Da Tribuna da Imprensa
Hélio Duque*
O grito lancinante do juiz Sérgio Moro ecoou na sociedade e
foi ouvido pelo Supremo Tribunal Federal: “O processo da Lava-Jato tem ido bem,
mas não posso assegurar o dia de amanhã. Do ponto de vista de iniciativas mais
gerais contra a corrupção, existe um deserto. Parece que a Operação Lava Jato,
nessa perspectiva, é uma voz pregando no deserto”. O terremoto que viria a
seguir com a “operação catilina”, nos lembraria o ano de 63 A.C., em Roma. No
Senado, Cícero denunciava o senador Catilina, ávido de riqueza e poder: “Quo
usque tandem abutere, Catilina patientia nostra?” Tradução: “Até quando
Catilina abusarás da nossa paciência?” Na república romana ele foi expulso do
parlamento; no Brasil, a prisão do senador e de um poderoso banqueiro,
determinado pelo STF, demonstrava que o combate a ações ilícitas é uma rota sem
volta.
A ministra Cármen Lúcia antecipou o que virá pela frente:
“Na história recente de nossa pátria, houve um momento em que acreditamos que a
esperança tinha vencido o medo. No julgamento da ação penal 470 (mensalão),
verificamos que o cinismo venceu a esperança. Agora, ao que parece, estamos
constatando que a desfaçatez venceu o cinismo. Quero avisar que o crime não
vencerá a justiça”. O mais antigo ministro do Supremo, Celso de Mello deixa
claro: “A imunidade parlamentar não é manto protetor de supostamente comportamento
criminoso. É preciso esmagar e destruir com todo peso da lei esses agentes
criminosos que atentaram contra as leis penais da República”.
Os indiciados na Lava Jato, detentores de imunidade
parlamentar, terão, nos próximos meses, satanás na espera para conduzí-los ao
portal do inferno. Se em Brasília a situação é pânica, em Curitiba o rodízio
nas celas da Polícia Federal está longe de ter chegado ao fim. A ação
jurisdicional do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal e dos
delegados da Polícia Federal, está permitindo que o Brasil indignado conheça a
profundidade da captura do Estado pelo conluio, envolvendo poder público,
empresários poderosos, políticos delinquentes e burocratas estatais marginais,
responsáveis pela existência de verdadeiro capitalismo de quadrilha. Realidade
sintetizada na “Folha de S.Paulo” (26-11-2015) pelos colunistas Jânio de
Freitas: “As relações capitalistas adotam predominantemente no Brasil,
procedimentos à margem da lei e da ética”; e Vinícius Torres Freire: “Políticas
que criam quase-monopólios ou oligopólios, com reservas de mercado,
protecionismos e exigências irrealistas de produzir com conteúdo nacional,
degringolam em caixas-pretas. Em ambientes obscuros, sem concorrência,
propícios ao mofo da corrupção, da propina, do tráfico de influência”.
A Operação Lava Jato, ao radiografar essa realidade imoral,
comprova com farta documentação e depoimentos arrasadores dos beneficiários
desse “status quo”. O combate à corrupção tem na sua força-tarefa figuras
jovens, gerando grande esperança para o futuro brasileiro. Quase todos na faixa
média dos 40 anos, a exemplo do juiz Sérgio Moro, que tem 42. Guardando não
apenas nos objetivos, mas na composição dos seus integrantes grande semelhança
com a “Operação Mãos Limpas”, ocorrida na Itália. Ela foi conduzida, também,
por jovens juízes: Antonio Di Pietro, 42 anos; Gherardo Colombo, 46 anos; e,
Piercamillo Davigo, 42 anos.
Na Itália, o governo de Bettino Craxi, do Partido
Socialista, combateu com agressividade e indignação a “Mãos Limpas”. Em agosto
de 1992, Craxi compareceu ao parlamento desafiando os seus membros. Da tribuna
afirmou: “Que se levante aquele que não tomou um financiamento ilícito neste
país”. Ninguém se levantou e todos ficaram calados. A sociedade indignada se
mobilizou apoiando a “Mani Pulite” (Mãos Limpas), sepultando o sistema político
que virou pó. Prisões, confisco de bens, condenações por crimes contra a
administração pública ocorreram aos milhares. O próprio Bettino Craxi,
condenado em 1993, fugiu e exilou-se na Tunísia, na sua residência na Villa
Hammamet, até a morte no ano 2000.
Em 1994, o empresário de Milão, Berlusconi, vinculado a
Bettino Craxi, com o mote “Queremos uma política diferente, nova e limpa”, no
recém criado partido Forza Itália se elegeria primeiro ministro. No mesmo ano o
governo aprovou decreto-lei que os italianos apelidaram de “salva ladrões”.
Obstaculizando prisão cautelar por crimes de corrupção. Foi um golpe na “Mãos
Limpas”, pela libertação da maioria dos corruptos. A reação vigorosa dos
magistrados ameaçando renunciar e o apoio da sociedade, obrigou o governo a
revogar o decreto chamado pelos italianos de “salvi ladri”. Infelizmente muitos
dos corruptos libertados pelo famigerado decreto de Berlusconi, continuaram
livres, defendidos por grandes escritórios de advocacia.
O paralelismo traçado tem objetivo. O que ocorreu na Itália
deve ser um alerta para que no Brasil, casuísmos jurídicos não atropelem a Lava
Jato. Os brasileiros decentes, comprometidos com o futuro dos filhos e netos,
precisam se mobilizar no apoio incondicional à Operação Lava
Jato. Igualmente a opinião pública.
*Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É
autor de vários livros sobre a economia brasileira.