"Os juros altos são a droga altamente tóxica
que o sistema usa para cobrir os déficits externos, os quais só podem ser
afastados (e sem problemas) através das correções estruturais. Curioso que os
críticos, inclusive de esquerda, não ousem dar um pio a respeito." (Adriano Benayon)
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"Querem que sejamos todos escravos da dívida, querem ver
todos os nossos Governos escravos da dívida e que todos os nossos políticos
sejam adictos das gigantes contribuições financeiras que eles canalizam nas
suas campanhas. Como a elite também é dona de todos os principais meios de
informação, esses meios nunca revelarão o segredo de que há algo
fundamentalmente errado na maneira como funciona o nosso sistema” (Karen Hudes, durante vinte anos, assessora
jurídica do Banco Mundial)
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Por Adriano Benayon *
Não se pode mais ter dúvida de que estamos em guerra, nem de que
a estamos perdendo. Onde ela se trava? Obviamente, na economia. A inflação está
em alta, e os juros na estratosfera são arma, não de defesa contra a inflação,
mas, sim, de destruição em massa da economia.
2. A enorme desvalorização cambial, com o dólar a mais de R$
3,40, mostra a dimensão do descalabro, pois, em qualquer economia não corroída,
altas taxas de juros implicariam valorização cambial.
3. O bombardeio destrutivo é lançado, não diretamente pelo
inimigo, mas pela 5ª coluna a serviço deste. É ela que decreta as taxas de
juros absurdas e, através delas, a falência múltipla do País, com a colossal
dívida interna.
4. A desnacionalização da indústria, acelerada desde 1955, já
levara ao saqueio do País nos anos 90, por meio das privatizações, e o pretexto
para isso foi a dívida externa, completamente fora de controle já em 1982. A
origem foram as transferências das transnacionais e o consequente acúmulo de
déficits com o exterior.
5. A essa altura as potências imperiais não precisavam mais do
regime militar, cuja política financeira era submissa ao sistema financeiro
“internacional”, mas tinha bolsões nacionalistas. Aproveitaram os anseios democratizantes
da maioria da nação e comandaram a formação das instituições que viabilizaram
radicalizar a desnacionalização da economia brasileira, inclusive a
Constituição de 1988.
6. Isso lhes permitiu, paralelamente à pilhagem das
privatizações, ir inflando a gigantesca dívida interna, que agora serve para
entabular nova fase de saqueio acelerado do patrimônio público do País.
7. Esta fase, tal como a dos anos 90, é movida pela corrupção e
pretexta moralidade para varrer do mapa a Petrobrás, a única mega-estatal, que
escapara de ser totalmente alienada durante a ofensiva entreguista do Executivo
“eleito” após a farsa do Plano Real (1994).
8. Estão também marcadas para morrer as empresas nacionais de
engenharia, o último bastião estratégico do empresariado nacional dotado de
dinamismo tecnológico.
9. O Estado brasileiro, dominado por interesses monopolistas dos
carteis transnacionais, ao contrário dos Estados sedes desses carteis, age
contra as empresas controladas por seus nacionais.
10. É como se empobrecer o País fosse meta constitucional. Visto
de outro modo, as instituições pátrias estão fora do controle do governo.
11. O sistema da dívida – de há muito montado pelo sistema
financeiro mundial - perpetua e agrava a abissal desigualdade entre as
potências centrais e os países que, como o Brasil, vêm sendo submergidos na
periferia.
12. A partir do colapso financeiro (2007/2008), dos grandes
bancos capitaneados pela oligarquia, ficou ainda mais patente que antes,
que eles contam com todo o poder daquelas potências.
13. Quando controladores e executivos dos bancos da oligarquia
se locupletaram ainda mais, através de fraudes, e, assim, os abalaram, através
dos derivativos, os governos e as instituições financeiras mundiais os
capitalizaram, dando-lhes dezenas de trilhões de dólares, inclusive novos
títulos em troca de títulos podres.
14. É diferente em relação aos países marcados para ser
vitimados. É guerra, disfarçada como “austeridade”: programas de demolição
econômica prescritos pelos fraudadores, que nem tomam conhecimento das
auditorias de dívida, e os impõem via terrorismo: não adotar esses programas
implica sanções descritas como letais para os recalcitrantes.
15. O mais grave é que, nessa guerra, as potências imperiais
confiam em seu poder, e isso não se dá do outro lado. No Brasil, por
exemplo, investem, há mais de um século, na corrupção, desinformação e
alienação das classes e corporações influentes: as forças estão dispersas e
falta, mais que tudo, visão estratégica e até da realidade.
16. O indispensável conhecimento sobre o adversário, recomendado
por Sun Tsu, exige entender que nada há a ganhar das potências
imperiais e que todo acordo com elas conduz à ruína. Só há esperança sem
ele.
17. Observadores honestos, com experiência em instituições-chave
do poder imperial, confirmam-lhe a estrutura oligárquica e totalitária.
18. Entre esses, Karen Hudes, durante vinte anos, assessora
jurídica do Banco Mundial. Ela verificou a coesão, regida pelas famílias
dominantes da oligarquia, entre: grandes bancos comerciais e de investimentos,
empresas gigantes, Banco Mundial e FMI, bancos centrais, coordenados no Banco
de Liquidações Internacionais, sediado em Basel, Suíça; além disso, sua
ascendência conjunta sobre os governos.
19. Hudes não omite a observação essencial, de que a dívida é a
ferramenta principal para escravizar nações e governos. Estas são suas
palavras:
"Querem que sejamos todos escravos da dívida, querem ver
todos os nossos Governos escravos da dívida e que todos os nossos políticos
sejam adictos das gigantes contribuições financeiras que eles canalizam nas
suas campanhas. Como a elite também é dona de todos os principais meios de
informação, esses meios nunca revelarão o segredo de que há algo
fundamentalmente errado na maneira como funciona o nosso sistema”.
20. Os economistas mais citados e entrevistados pela grande
mídia ajudam a fomentar a falsa crença em que os juros altos e demais
instrumentos da política de arrocho seriam aceitáveis diante da
crise, e não, agravadores dos males estruturais que assolam a economia.
21. Estarrece-me que os sensatos, que rejeitam a aplicação
abusiva de teorias em contextos diferentes do de seus pressupostos, se
limitem a refutá-la somente à luz da macroeconomia, sem apontar que
o Brasil só poderá ser tirado do pântano através de profundas
medidas estruturais, como as delineadas no artigo “Prosperar ou sucumbir”.
22. Não me parece razoável, dadas as mazelas do
subdesenvolvimento incorporadas à economia brasileira por obra do modelo
dependente, esperar sejam sanados através da desvalorização cambial os
problemas decorrentes da baixa produtividade, nem que a sobrevalorização do
câmbio tenha sido causa primordial dos desequilíbrios causadores da
presente crise.
23. O País não tem mais setor público nem privado. Ambos têm de
ser recriados. O primeiro, com grandes empresas, sob princípios administrativos
baseados no mérito, e substanciais investimentos em tecnologias para as
infraestruturas e indústrias de base, inclusive no âmbito das Forças Armadas.
24. Ao lado da fabulosa expansão dos empregos qualificados
decorrente disso, despontará comparável crescimento no setor
privado, em que o teste do mérito tem de ser feito no mercado em estrutura de
concorrência.
25. Quem mostrar qualificações para agir produtivamente e
trazendo tecnologias de interesse nacional e social, terá o
financiamento, podendo-se absorver incontáveis técnicos e empresários
brasileiros e até estrangeiros.
26. Não devem, é claro, ser admitidos carteis das grandes
transnacionais, que já estão aqui na função de parasitas dos sobrepreços
aos clientes e dos subsídios governamentais, além de abusarem do
superfaturamento das despesas.
27. Havendo a desnacionalização feito da
indústria um fardo para o País, em lugar de um ativo - e disso são
exemplos as montadoras - é incrível não reconhecer a necessidade de
reformulá-la de modo compatível com o
desenvolvimento econômico e social.
28. Eliminada a chantagem do sistema da dívida, não haverá
problema algum de recursos financeiros para investir. Basta macroeconomia
decente, sem as letais taxas de juros que os inimigos do País
representados por todos os partidos, a serviço das potências imperiais, infligem ao Tesouro Nacional.
29. Se prosseguir o atual andar da carruagem, a
situação não demorará a ficar muitíssimo pior, porque a inércia do
subdesenvolvimento é muito maior aqui, e porque a altura das taxas de
juros não tem termo de comparação nem com as mais absurdas da própria periferia
europeia.
30. Os juros altos são a droga altamente tóxica que o sistema
usa para cobrir os déficits externos, os quais só podem ser afastados (e sem
problemas) através das correções estruturais. Curioso que os críticos,
inclusive de esquerda, não ousem dar um pio a respeito.
* - Adriano
Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro
Globalização versus Desenvolvimento.