Terça, 23 de setembro de 2014
Do MPF
Vítima
morreu após ser submetida a intensas torturas. Médico legista também foi
denunciado por falsificar documentos
O
Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) denunciou nesta segunda-feira,
22 de setembro, três militares pela morte do jornalista e militante político
Luiz Eduardo da Rocha Merlino em julho de 1971. Ele era integrante do Partido
Operário Comunista (POC) e foi morto após intensas sessões de tortura nas
dependências do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI)
em São Paulo. O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delegado
Dirceu Gravina e o servidor aposentado Aparecido Laertes Calandra são acusados
por homicídio doloso qualificado. O médico legista Abeylard de Queiroz Orsini,
que assinou laudos sobre o óbito de Merlino, também foi denunciado e responderá
por falsidade ideológica.
Merlino foi preso em Santos em 15 de julho de
1971 e levado à sede do DOI. Lá, o então major Ustra, que comandava a unidade,
e seus subordinados à época (Gravina e Calandra) submeteram o jornalista a
práticas de tortura durante 24 horas, ininterruptamente. Eles queriam extrair
da vítima informações sobre outros integrantes do partido, principalmente a
companheira do militante, Angela Mendes de Almeida. Após as agressões, Merlino
tinha ferimentos por todo o corpo e não conseguia sequer se erguer. Apesar do
quadro grave, ele não recebeu atendimento médico e só foi encaminhado ao
Hospital Militar do Exército quando já estava inconsciente.
Consultado
sobre a necessidade de amputação de uma das pernas do paciente, Ustra
determinou que os servidores do hospital deixassem-no morrer, para evitar que sinais
da tortura fossem evidenciados. Merlino faleceu em 19 de julho, em decorrência
das graves lesões que as sessões de tortura provocaram. O chefe do DOI ordenou
ainda a limpeza da cela onde o militante foi mantido e criou uma versão
falaciosa para ocultar as causas da morte.
Atropelamento
- Segundo a versão criada por Ustra, Merlino teria se atirado sob um carro
durante uma tentativa de fuga. Ele estaria sob escolta a caminho de Porto
Alegre para identificar outros militantes, quando um descuido dos policiais
teria permitido a evasão do jornalista, que então teria se jogado embaixo de um
veículo na BR-116, altura de Jacupiranga. Para tornar a história verossímil,
Ustra mandou que um caminhão a serviço das forças de repressão passasse por
cima do corpo de Merlino e deixasse marcas de pneus.
No
Instituto Médico Legal, o médico legista Abeylard de Queiroz Orsini endossou a
versão de Ustra ao assinar o laudo sobre a morte, em conjunto com outro
servidor do IML, Isaac Abramovitch, já falecido. Apesar de saberem as
circunstâncias em que Merlino foi morto, ambos omitiram as agressões no
documento e atestaram o atropelamento como causa do óbito. Na década de 1990,
peritos revelaram uma série de inconsistências nos laudos sobre Merlino e
outros militantes políticos mortos na época, todos subscritos por Orsini.
Pedidos
- Além da condenação por homicídio doloso e falsidade ideológica, o MPF quer
que Ustra, Gravina, Calandra e Orsini tenham a pena aumentada devido a vários
agravantes, como motivo torpe para a morte, emprego de tortura, abuso de poder
e prática de um crime para a ocultação e a impunidade de outro. Os procuradores
querem também que a Justiça Federal determine a perda do cargo público que os
denunciados ocupam atualmente e o cancelamento de aposentadoria concedida ou
qualquer outra forma de provento que recebam. Por fim, requerem que, enquanto
tramitar o processo, Gravina seja afastado cautelarmente do cargo de Delegado
de Polícia Civil, bem como que seja vedado a Orsini o exercício da medicina.
Os
procuradores destacam que não se pode falar em prescrição ou anistia nos crimes
relatados. “Os delitos foram cometidos em contexto de ataque sistemático e
generalizado à população, em razão da ditadura militar brasileira, com pleno
conhecimento desse ataque, o que os qualifica como crimes contra a humanidade –
e, portanto, imprescritíveis e impassíveis de anistia”, diz trecho da denúncia.
Os
membros do MPF citam uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
proferida em novembro de 2010, que determina que o Brasil não pode criar
obstáculos à punição de crimes contra a humanidade. Além disso, mencionam um
recente parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, segundo o qual
deve ser afastada qualquer interpretação que afirme estarem os delitos contra a
humanidade cobertos por anistia ou prescrição.
O
número para acompanhamento processual é 0012647-98.2014.4.03.6181. Para
consultar o andamento, acesse http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/.
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