Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A neta

Janeiro
7

A neta

Soledad, a neta de Rafael Barrett, costumava recordar uma frase do avô:

       — Se o Bem não existe, é preciso inventá-lo.

  Rafael, paraguaio por escolha própria, revolucionário por vocação, passou mais tempo na cadeia que em casa, e morreu no exílio.

       A neta foi crivada a balas no Brasil, no dia de hoje de 1973.

      O cabo Anselmo, marinheiro insurgente, chefe revolucionário, foi quem a entregou.

       Cansado de ser perdedor, arrependido de tudo o que acreditava e gostava, ele delatou um por um seus companheiros de luta contra a ditadura militar brasileira, e os despachou para o suplício ou o matadouro.

      Soledad, que era sua mulher, ele deixou para o fim.

    O cabo Anselmo apontou o lugar onde ela se escondia e foi-se embora.

  Já estava no aeroporto quando ouviram os primeiros tiros.


Eduardo Galeano, no livro ‘Os filhos dos dias’, 2ª ed., 2012, pág. 53, L&PM Editores.