Domingo, 9 de outubro de 2016
Por Aldemario Araujo Castro
Advogado, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da
Universidade Católica de Brasília - UCB, Mestre em Direito pela Universidade
Católica de Brasília - UCB, Diretor da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais -
ANAFE
Brasília, 9 de outubro de 2016
"Os grandes campeões deste primeiro turno de eleições
municipais foram os votos inválidos ou ausências. Segundo dados do Tribunal
Superior Eleitoral, a soma de votos nulos, brancos e abstenções superou o
primeiro ou segundo colocado na disputa para prefeito em 22
capitais.
Somadas, as abstenções, nulos e brancos superaram o
primeiro colocado em dez capitais: Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Curitiba
(PR), São Paulo (SP), Campo Grande (MS), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte
(MG), Cuiabá (MT), Aracaju (SE) e Belém (PA).
No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, esta soma de
nulos, brancos e abstenções chegou a superar os votos obtidos pelos dois
primeiros colocados, juntos" (Disponível em:
<http://www.bbc.com/ portuguese/brasil-37514671>).
Esse preocupante quadro eleitoral aponta para a
necessidade de uma urgente, profunda, democrática e popular reforma política.
Entre outras providências, seria preciso:
a)
manter a impossibilidade de financiamento de campanhas e partidos por empresas
(alguns segmentos já ensaiam a volta dessa perversa prática pela via de uma
emenda à Constituição);
b)
adotar o financiamento público de campanhas em patamares espartanos, incluídas
nessas restrições o fundo partidário;
c)
definir claramente, sem anistias, a criminalização do caixa 2 em campanhas
eleitorais;
d)
eliminar as coligações nas eleições proporcionais, inclusive mediante formas
disfarçadas (como na federação de partidos e assemelhados);
e)
incentivar a instalação de comitês de fiscalização e acompanhamento dos mandatos
parlamentares (modelo que pode, e deve, ser adotado para a verificação da
eficiência da prestação dos serviços públicos);
f)
adotar fórmulas de revogação de mandatos por parte dos eleitores;
g)
democratizar o cálculo do coeficiente eleitoral e a distribuição dos restos nas
eleições proporcionais;
h)
adotar procedimento de voto proporcional primeiro no partido e, depois, num dos
candidatos do partido;
i)
democratizar a distribuição de tempo na propaganda eleitoral e a participação em
debates.
Destaque-se que a chamada "classe política" funciona como
instrumento de representação de interesses socioeconômicos (são detentores de
“mandatos eleitorais”). Esses são os verdadeiros e mais importantes elementos a
serem considerados no convívio social e no equacionamento dos mais relevantes
problemas. Ocorre que a grande mídia convenientemente esconde a relação entre o
representante e os interesses representados. Os "políticos" são tratados como
segmento autônomo e a corrupção sistêmica é utilizada como uma potente cortina
de fumaça que encobre os inúmeros e sofisticados mecanismos de produção e
ampliação de desigualdades e opressões de vários tipos.
Eis algumas importantes questões (somente para ilustrar),
com profundos e negativos impactos na qualidade de vida da grande maioria dos
brasileiros, a serem tratadas pelos "políticos":
POLÍTICA ECONÔMICA. Por que a política econômica, no
discurso oficial e da grande imprensa, está limitada a vertente fiscal sob o
equivocado enfoque da austeridade/arrocho seletivo, a exemplo da PEC n. 241? Por
que praticamos as maiores taxas de juros do mundo? Por que os banqueiros ocupam,
direta ou indiretamente, os principais postos de formulação e condução da
política econômica? Por que os bancos contabilizam, em plena crise ou fora dela,
lucros estratosféricos? Por que não existe um programa vigoroso de combate à
sonegação tributária (estimada em R$ 500 bilhões anuais)? Por que não se investe
seriamente na recuperação progressiva da Dívida Ativa da União e de suas
autarquias, calculada em mais de R$ 1,5 trilhão, por intermédio do adequado
aparelhamento dos órgãos públicos envolvidos, notadamente a Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional(PGFN) e a Procuradoria-Geral Federal (PGF)? Por que não se
adota uma Lei de Responsabilidade Monetária (para fazer companhia à Lei de
Responsabilidade Fiscal), envolvendo a regulamentação ampla e social: a) da
fixação da taxa de juros SELIC; b) do nível e administração das reservas
monetárias internacionais, admitindo a venda do excesso, inclusive; c) do
tamanho da base monetária e d) das operações compromissadas e todas as formas de
“ajuste de liquidez”? Por que não se adota uma Lei de Responsabilidade Cambial
(outra importante companhia para a Lei de Responsabilidade Fiscal), contemplando
a regulamentação ampla e social: a) do câmbio; b) do fluxo de capitais e c) das
operações de swap cambial (calcula-se em quase R$ 170 bilhões os
prejuízos nesse campo nos últimos meses)?
DÍVIDA PÚBLICA. Por que não se executa a auditoria da
dívida pública, conforme exige o art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT)? Por que não se adota uma administração da dívida pública de
forma transparente e com controle social, inclusive com a supressão de
mecanismos indevidos que viabilizam o seu contínuo crescimento (como a
atualização monetária do montante e o seu financiamento por intermédio do
lançamento de novos títulos em flagrante violação à “regra de ouro” inscrita no
art. 167, inciso III, da Constituição)? Por que são lançados novos títulos
(novas dívidas) para pagamento de parte dos juros (contabilizados indevidamente
como amortização), contribuindo decisivamente para a formação de uma dívida
pública trilionária? Por que as operações compromissadas não são reguladas e
limitadas (segundo dados do Banco Central do Brasil, as operações compromissadas
representavam R$ 528,7 bilhões da dívida pública em dezembro de 2013, R$ 809,06
bilhões em dezembro de 2014 e R$ 913,28 bilhões em dezembro de 2015)? Por que,
no “Novo Regime Fiscal” da PEC n. 241, estão excluídas das limitações de gastos
as despesas com o serviço da dívida pública? Por que o volume anual de
dispêndios com juros e amortizações da dívida pública atinge alarmantes
patamares de centenas de bilhões de reais (em 2015, segundo dados oficiais do
Portal da Transparência, os juros e amortização, num montante de cerca R$ 961,8
bilhões, representaram aproximadamente 50,44% da despesa federal
total)?
REFORMA AGRÁRIA. Por que o Brasil não fez, até hoje, uma
reforma agrária decente (requisito inafastável para o desenvolvimento de
qualquer país)?
SERVIÇOS PÚBLICOS. Por que não se aposta em programas
efetivos de planejamento, gestão, financiamento e controle popular organizado da
prestação de serviços públicos de qualidade (nas áreas de educação, saúde,
transporte coletivo urbano, entre outros)?
PREVIDÊNCIA SOCIAL. Por que não se realiza uma ampla e
democrática auditoria da Previdência Social que aponte as reais necessidades de
modificações (envolvendo o financiamento segundo os parâmetros constitucionais,
as desonerações tributárias, a sonegação, a inadimplência em razão da crise
econômica, as fraudes, os privilégios, a pertinência de alterações nas idades
mínimas e outros aspectos relevantes)?
VIOLÊNCIA EPIDÊMICA. Por que subsiste uma significativa
alimentação de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais
como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais variadas formas de
futilidade e superficialidade e um claro incentivo à violência física e
simbólica? Por que o combate à violência epidêmica está baseada em concepções
autoritárias e de puro reforço do aparelho policial de repressão (são mais de 50
mil homicídios por ano no Brasil)?
CORRUPÇÃO SISTÊMICA. Por que o combate à corrupção
sistemática privilegia medidas espetaculosas de punição (depois do "leite
derramado"), e não, medidas preventivas, com estruturação e fortalecimento dos
órgãos do controle interno, da Advocacia Pública e participação popular
organizada?
REFORMA TRIBUTÁRIA. Por que subsiste um sistema
tributário profundamente injusto com elevadíssima carga sobre o consumo e o
trabalho, alívio da pressão fiscal sobre a propriedade e ganhos financeiros e
toda sorte de vantagens para poucos privilegiados? Por que não se faz uma
criteriosa revisão dos benefícios tributários (segundo notícia da Folha de S.
Paulo, “as desonerações de tributos concedida pelo governo da presidente Dilma
desde 2011 somarão cerca de R$ 458 bilhões em 2018")?
CONCENTRAÇÃO DA MÍDIA. Por que existe um convívio passivo
com a deletéria concentração econômica de mídia?
OPRESSÕES E PRECONCEITOS. Por que existem, e são
alimentados, poderosos obstáculos sociais e institucionais ao combate efetivo às
inúmeras formas de opressões e preconceitos (em razão da condição
socioeconômica, da cor da pele, da opção religiosa, da orientação sexual, do
gênero, entre outros).
Uma reforma política adequada, numa perspectiva popular e
democrática, deve buscar justamente explicitar quais os interesses e respectivos
segmentos sociais efetivamente representados pelos atores do mundo da política.
Em outras palavras, como cada representante se "coloca" em relação às
estratégicas questões mencionadas e outras tantas não listadas
expressamente.
Cumpre destacar que as medidas político-eleitorais antes
aludidas somente produzirão resultados satisfatórios se conjugadas com a
conscientização e mobilização populares crescentes. Essas últimas são as chaves
das verdadeiras mudanças. Não serão iluminados, vingadores, salvadores da Pátria
e outros tipos de paladinos da ética, da moralidade ou dos bons costumes que
promoverão as transformações populares e democráticas que o Brasil reclama.
Afinal, os representantes de interesses socioeconômicos, justamente porque são
representantes, devem ser submetidos a uma vigilância severa e permanente para a
manutenção da fidelidade em relação aos representados e padrões de conduta
moralmente aceitáveis (mantendo certas prerrogativas para o adequado exercício
da missão e abandonando privilégios injustificáveis, como veículos de
representação, verbas indenizatórias, foros privilegiados,
etc).