Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A mudança de um reino


Janeiro
22
A mudança de um reino

Neste dia de janeiro de 1808, chegaram à costa do Brasil, sem pão e sem água, os extenuados navios que dois meses antes haviam partido de Lisboa.
Napoleão pisoteava o mapa da Europa, e já estava atravessando a fronteira de Portugal quando se desatou a correria: a corte portuguesa, obrigada a mudar de domicílio, marchava rumo ao trópico.
A rainha Maria encabeçou a mudança. E atrás dela foram o príncipe e os duques, condes, viscondes, marqueses e barões, com as perucas e as roupas faustosas que mais tarde foram herdadas pelo carnaval do Rio de Janeiro. E atrás, amontoados no desespero, vinham sacerdotes e chefes militares, cortesãs, costureiras, médicos, juízes, tabeliães, barbeiros, escrivães, sapateiros, jardineiros...
A rainha Maria não andava lá muito boa da cabeça, para não dizer que estava louca de pedra, mas foi ela que pronunciou a única frase lúcida que se ouviu no meio daquele manicômio:
– Não corram tanto, que vai parecer que estamos fugindo!

Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias (Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, página 36.