mais bem empregado nisso do que ajudando a
aumentar o lucro dos banqueiros ou financiando essas “pilantropias” que
nós conhecemos tão bem no nosso país. Mas é um problema de escolha como
sempre. Recursos há, não é preciso aumentar impostos para isso. É
utilizar os recursos que o país tem para isso, em vez de dar os recursos
para desonerar a folha de salário de uma empresa, para reduzir impostos
de uma empresa ou para aumentar a rentabilidade dos bancos como se faz.
ABr:
As unidades básicas de saúde desempenham um papel central na garantia
de acesso ao sistema. Dotar essas unidades de infraestrutura adequada e
de profissionais suficientes é um desafio para o país que tem hoje 5.570
municípios. Como garantir a manutenção de um sistema de saúde público,
universal e gratuito e enfrentar esses gargalos? Como suprir a falta de
médicos nas regiões mais isoladas? Zé Maria: O
Sistema Único de Saúde [SUS], no papel como concepção, é uma das coisas
mais avançadas do mundo. Mas infelizmente, depois da adoção do SUS como
legislação no nosso país, os governos têm feito o oposto do que seria
para se colocar em prática esse sistema. O que tem é se avançado no
processo de privatização cada vez maior do sistema de saúde e, mesmo os
investimentos públicos que se fazem na saúde, boa parte deles é
repassada ao setor privado da saúde. Então o primeiro problema que nós
temos é falta de investimento. O Brasil tem esses recursos ou não tem?
Tem. Eu disse antes que o que se passa para os bancos dá R$ 800 bilhões,
R$ 900 bilhões, se eu pego metade disso eu garanto 10% do PIB para o
sistema de saúde. Se eu estatizo o sistema privado, invisto R$ 400
bilhões, R$ 430 bilhões por ano no sistema, aí eu consigo dotar o
sistema de hospitais em número suficiente para toda a população, de
postos de saúde em número suficiente, de profissionais pagos de forma
correta e adequada e em número suficiente para toda a população
brasileira. E desenvolver programas, não só no sentido de assegurar um
atendimento mais adequado, mais qualificado ao doente, mas também
programas de prevenção que, aliás, deveriam ser o centro da preocupação
dos governos, de forma a evitar que as pessoas fiquem doentes. A começar
pelo problema do saneamento básico, da falta de água potável. Metade da
população brasileira não recebe água potável, saneamento básico não
existe para mais da metade da população. Então não adianta você tratar a
pessoa e botar ela para viver em cima do esgoto, ela vai ficar doente
de novo. Saneamento é investimento, moradia digna é investimento, você
ter postos de saúde em número suficiente, contratar profissionais é
perfeitamente possível, se você combina isso com um sistema de educação
no país que esteja voltado para produzir os profissionais e o
conhecimento de que o país precisa. Por que a faculdade de medicina é
tão elitizada no país? Porque é para produzir elite. Médico é uma coisa
essencial, da mesma forma que professor é uma coisa essencial em
qualquer sociedade. Por que você não tem um sistema mais amplo para
formar mais médicos, pessoas que saem do próprio povo. Para você entrar
numa faculdade de medicina você tem que praticamente ser filho de rico.
São raras as exceções. O povo pobre não tem capacidade de se formar como
médico? Tem capacidade. É preciso dar oportunidade, se você dá a
oportunidade você vai ter médicos que queiram trabalhar na periferia,
que queiram ajudar sua família, ajudar pessoas que são iguais a elas.