Por Sergio Granja
A morte do candidato e seu enterro foram espetacularizados.
Como anotaria Nelson Rodrigues: “Eis a verdade – tenho medo do morto
ilustre. A visitação, que não para, é tão sem amor! Olho a
curiosidade frívola dos que vão espiar o morto”. Não obstante o fato
lutuoso, embalaram-no em um clima de perplexidade recheado de amenidades, quase
festeiro. E o debate político foi sendo desconstruído em pura propaganda, marketing,
show eleitoral.
Nas câmeras de TV que espiam o morto, o pranto legítimo de
familiares e íntimos de Eduardo Campos vira exploração eleitoral: a emoção
(matéria prima da propaganda) sobrepondo-se ao confronto de ideias, ao embate
racional de propostas para o país.
Os comentaristas exibem, ao vivo e a cores, um festival de
clichês. Não indagam sobre os projetos de nação em disputa, sobre as políticas
propostas através das diversas candidaturas (e a maioria delas é, na verdade,
vazia de conteúdo, pura forma), porque, no fundo, de argumento em argumento,
não fazem mais do que repetir à saciedade o velho e surrado bordão da Margaret
Thatcher: “TINA” (there is no alternative).
PT e PSDB, bem desacreditados, esmeram-se, agastados, em
mostrar quem é o melhor gestor para o atual momento macroeconômico do
capitalismo brasileiro. E, na mídia grande, sob a batuta do grande capital, o
debate não vai além dessa disputa pelo credenciamento como gestor mais
competente do regime do capital. Só que, agora, no deserto pós-utópico do
ceticismo eleitoral, inventaram uma esperança: Marina Silva. Com efeito, se
Lula foi, em dado momento, como definiu com certo exagero Delfin Neto, “a
salvação do capitalismo no Brasil”, Marina pode ser, doravante, com seu
ecocapitalismo e sua indefinível “sustentabilidade”, a miragem laboriosamente
arquitetada para dar-lhe um novo fôlego.
Fonte: Fundação Lauro Campos
Fonte: Fundação Lauro Campos
As mídias televisivas e radiofônicas afinaram suas antenas
nesse diapasão. E, ao que parece, até agora, com relativo sucesso: a
candidatura Marina, antes mesmo de formalizada, já ameaça protagonizar a
disputa eleitoral. E, vejam bem, digo a disputa eleitoral e não simplesmente a
presidencial, o que traz como consequência o enquadramento do debate político
em suas diversas esferas nos marcos convenientes à reprodução ampliada do
sistema como uma totalidade.
Nenhum sistema social se reproduz no longo prazo se não for
minimamente capaz de suscitar alguma esperança que seja. Ao longo de sua
história, o capitalismo não tem feito outra coisa que não seja gerar crises e,
na sequência, despertar esperanças com base nas ilusões alentadas por sua
recuperação. Nesse sentido, vale ter presente que o capital sabe vender
ilusões! De modo que é preciso ter clareza sobre o que está em jogo
nestas eleições e sob que intensidade de tensões este jogo será disputado.
Primeiro: o que está em jogo? Pois o que está em jogo é nada
mais, nada menos do que o “ajuste” para 2015. É exatamente a projeção desse
cenário tenebroso que inviabiliza uma opção menos ruim dentre as que estão
colocadas.
Não é que não existam diferenças entre PT e PSDB. Existem,
sim: o PT é diferente do PSDB (cada vez menos, é verdade; mas, mesmo assim,
ainda subsistem diferenças). E é claro que para os trabalhadores não é
indiferente o modo como os diversos candidatos projetam a gestão dos negócios
públicos, mesmo que todos se enquadrem (como efetivamente se enquadram) sob a
ótica do capital. A Dilma não é o Aécio, e nenhum dos dois é a Marina. Mas o
problema concreto que se coloca é que as margens se estreitaram drasticamente e
qualquer um deles que vença as eleições terá de realizar o “ajuste”, vale
dizer, reajustar tarifas e preços administrados, cortar gastos públicos,
privatizar, arrochar salários, precarizar as relações trabalhistas, gerar
desemprego, cancelar direitos e – para despejar o caminho ao que tem que ser
feito – baixar a repressão. Qualquer coisa diferente disso trafegaria na
contramão da lógica da acumulação capitalista.
Quanto à repressão, o legado da Copa é inequívoco: desde o
arcabouço jurídico que a legitima até o extraordinário aparato repressivo
pronto para ser acionado.
As candidaturas de esquerda (e entre elas a do PSOL, que é,
de longe, a de maior visibilidade) não podem deixar de alertar o eleitorado
sobre o que o espera após as eleições. Mas não se trata só de usar o processo
eleitoral para fazer denúncias. Não, é preciso que, além de denunciar e
alertar, a participação no processo eleitoral sirva para acumular forças com
vistas à organização da resistência popular ao “ajuste”. Essa resistência, que
para ser eficaz terá de ser de massa e se expressar necessariamente nas ruas,
se dará num contexto mais favorável às forças populares se puder contar com o
respaldo de uma representação ampliada no Parlamento.
Visto o que está em jogo, trata-se de considerar, então, sob
que intensidade de tensões esse jogo será disputado. E fica claro que a miragem
criada com a candidatura Marina não ajuda a clarificar o quadro
eleitoral. Ao contrário, deixa-o embaçado, confunde faixas expressivas do
eleitorado e pressiona no sentido do rebaixamento do programa anticapitalista
das candidaturas de esquerda.
Como lembra Marx, “não basta que o pensamento procure se
realizar; a realidade deve compelir a si mesma em direção ao pensamento”.
As semanas vindouras deixarão mais evidente a realidade efetiva do efeito
Marina no cenário eleitoral.
À primeira vista, a candidatura da Marina ameaça colocar em
cheque o bipartidarismo hegemônico. Se a eleição fosse hoje, como noticia a
pesquisa DATAFOLHA aferida sob o forte impacto emocional do acidente que
vitimou Eduardo Campos, Marina poderia ultrapassar Aécio, ir para o segundo
turno e derrotar Dilma. Talvez esse seja um fenômeno passageiro, talvez perca
força com o inevitável distanciamento da tragédia. Mas, de imediato, o significado
político da ascensão da Marina pode ser avaliado por sua repercussão positiva
no templo do capital, a Bolsa de Valores: o índice BOVESPA subiu 1,05% e foi a
57.560 pontos, o maior patamar de fechamento desde 28 de julho.
Não é só Dilma e Aécio que perdem com a ascensão da Marina.
Ela também cria dificuldades para as candidaturas de esquerda e coloca
para estas o desafio de trazer para seu campo um eleitorado que, em grande
medida, vacila, sente-se de alguma forma atraído pela coalizão PSB-REDE e ainda
pode tender para o voto nulo, em branco ou a abstenção eleitoral. Veremos
– creio que sobretudo no Rio de Janeiro – até que ponto esse efeito criará
dificuldades para as candidaturas proporcionais do PSOL nas faixas do
eleitorado em que elas transitam.
Esta eleição começou com o franco favoritismo da Dilma. Em
seguida, a petista foi perdendo fôlego e Aécio começou a ganhar espaço. Com a
forte comoção causada pela morte de Eduardo Campos, o cenário eleitoral sofreu
uma reviravolta e Marina despontou como alternativa de vitória. Sem subtrair
eleitores aos outros dois favoritos, Marina herdou os votos de Eduardo Campos e
acrescentou a eles os de uma parcela dos eleitores indecisos e também de muitos
que prometiam votar nulo ou em branco.
Em meio a esse quadro de incertezas, são muitas as
indagações. Que espaço se apresenta para a esquerda avançar na disputa
presidencial? Em que medida o voto majoritária se alinhará ao
proporcional ou dele se apartará? Até que ponto o cenário atual tende a
se estabilizar?
É preciso responder a essas questões para saber o que fazer.
Fonte: Fundação Lauro Campos