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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

STF julga improcedente ação que questiona requisição administrativa de bens e serviços de saúde da rede privada

Quarta, 2 de setembro de 2020
Posicionamento foi defendido em sustentação oral pelo vice-procurador-geral da República

Arte retangular sobre fotos da bandeira do Brasil e de um martelo usado em tribunais internacionais.
Arte: Secom/MPF
A Constituição Federal de 1988 elevou a saúde a direito fundamental e impôs ao Poder Público o dever de assegurar sua proteção, promoção e recuperação. As ações e os serviços de saúde, sejam públicos ou privados, são de relevância pública e integram rede regionalizada e hierarquizada, o Sistema Único de Saúde (SUS), organizado de forma descentralizada, com direção em cada esfera de governo, voltado ao atendimento integral da população. A partir desse entendimento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jaques de Medeiros, defendeu a improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.362. O posicionamento foi apresentado em sustentação oral na sessão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), realizada nesta quarta-feira (2). Por unanimidade, reconheceram improcedente a ação.

A ADI é de autoria da Confederação Nacional de Saúde – Hospitais, Estabelecimentos e Serviços e questiona dispositivo da Lei 13.979/2020, que prevê a requisição por gestores locais de bens e serviços de saúde, garantindo “pagamento posterior de indenização justa”. A entidade sustenta que, ao prever permissão genérica de requisição administrativa de bens e serviços da rede privada, sem condicionar a providência a medidas de coordenação e controle por autoridade da União e sem esgotar as alternativas menos gravosas, a norma desvirtua o disposto no art. 5º, XXV, da Constituição Federal e, como consequência, afronta o direito de propriedade também previsto na Constituição Federal (art. XXII).
O posicionamento de Humberto Jaques corrobora parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, enviado ao STF em junho. Ao analisar os pedidos apresentados na ADI, o procurador-geral concluiu pela improcedência da ação. O parecer frisou que a Constituição Federal (art.197) preceitua que “as ações e serviços de saúde de relevância pública, cabem ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”.
Na sustentação oral desta quarta-feira, Humberto Jaques defendeu que a Constituição Federal confere poder requisitório para permitir, em casos como os de epidemia, uma alocação racional e efetiva de bens e serviços de saúde. “Uma intervenção na propriedade privada por requisição, numa epidemia, é esperável e necessária. Os conflitos são tão pontuais que não chegam à esfera constitucional; operam exclusivamente no campo legislativo e administrativo. Campo esse que o Sistema Único de Saúde sabe lidar em suas instâncias negociais”, afirmou. Também argumentou que o sistema de saúde é racionalmente organizado. “Não se está a ingressar em bens privados, mas em bens afetados ao bem coletivo que é a saúde pública”, frisou. Para ele, a saúde é um patrimônio de toda a coletividade, independentemente do poder aquisitivo do usuário.

Fonte: MPF
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Leia também texto publicado no site do STF:

Quarta-feira, 02 de setembro de 2020

Requisições de bens e serviços contra pandemia não dependem de autorização do Ministério da Saúde
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (2), que todas as requisições administrativas de bens e serviços realizadas por estados, municípios e Distrito Federal para o combate ao coronavírus não dependem de prévia análise nem de autorização do Ministério da Saúde, mas devem se fundamentar em evidências científicas e serem devidamente motivadas. Por unanimidade dos votos, a Corte julgou improcedente pedido da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) contra a validade de dispositivos da Lei 13.979/2020 que permitem aos gestores locais de saúde adotarem a requisição sem o controle da União.
Coordenação nacional
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6362, a confederação pretendia que as requisições entre entes da federação fossem feitas de maneira coordenada pela União, com prévia aprovação do Ministério da Saúde, após a realização de estudos. Hoje, o advogado Marcelo Lamego Carpenter, da CNSaúde, afirmou que o objetivo da ação era solucionar um problema grave de conflito de requisições que tem inviabilizado a gestão da saúde no país. “Havendo conflito, que haja uma prevalência entre as requisições e que elas sejam fundamentadas”, sustentou.
Precedência da contratação
O advogado da União Raphael Ramos Monteiro de Souza, ao representar a Presidência da República, defendeu que a Lei 13.979/2020 apenas explicitou a necessidade de requisição de insumos ao combate específico da Covid-19 e observou que as situações em que é possível fazer requisições administrativas já estão disciplinadas na Constituição Federal. Segundo ele, a descentralização pode ser mitigada em situações específicas, para dar mais eficiência à atuação do poder público. A AGU se manifestou pela procedência parcial do pedido para que, nas hipóteses de eventuais conflitos, fosse observado o critério da precedência da contratação, assegurando a primazia da iniciativa federal em caso de superescassez de âmbito nacional.
Racionalidade da alocação
Em nome da Procuradoria Geral da República (PGR), o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros ressaltou que os conflitos nas requisições administrativas são pontuais e não chegam a afetar o campo nacional. Segundo ele, há uma autoridade sanitária responsável em todos os âmbitos (municipal, estadual e federal) para alocar, de forma racional e efetiva, bens e serviços disponíveis e necessários diante da pandemia. “O sistema é racionalmente organizado para analisar toda a situação”, afirmou.
Número desprezível
O voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, orientou o entendimento da Corte sobre a matéria. Ao votar pela improcedência do pedido, ele avaliou que as requisições são medidas urgentes e não podem depender de consulta ou estudo. Segundo ele, não houve requisições administrativas na maioria dos casos ocorridos na pandemia, mas apenas a aplicação da medida em hipóteses isoladas. “O índice de ocupação das UTIs não atingiu o estágio de esgotamento”, assinalou. “Portanto, se as requisições existiram, foram pontuais e em número desprezível”.
Federalismo cooperativo
De acordo com o relator, ao dispor sobre medidas de enfrentamento ao coronavírus, a lei se refere a uma autoridade plural, não discriminando se é municipal, estadual ou federal. Para ele, não deve haver primazia no poder de requisição, mas uma cooperação necessária entre os entes e uma responsabilidade comum. Lewandowski ressaltou que o federalismo fortalece a democracia, porque permite o acesso do cidadão ao governante mais próximo e, nesse sentido, os municípios são os primeiros a reagir numa situação de pandemia.
Para o relator, é impossível delegar ao Ministério da Saúde, de forma abstrata, a avaliação caso a caso de todas as requisições administrativas de bens e serviços de saúde. “Não há evidências de que o Ministério da Saúde, embora competente para coordenar em âmbito nacional as ações de vigilância epidemiológica e sanitária, tenha capacidade de analisar e solucionar tempestivamente as multifacetadas situações emergenciais que eclodem em cada uma das regiões ou localidades do país”, observou.
Gestão autônoma
O ministro avaliou que a interpretação sugerida pela CNSaúde, além de não estar contida na literalidade das normas questionadas, retiraria dos governos locais o poder de gestão autônoma inerente a eles, acarretando a ineficácia das medidas emergênciais previstas na própria Lei 13.979/2020. Conforme Lewandowski, o papel da União é prover, amparar e auxiliar os demais entes federados, e não substituí-los em sua competência derivada prevista na Constituição Federal. Os entes, por sua vez, devem agir de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que norteiam todos os atos administrativos.
Questão de ordem sobre impedimento e suspeição
Durante o julgamento, a maioria do Plenário aderiu a proposta apresentada pelo ministro Dias Toffoli de reafirmar precedente da Corte de que não há impedimento ou suspeição nos processos analisados no controle abstrato de normas, a não ser que o próprio ministro indique razões de foro íntimo. O entendimento foi fixado em fevereiro de 2019, no exame de questão de ordem na ADI 2238.
A ideia é viabilizar a conclusão da análise de processos em que o eventual afastamento de integrantes da Corte possa ocasionar a protelação e até a impossibilidade do julgamento por falta de quórum.
Por esses motivos, o Tribunal decidiu fixar a seguinte tese: “Não há impedimento nem suspeição nos julgamentos de ações de controle concentrado, exceto se o próprio ministro firmar, por razões de foro íntimo, a sua não participação”. Ficou vencido nesta questão o ministro Edson Fachin.
EC/CR//CF
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